sábado, 8 de novembro de 2008

Quem quer ser trucidado?

Através do Cinco Dias, tomei conhecimento desta reveladora declaração do Secretário de Estado da Administração Pública: «Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma [da Administração Pública] serão trucidados». Uma boa síntese da atitude que também domina o Ministério da Educação. Trucidar os professores parece ser o objectivo do tortuoso modelo de avaliação em processo de contestada implementação. Estas declarações e estes processos só se compreendem no quadro de um programa mais vasto, e já aqui por nós denunciado, de subversão da provisão pública. Isto passa, entre outras coisas, pela destruição de todas as formas de solidariedade profissional. Uma das marcas da «esquerda moderna»?

Hoje, quando os professores estão uma vez mais na rua em defesa da escola pública e da sua ameaçada dignidade profissional, vale a pena relembrar o artigo do Jorge Bateira que saiu na edição de Abril do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa. Intitula-se «Autópsia a um reformismo iluminado» e procura analisar criticamente a lógica das transformações em curso em muitos sectores da administração pública e apontar algumas das causas para o seu fatal insucesso. Alguns pontos muito importantes: (1) o discurso do combate aos supostos grupos de interesse assenta no pressuposto de que o oportunismo egoísta é o padrão de comportamento dominante nas organizações públicas; (2) este discurso, sobretudo quando é vertido em sistemas de avaliação e de monitorização, tende a ter efeitos perversos: «os sistemas de gestão que pressupõem o oportunismo generalizado acabam por estimular o tipo de comportamento que visam combater»; (3) a mobilização das motivações intrínsecas dos profissionais - por exemplo, na área da educação -, essencial para um bom desempenho, é bloqueada pela obsessão com o controlo burocrático por parte de quem não concebe a possibilidade da cooperação autónoma para atingir objectivos de interesse público; (4) gera-se uma mentalidade dirigista que assume que o centro político tem todas as soluções e que se trata apenas de as impor com voluntarismo combativo de cima para baixo; (5) o conhecimento dos profissionais é desvalorizado e não é incorporado no desenho das nova soluções.

Um desastre político e de políticas que vai custar muito caro à escola pública. Felizmente, há quem resista. Parece que são muitos, muitos mil…

6 comentários:

  1. Ver
    http://apresencadasformigas.blogspot.com/

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  2. “Trabalhadores, serviços e dirigentes que não estejam com a reforma [da Administração Pública] serão trucidados.”

    Esta declaração mostra o objectivo do governo em relação aos serviços públicos e ao próprio Estado: o esvaziamento das suas funções. A classe política do poder já não defende ideias ou políticas, que seria a sua função; quer entrar pelo Estado adentro para acabar com o “empecilho”.

    Hoje fala-se da extensão do porto de Alcântara, uma negociata entre a Liscont/Mota Engil e o Porto de Lisboa. Mas, aqui neste caso, quem defende o interesse público, onde está o Estado, onde está o planeamento sustentável?
    Em relação à opção Alcochete em detrimento da Ota, o LNEC (hoje um museu?) só se fez ouvir muito mais tarde, mercê da pressão da opinião pública e dos desenvolvimentos que se conhecem.
    Porque razão também, foram criadas “empresas públicas” como por exemplo a do Alqueva - EDIA, ignorando haver nos serviços públicos pessoal competente e qualificado, para acompanhar e fiscalizar?
    Os exemplos não se esgotam aqui.

    Com a educação, é a mesma coisa. Foi criada a imagem que TODOS os professores são uns mandriões, que não querem ser avaliados…Ontem foram 120.000 “mandriões”!

    Já aqui disse que o governo deste PS foi apanhado em contra-ciclo: em plena ascensão Terceira Via acima, é o modelo neoliberal que cai com estrondo (não tiveram tempo para ajustes)!

    Em resumo: democratização do Estado, reformas sérias na AP, venham elas, que são absolutamente necessárias. Outras reformas, claro, não estas que nos querem impingir.

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  3. As Corporações/Grupos Profissionais nunca se autoreformam - a análise histórica assim o prova.
    Defendem (e é por isso e nisso que consensam) a melhoria dos seus privilégios e/ou a defesa do status quo (em fases defensivas).
    Os Sindicatos(nomeadamente a Fenprof) e os "movimentos populares", na minha opinião, estão a preparar o caminho...para a privatização do Ensino Público a executar pelo próximo Governo da Direita que existir em Portugal.
    Descabido ?!
    (Vidé o que já está a acontecer em Itália com o Governo Berlusconi).

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  4. A avaliação não deveria ser sequer objecto de debate público. Cabe às escolhas avaliar os professores como bem entenderem. Cabe aos pais escolher as escolhas para os filhos tendo em atenção os rankings. Cabe ao governo privatizar as escolas.

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  5. claro: também acho que cabe ao estado 'escolher as escolhas', assim como aos sindicatos 'privatizar as privatizações' bem como aos 'movimentos' 'avaliarem as avaliações' e finalmente ao Ministério 'liquidar as liquidasções', os professores e, de caminho, o ensino público em portugal.
    Aliás, é de uma 'iluminada iluminação' considerar que os professores querem 'privatizar o ensino público' - provavelmente para depois inscrevem lá os filhos e ficarem à porta a acenar adeus, adeus...
    Um bocado como tomar ácidos e depois fazer mergulho aquático. Os corais - uau! - tornam-se - oh man - sei lá... vale bem uma cabeçada aqui ou ali numa rocha.
    Do que é que estavamos a falar? Ah, sim, o coiso. Os profs, pois. yeah, man, odeiava-os, faziam-me - desculpem-me, sinto-me um pouco zonzo só de falar nisso - a escola, as privatizações e assim, pois, o que eu acho é - por mim era tudo trucidado, esses profs e mais não sei quê, em sítio público, a céu aberto, como numa lixeira. Uma fogueira ou assim. Tudo, todos!
    Descabido?!
    Qual quê - aliás, nada deveria ser objecto de debate público: para que é que estamos aqui a falar? O Estado decide e as pessoas cumprem. Tudo de joelhos, no meio da rua, a acatar ordens e mais nada. É que era.

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  6. o novo estatuto disciplinar dos funcionários públicos, no seu artigo 3º, ponto 3, reza assim:" o dever de prossecução do interesse público consiste na sua defesa,...". E pronto, está quase tudo dito, a elasticidade do conceito de defesa pode até querer dizer que devemos acenar que sim, com a cabeça, quando fala o sr. Primeiro Ministro ( espero que não venha a ser obrigatório que este modesto funcionário ateu se sinta obrigado a bater com a mão no peito)

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