Não há nada mais divertido do que ver a direita a explicar o que deve ser a esquerda – obviamente, uma coisa igual à direita. Martim Avillez Figueiredo, director do i, tem-se proposto a esse exercício. O pretexto é o plano de cobertura universal de saúde de Obama nos EUA. Este plano prevê a criação de um seguro saúde, financiado pelo Estado, que garanta cobertura aos 40 milhões de norte-americanos sem acesso à saúde. Martim rapidamente dirige as suas baterias para o sector da educação. Lá iremos. Primeiro, importa olhar para o debate político dos EUA sobre saúde.
Obama vinca o facto deste plano deixar intacto a actual relação dos norte-americanos cobertos com as suas seguradoras privadas. No entanto, não é difícil perceber que tal discurso é feito à medida da forma como o debate político está enquadrado nos EUA. A mistificação levada a cabo pelos republicanos e pelo lobby das seguradoras de saúde atinge o nível de falta de sentido de qualquer sketch dos Monthy Pithon. Veja-se o vídeo abaixo (infelizmente sem legendas) onde Sarah Pallin tenta colar a eutanásia ao plano de Obama, que preveria burocráticos “painéis da morte”. Isto sem falar das recorrentes acusações de “socialismo” que certamente Martim não subscreve. Enfim, nada que surpreenda. O plano de Hillary Clinton de cobertura universal, de meados dos anos noventa, foi derrotado com o mesmo tipo de argumentos.
Para não existirem dúvidas sobre a verdadeira posição de Obama, veja-se este vídeo de 2003, onde o actual presidente defende um sistema público universal “à europeia”. Claro está que Obama diz hoje que este seria o melhor plano se se partisse do zero, o que obviamente não é o caso.
Mas Obama tem boas razões para preferir o sistema europeu, público, de provisão de cuidados de saúde. Este é, sem dúvida, o mais eficiente – um conceito tão caro a Martim – dos sistemas. Os Estados Unidos gastam mais, em percentagem do PNB, em saúde que qualquer outro país do mundo e, no entanto, deixam 20% da população sem qualquer cobertura. Como assinala Krugman, também no i, no Reino Unido gasta-se 40% per capita, num excelente serviço público, do que se gasta nos EUA. É fácil explicar porquê. Num sistema onde o estado se limita a pagar a factura, todo tipo de abuso será promovido. Quanto mais se gastar por paciente, mais lucros terão os prestadores privados de saúde. É certo que tudo isto pode ser regulado e é-o. Contudo, numa relação onde a informação é radicalmente assimétrica como é a relação entre paciente e médico, não é fácil controlar a necessidade ou não de certos tratamentos. Não é por acaso que, por exemplo, no nosso país são feitas muitas mais cesarianas (mais caras) no sector privado do que no sector público. A ruinosa gestão do Amadora-Sintra é outro bom exemplo. A única forma de garantir cuidados de saúde de qualidade realmente universais tem de passar pelo modelo público de provisão onde o lucro não seja uma motivação na relação entre paciente e médico.
Aliás, por mais bem intencionada que seja o plano de Obama não lhe prevejo grande futuro. A cobertura universal será certamente um progresso civilizacional notável, mas a factura a médio e longo prazo tornar-se-á incomportável. Os actuais custos dos sistemas públicos de financiamento Medicaid (para os mais pobres) e Medicare (para os idosos) estão aí para o provar. Todavia, quando um novo debate sobre a sustentabilidade surgir, o enquadramento social da questão será diferente, já que a saúde será entendida como aquilo que é, um direito universal. Este direito tem sido melhor assegurado pelos sistemas de provisão pública. Isto tem sido defendido pela insuspeita OMS. No relatório sobre determinantes sociais de saúde, aqui sintetizado pelo João Rodrigues, baseado em extensa evidência empírica, conclui-se que «a comercialização de bens sociais vitais, como a educação e a saúde, produz iniquidade na área da saúde». É por isso que «a provisão destes bens sociais vitais deve ser da responsabilidade do sector público, em vez de ser deixada aos mercados». Funciona.
