Depois de ler os comentários a esta posta do José M. Castro Caldas, apeteceu-me dar também um contributo.
Os economistas do pensamento dominante, e mesmo alguns Schumpeterianos e institucionalistas, tendem a ver as chamadas ‘ciências da natureza’ como modelos de construção de conhecimento científico. Imaginam que, em condições de laboratório adequadas, essas disciplinas conseguem testar hipóteses que, quando confirmadas, se tornam explicações causais generalizáveis.
Mas estão enganados. As polémicas em torno do que é ciência podem não ter terminado mas creio que já acabaram com o mito das ‘leis’ causais que fazem o encanto de tantos economistas ingénuos. De facto, o que aí se faz é procurar segmentos de cadeias causais específicas em condições controladas. Aos que querem saber alguma coisa sobre isto recomendo este livro.
Contudo, ‘fora do laboratório’ a realidade é muito mais complexa. É atravessada por mecanismos causais que articulam diferentes ‘níveis’ dessa mesma realidade. O que se passa nos tecidos de um órgão do nosso corpo, por exemplo o estômago, não depende apenas dos mecanismos causais associados às células desse órgão. Também depende do que se passa noutros órgãos do corpo como é o caso do sistema endócrino (mesmo nível), do que se passa ao nível genético nas células desse órgão (nível inferior), e do comportamento do indivíduo quanto à alimentação (nível superior). Se nos laboratórios se descobrissem “leis” da biologia, já há muito tempo que teríamos medicamentos eficazes para prevenir e/ou tratar com sucesso doenças graves como a sida, cancros, etc.
Por outro lado, fico perplexo quando se fala da biologia como uma ciência homogénea, como se não houvesse mais biologia para além do geneticismo dominante. Os biólogos que me perdoem, mas já me atrevi a apresentar (aqui) outras “escolas de pensamento”. É que a ciência é por natureza plural!
Assim, os economistas do pensamento dominante que ainda estejam disponíveis para alguma aventura intelectual deveriam parar para reflectir sobre o que andam a investigar e ensinar. Pelo menos por estas razões: a) o que caracteriza a ciência não é a descoberta de explicações causais generalizáveis; b) as explicações em termos de causalidade eficiente (‘algo’ causa determinado ‘efeito’ sob certas condições) são limitadas e, também, não são forçosamente as mais interessantes para a realidade que se pretende estudar; c) o interesse do investigador também conta no tipo de explicação que escolhe já que os ‘mecanismos causais’ não são a única forma possível de explicação científica.
Quer isto dizer que defendo um ‘vale tudo’ pós-moderno na busca do conhecimento científico? Claro que não, e nada do que fica dito aponta nessa direcção. Mas o assunto também não tem de ficar esgotado hoje. Os mais curiosos podem perceber melhor onde me situo, metodologicamente, lendo esta posta.
Na minha opinião o melhor suporte bibliográfico à sua posta é Angela Creager,E. Lunbeck e M. Norton Wise, Science Without Laws: Model Systems, Cases, exemplary Narratives, Duke University press, 2007. É no mínimo curioso que o título seja o mesmo daquele que sugere. Aí se dicute justamente o estatuto da explicação em biologia, física ou história. A ideia básica é que a redução a leis não é hoje a forma dominante de fazer ciência. Basta entrar um pouco nas prácticas da genómica actual para perceber que a narrativa e o historicismo estão de volta e em força.
ResponderEliminarToda a mecanização, automação, inteligência artificial é suportada, copia o lado racional do Homem.
ResponderEliminarTambém acho que a inteligência não se pode reduzir a uma organização exclusivamente racional. Ninguém nunca, conseguirá dissecar um humano e separar partes racionais de irracionais!!!
Essa separação é mais uma conveniência, de entre muitas, que inventamos, usamos, para nosso bem.
Se gostaram desta antologia de Ronald Giere, que desenvolve uma filosofia da ciência com base nas ciências cognitivas, apreciarão, por certo, o seu EXPLAINING SCIENCE (1988) e, ainda mais, o texto seminal de Nancy Cartwright, HOW THE LAWS OF PHYSICS LIE (1983).
ResponderEliminarCaro Tiago Saraiva,
ResponderEliminarObrigado pela referência bibliográfica que não conhecia. Aqui no Ladrões é muito bem vinda esta "reciprocidade", à la Polanyi.
Caro João Ribeiro Mendes,
Embora já conheça o trabalho da Nancy Cartwright, ainda bem que o mencionou. A partilha dessa informação permite centrar a discussão na própria física, de que a esmagadora maioria dos economistas apenas conhecem o "equilíbrio geral" do sistema solar.
Obrigado a todos os que participam construtivamente.