Carlos Santos, num dos seus muitos momentos simplex de deturpação das posições da esquerda socialista (para uma outra posta…), acha que João Galamba desmascara a posição anti-capitalista do bloco. João Galamba não faz nada disso: trata-se apenas de mais um momento de despreocupada brincadeira com as palavras na esteira de Pacheco Pereira. Simplex campanha. Acho que João Galamba conhece o suficiente das tradições socialistas e anti-capitalistas para saber que há muito tempo (décadas mesmo) se superou a infeliz dicotomia que opunha reforma a revolução. Na prática e na teoria só faz sentido falar de reformas socialistas. Um dia, como defendeu Habermas, talvez olhemos à nossa volta e cheguemos à conclusão de que isto já não é capitalismo. Esta longa transição, esta acumulação de reformas, que pode ter acelerações e recuos imprevistos, é a revolução como processo de extensão da democracia, entre outras esferas, à economia. Boaventura de Sousa Santos fala, e bem, do socialismo como democracia sem fim. Isto não está garantido por nada – nem pela história, nem pela ciência.
Como é evidente há variedades de capitalismo, que são o resultado, entre outras coisas, de cristalizações institucionais das lutas de classes (podem chamar-lhes outra coisa…). Como é evidente, os sistemas económicos realmente existentes são articulações complexas de várias formas de provisão regidas por diferentes princípios – da procura solvente ao reconhecimento das necessidades sem muros de dinheiro. O socialismo também. Esta concepção de socialismo, que é a da esquerda que conta, aceita e valoriza a existência de diferentes princípios de provisão dos bens sociais – mercantis e não-mercantis –, de diferentes formas de propriedade – pública, privada e cooperativa – e sobretudo de diferentes formas de distribuir os vários direitos de propriedade entre os vários agentes envolvidos no processo económico (a democracia económica, como Jorge Bateira aqui sublinha, está no centro do socialismo que não pára à porta das empresas). Esta impureza é questão de realismo e de ética da responsabilidade (leia-se o capítulo sobre o leste europeu do livro de Francisco Louçã A Maldição de Midas, escrito no início da década de noventa. É a melhor coisa que se escreveu em Portugal sobre o assunto. Evitar-se-iam muitos disparates sobre as posições do coordenador do bloco…).
Como defendeu o filósofo G. A. Cohen no seu último livro, os socialistas não devem desistir do processo de descoberta das tecnologias sociais para efectivar dois princípios fundamentais e irrenunciáveis: uma concepção exigente de igualdade substantiva de oportunidades para alcançar funcionamentos genuinamente humanos e uma concepção robusta de comunidade, base de relações de fraternidade e de reciprocidade e da atenção ao bem comum. Isto pressupõe a disponibilidade para tentar superar aquelas relações de subordinação que são a essência do capitalismo. Enfim, João Galamba conhece esta conversa. Conhece a esquerda socialista. Manuel Alegre, por exemplo, defendeu, no encontro da Trindade, que a esquerda não pode deixar de ser contra o capitalismo e a favor do socialismo. Questão de identidade, ou seja, questão de bússola. O que desconhece o candidato João Galamba? Como fazer campanha eleitoral sem perder a seriedade e a compostura…
João,
ResponderEliminarGostava que não me acusasses de falta de seriedade, por favor. As minhas críticas ao Bloco não s devem à campanha eleitoral. Tu sabes que as minhas críticas não são de agora. Tenho criticado a visão neo-marxista do Bloco — e a tu também — que insiste na ideia, simplista e redutora, de que o capital expropria o trabalho. Daí ter confrontado Louçã com o programa exclusivamente redistributivo do BE e a falta de medidas que apoiem o crescimento económico. Ao contrário de Louça — e de ti — eu não acho que o crescimento passe apenas por uma sustentação da procura — e acho, sobretudo, que a ideia da reabilitação urbana é manifestamente insuficiente para relançar a economia portuguesa, omeadamente por descurar a componente de bens transacionáveis.
Quanto às minhas acusações ao radicalismo do bloco: rejeito as nacionalizações, sobretudo quando Louça se escusa a comentar os seus custos e a sua implimentação prática — aquela história do "só nos interessa o princípio" é acadamicamente válida mas politicmente irresponsável. Rejeito o discurso neo-marxista da denúncia e diabolização dos ricos, rejeito a diabolização do PS e a acusação de que este partido está na vanguarda do neoliberalismo (?). E desprezo (sim, desprezo) a desvalorização sistemática de todas as boas medidas que este govero tomou, nomeadamente na saúde, no combate à desigualdade, no investimento na escola pública.
Acho inaceitável e irresponsável que se diga que este PS não é de esquerda e responsabilizo Louçã pelo péssimo serviço prestado à causa em que tu e eu, com todas as diferenças que existem nas nossas posições, acreditamos.
Um abraço,
Joao Galamba
Caro João Galamba,
ResponderEliminarEsta direcção do PS não é de Esquerda. Não é de Esquerda quem concentra o Poder de decidir nas mãos de poucos, diminuindo a participação democrática nas empresas, nas escolas, nos serviços públicos. Não é de Esquerda quem se recusa a atacar a desigualdade económico-social que resulta duma iníqua distribuição de Poder na sociedade. Esta direcção do PS aceita sem reservas a ideia neo-liberal que o que interessa é ter uma economia eficiente, que "crie riqueza", independentemente das condições (de exploração do trabalho) em que tal é feito. Apenas difere da direita neo-liberal no assistencialismo de Estado: tem pena dos desempregados mais pobres, e por isso subsidia a pobreza de modo a que ela não choque demasiado as pessoas "mais civilizadas". Esta direcção do PS não é de Esquerda. E por isso é necessário derrotá-la, para que se vá embora o mais depressa possível para os chorudos salários que a esperam no sector privado, permitindo ao PS re-encontrar a sua identidade histórica, de luta contra a desigualdade no acesso e exercício do Poder em todas as suas vertentes.
Bom comentário do Galamba.
ResponderEliminarE bem verdade... a crítica já vem de longe. O BE sublimou a produção de riqueza que deixou de ser um problema na equação e daqui decorre a sua concordancia europeista sintetizada na moeda (ou na tranquiliade da sua existencia)(uma espécie de socialismo de prosperidade que redunda no "programa exclusivamente redistributivo" ---) ~
Parece-me evidente que o discurso do BE é aquele que menos tem pertinencia com o recuo da economia e mais se adequa aos tempor de prosperidade e crescimento económico.
Neste tocante creio que o PCP entende melhor o problema uma vez que nunca abandonou a temática da produção, do déficit externo e do mercantilismo nacionalista (a tudo isto o BE é absolutamente alheio).
Em todo o caso o que me trouxe a este post é o facto de gostar de saber o que é ou o que alguma vez foi (para além de dialetica marxista) o capitalismo como ordenamento jurídico económico (já agora o neo liberalismo também??).