A candidatura «Unir Lisboa» está a reunir um conjunto de blogues apoiantes. Já temos vários na nossa lista, que aumenta diariamente (estão elencados no nosso site).
ResponderEliminarPara esse efeito, criaram uma série de banners para serem colocados nos vossos blogs; que agora dispobilizam publicamente. Têm em três tamanhos: grande, médio e pequeno.
1. Tamanho grande:http://www.unirlisboa.net/img/blog_apoia_large.gif
Vivo nos EUA e na semana passada a minha seguradora - que custa 400 dólares por mês (mais $25 de co-pagamento por cada visita ao médico mais uma data de massa em co-pagamentos de remédios) - já mandou dizer que a partir de agora só paga 80% das diárias hospitalares. Ou seja, com seguro de saúde ou não, se eu ou alguém da minha família precisar de ser internado num hospital vamos provavelmente ter de pedir um empréstimo.
ResponderEliminarEste sistema é muito simples de explicar: quando nos apanham doentes, as empresas privadas de saúde roubam-nos tudo o que temos.
É o que os liberais em Portugal nos querem impingir, Filipe Castro. Em nome da "livre iniciativa", da "competitividade", "mercado" e outras merdas que tal. Daqui a uns anos teremos de trabalhar mais. Nos EUA, sobretudo nas comunidades emigrantes portuguesas, acha-se "bem", porque o tempo das vacas gordas já lá vai. Vão trabalhar e parem de ler blogs, seus malandros.
ResponderEliminarPois, fala-se do Estado como ineficiente, mas eu aprendi a Microeconomia que em concorrência, se havia lucro, já não se tratava de concorrência perfeita e também não era eficiente. Mais, quanto maior o lucro maior a ineficiência...Estranho não?
ResponderEliminarConcluo apenas que prefiro pagar a ineficiência de um Estado em que ainda tenho algo a dizer do que o iate de alguém...
O Rui Herbon, d'A Escada de Penrose, acaba de me atribuir o prémio representado por este selo. As regras que o prémio acarreta são as seguintes:
ResponderEliminar1- Colocar o selo no blogue;
2- Indicar 10 blogues que considero viciantes;
3- Informar os indicados;
4- Publicar no blogue três coisas que pretendo fazer no futuro.
Três coisas que pretendo fazer no futuro:
1) inflectir pouco a pouco a orientação do blogue para a intenção inicial, que consistia em falar de leituras;
2) sem prejuízo do que disse acima, continuar a reflectir sobre política e educação numa perspectiva radical, ou seja, partindo de posições de princípio e distanciando-me um pouco das polémicas correntes;
3) dedicar alguma atenção à temática do ambiente, ligando-a à da racionalidade e do pensamento crítico.
Os blogues que nomeio são, por ordem alfabética, os seguintes:
A Natureza do Mal
Ao Longe os Barcos de Flores
Câmara dos Lordes
Da Minha Profunda Ignorância
Delito de Opinião
Diz que não gosta de música clássica?
Está de Velho!
Ladrões de Bicicletas
O Bengalão
Vade Retro
Enfim...apesar da "Guerra Fria" ter acabado à cerca de 20 anos o termo "Socialismo" e todos os demais relacionados com este podem servir de bode expiatório pelos lobbies corporativos para impedirem uma reforma do sistema de saúde. Típico. Quem não aprofundar o assunto irá acreditar nos "socialistas que comem criancinhas ao pequeno-almoço". Enfim...muda-se o foco dos verdadeiros argumentos para uma simplificação abusiva. É socialista portanto é mau.
ResponderEliminarConcordo com o "post". Está historicamente comprovado que os regimes socialistas/ comunistas proviam bens como a saúde e a educação de forma mais eficiente que os seus congéneres capitalistas, ou os Estados Unidos que é o exemplo que interessa para o caso.
Cumprimentos
Se vir bem os números, a maior parte da ineficiência nos gastos com saúde nos EUA advêm do sector público que, segundo o mito, não existe nesse país.
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