quarta-feira, 9 de abril de 2008

‘Mind the gap’ ou as consequências da financeirização do capitalismo

Acho que quem quiser compreender as consequências socioeconómicas e políticas do processo de financeirização do capitalismo anglo-saxónico deve ler a detalhada análise do Financial Times de ontem (subscrição gratuita aqui). Notar que a expressão «financeirização» foi agora adoptada pelos meios respeitáveis da finança internacional. Até há pouco tempo era usada apenas por economistas políticos críticos para assinalar a hegemonia da finança especulativa sobre os processos produtivos. A realidade acaba sempre por ter muita força. O artigo começa com uma constatação: «A desigualdade de rendimentos nos EUA atingiu o seu valor mais elevado desde aquele ano fatídico: 1929». O FT teme a corrosão da legitimidade política deste modelo agora que o processo económico que assegurou o seu sucesso político, apesar de mais de duas décadas de «estagnação dos rendimentos das pessoas comuns», está a quebrar: o sobrendividamento, sustentado pela valorização dos activos imobiliários, já não consegue impulsionar um sistema que dependeu dele para mascarar uma performance económica sobreavaliada por tantos. O castelo de cartas da dívida, construído pelos processos de 'inovação financeira', está em colapso e interage perversamente com a forte quebra do preço da habitação. Tudo isto num contexto em que não existe «correlação entre a performance das empresas e os altos salários do topo». Como se isto não fosse suficiente, até se reconhece que as políticas de desregulamentação e de regressividade fiscal terão dado um contributo para a actual situação de desequilíbrio socioeconómico. «O mundo dos negócios tem outra vez um problema de legitimidade». Esperemos bem que sim. Isto depende muito da força do contra-movimento intelectual e político nos EUA e no resto do mundo.

Sobre este artigo vale a pena ler a análise de Jerome do excelente European Tribune. Outro exercício interessante é a comparação com o artigo mais longo e profundo de John Belamy Foster na última Monthly Review. Economia política marxista no seu melhor. Alguns dos mecanismos da financeirização do capitalismo norte-americano são aqui muito bem escrutinados. O gráfico mostra a evolução do peso dos lucros da finança nos lucros totais. Hei-de voltar a este artigo.

5 comentários:

  1. VITÓRIA NA VENEZUELA!

    Após intensa luta dos trabalhadores da SIDOR (empresa siderúrgica de capital argentino), o governo bolivariano declarou a nacionalização da empresa!

    Nas última semana, depois dos lacticínios "Andes" (que controlam 40% da indústria do leite) e da cimenteira CEMEX (que controla a quase totalidade da produção), chega a vez da SIDOR (a 4ª maior produtora de aço da América Latina)!

    Lê pormenores em http://tirem-as-maos-da-venezuela.blogspot.com/

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  3. Jerome, do Eurotrib, tem tentado cunhar o termo "Anglo-desease" para caracterizar precisamente a financeirização da economia, remetendo para o que se chamou à altura a "Dutch desease".
    De facto, os colunistas do FT estão quase lá...

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  4. A financeirização do capitalismo é perversão maior do que o antigo capitalismo, acho que o liberalismo ficará associado ao antigo capitalismo e neoliberalismo ao capitalismo "financeirizado". Embora, os problemas do antigo capitalismo não tenham desaparecido, infelizmente estão a ser acumulados.

    É bastante óbvia a insustentabilidade deste sistema, e infelizmente pode ser o modelo democrático que pode sofrer as consequências, apesar de não estar aí o problema, mas antes a solução. Os mecanismos distributivos baseados na mobilidade social, no acesso à educação como expansão dos direitos e acesso aos produtos e serviços é posto em causa, e de que maneira... Não é por acaso que as "Novas Oportunidades" tem sido alvo de chacota constante, uma das (imensas) razões é porque a escolaridade, o mercado de produção e prestação de serviços perde todos os dias terreno para a mercado da especulação. Logicamente que o mercado da especulação não pode seguir o caminho do mercado produtivo, porque se podemos projectar um mercado de troca de serviços e bens por si só, já o mercado especulativo só existe porque também existe um mercado produtivo. Não podemos ter uma sociedade inteira dedicada à especulação...o "mundo" parava. O mercado decisivo para as pessoas é o produtivo, são os serviços de saúde, a educação, o comércio de bens alimentares, os serviços de luz, gás...

    Os bancos são a génese deste modelo, são o expoente máximo da especulação financeira em torno do mercado produtivo. Agora são as empresas que vendo o sector financeiro ganhar terreno vivendo da produtividade dos outros, estão a encontrar mecanismos para também entrar nesse mercado. O recurso a off-shores, as sociedades por acções, o recurso das empresas a empréstimos exorbitantes são a manifestação de que o mercado produtivo se apercebeu da dimensão do mercado estritamente financeiro. A comodidade conferida pelo facto de o dinheiro não estar intrinsecamente associado a serviços e bens, está a ser pervertido pelo sistema financeiro que especula sobre o mercado produtivo, desvalorizando-o todos os dias e logicamente desvalorizando o mercado de trabalho.

    Parece que o mercado de dia para dia ganha dimensões mais virtuais, mais aleatórias e especulativas, não há nenhuma visão estratégica da economia, apenas gente sedenta que não vê o muro ao fim da estrada. As elites são fracas, são tão voláteis como o mercado que criam. Ninguém se questiona como é possível ter economias sempre a crescer? De onde vem esse crescimento constante? Porque é que o mercado especulativo cria mais riqueza que o produtivo? Qual a sustentabilidade do crescimento do lucro financeiro no lucro total?
    Será que ninguém percebe que a perda de poder do mercado produtivo conduz à desvalorização da mão-de-obra?

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  5. Tem razão L. Rodrigues. É extraordinária a forma como Jerome descasca os artigos do FT e da The Economist. Anglo-desease é mesmo um bom termo. Dean Baker faz um pouco o mesmo para os EUA (ver nossa economia). Nisto são os melhores.

    Concordo João Dias. Estamos bem acompanhados: «os especuladores são inofensivos se forem bolhas numa corrente empresarial incessante. Mas as coisas tornam-se preocupantes quando a empresa se transforma em bolhas num turbilhão de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país se converte num subproduto das actividades de um casino, é provável que o trabalho esteja a ser mal feito» (Keynes).

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