sábado, 28 de fevereiro de 2009

O valor do défice

12%. Défice orçamental nos EUA. Esta é, em parte, a medida da vontade norte-americana em evitar uma depressão e a consequente destruição, em insuportável escala, de emprego. Num momento de contracção brutal da procura privada, o Estado torna-se parte da solução e isso vê-se no défice, nas nacionalizações, ainda que excessivamente relutantes, do sistema financeiro e na política monetária que já está muito para além do quadro fixado pelas ortodoxias. Tentar cortar as interacções económicas perversas entre dívida e deflação em tempos de colapso económico através do aumento da despesa e do investimento e do controlo público do crédito. Isto é só o início. Habituem-se.

A dívida pública vai ter de aumentar e muito. Tal como aconteceu, por exemplo, no fim da 2ªGM, quando ultrapassou largamente os 100% do PIB. E depois? É uma grande oportunidade para reestruturar e reconstruir as instituições da economia, evitar a depressão e assegurar a prosperidade partilhada, entre outras coisas, taxando os mais ricos, o que corrigirá este desequilíbrio no futuro. O Estado coordenador está abertamente de regresso. A UE, construída contra esta generosa ideia, desafiadora do senso comum liberal, fica garantidamente atolada na depressão e nos dogmas liberais.

Se esta linha for prosseguida nos EUA, as gerações futuras irão agradecer, embora a dívida pública não seja tanto um encargo para o futuro, mas mais uma transferência de activos e de fluxos entre diferentes grupos no presente. Sobre o papel dos défices e da dívida, vale a pena ler Martin Wolf no FT e sobretudo esta posta do economista Mark Thoma no seu excelente Economist’s view. É para não pensarem que isto é uma alucinação da esquerda irresponsável, totalitária, despesista, radical, nostálgica, sul-coreana ou conservadora, para usar alguns dos epítetos com que muitos no blogue Outubro costumam «discutir» ideias sem referência, em concreto, a posições concretas. O debate fica a perder.

7 comentários:

  1. Caro l. Rodrigues,

    Também. Mas não sou. Coreia do Sul já foi usada. A sério. :)

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  2. Mais concretamente aqui:

    http://blog.fundacaorespublica.pt/?p=284

    Sem link, como já vem sendo hábito com muitos dos nossos críticos.

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  3. Obrigado pelo link, não costumo andar por aqueles lados.
    É certo que, o seu a seu dono, o epiteto de norte-coreano costuma vir daquele pessoal ainda mais à direita.
    Eu é que vou tendo dificuldade em distingui-los.
    Talvez agora, com a força da mudança...

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  4. "a dívida pública não seja tanto um encargo para o futuro, mas mais uma transferência de activos e de fluxos entre diferentes grupos no presente"
    Sendo absolutamente verdade, importa notar que corresponde a dizer que no futuro os encargos terão que ser pagos através da cobrança de impostos (ou da redução de despesas públicas) suportados por todos para pagar os juros a favor dos detentores da dívida (credores líquidos) que serão sobretudo ricos e (no caso dos EUA) estrangeiros. Como é óbvio as gerações futuras dos devedores líquidos (que não tenham herdado títulos de dívida suficientes para compensar os impostos adicionais e portanto sobre quem recairão os encargos) talvez não fiquem assim tão agradecidas, pelo que esta estratégia tem limites pois a partir de dado ponto pode tornar-se pouco credível que no futuro exista a vontade/capacidade para realizar a "transferência" de recursos nos montantes necessários para garantir o cumprimento do serviço da dívida.

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  5. 12%; um valor de esquerda.

    O autor esquece-se de acrescentar que grande parte desse valor é para acudir a um sistema financeiro em falência técnica e que a trajectória estimada dos valores do défice tenciona regressar a uns valores mt mais sensatos por volta de 2012! O plano Obama contempla assim tb o seu PEC! Claro que quando a data chegar... nem estabilidade, nem crescimento, como por cá já estamos "habituados"!

    Pois qual mito esse; o Estado-descoordenador passava como do dia para a noite para o Estado-coordenador; e logo nos EUA; tudo a seu tempo antecipado aqui, na blogosfera!

    Se os autores do blog perdessem um pouco de tempo com a discussão alemã em torno do défice público a questão não pareceria tão trivial. Claro que durante a II Guerra o endividamento ultrapassou os 100% do PIB nos EUA e UK; mas aí não tínhamos já no mesmo nível o endividamenteo das famílias, das empresas e e...
    ... ao menos havia perspectivas, que se materializaram em 50' e 60' de crescimento económico fordista nos principais países da Europa e nos EUA!

    Claro que os ladrões querem lançar os dados; mas no pior, já tomam a economia pelos seus desejos! Desejem então; e façam muitas figas para que o número por cá seja porventura semelhante, ex-post; claro está! (Estado socrático a pagar pensões, salários, bolsas de estudo e colecta de imposto a desaparecer).

    Aí, mais uma vezes, se preparam as miríficas eurobonds, expressão que já muito boa gente começa a articular e só fica a faltar que a Alemanha se disponha a pagar; eu por mim, dou o meu que tennho entesourado, talvez os ladrões tb tenham algum que queiram dispensar; isto é, "pôr a render"!

    A EUROPA, UMA ECONOMIA DE RENDEIROS!

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