sexta-feira, 4 de outubro de 2024

OE 2025: Encontrando o dinheiro para pagar o que podemos fazer

O documentário Finding the Money, uma viagem pela Teoria Monetária Moderna (MMT), está finalmente acessível ao grande público. Se decidirem usar o vosso tempo para assistir, julgo que, com forte probabilidade, o darão por bem empregue. O trailer pode ser visualizado aqui.

(Valiam o que o imperador dissesse que valiam)

A meu ver trata-se de uma peça muitíssima informativa, sobretudo num período em que o país está embrenhado num simulacro de debate orçamental (a Comissão Europeia continua sem nos dizer, afinal, quanto do nosso dinheiro podemos usar) que, respaldado no ordenamento europeu, errada e tragicamente, se conforma com a austeridade permanente que nos é imposta e não admite escrutínio.

Um debate orçamental dogmático e enviesado que exclui liminarmente a opção do défice (mesmo se este for compatível com a redução da dívida pública), num contexto histórico de lucros da banca, imorais e politicamente produzidos, a pedir para serem tributados, insuficiente procura agregada, despesa pública, em % do PIB, em Portugal muitíssimo inferior à média da EU, previsão de crescimento medíocre (1,9%) e fortíssima erosão da capacidade do Estado português para assegurar as funções que lhe estão constitucionalmente consagradas, o que mina a Democracia.

O documentário está repleto de ideias potencialmente surpreendentes como, por exemplo, aquela segundo a qual Estados monetariamente soberanos criam dinheiro do nada quando fazem despesas de consumo e/ou de investimento, ou aquela outra que descreve como, no uso de licença Estatal para o efeito, os bancos privados criam dinheiro do nada quando concedem crédito e, para finalizar esta seleção, aquela que, a partir da evidência que as receitas de uns são as despesas de outros, constata que superávites públicos significam, necessariamente, défices privados.

A quem interessar, alguns destes assuntos e conceitos foram também aqui tratados.

Ideias que, a meu ver, podem ser mesmo muito úteis para a compreensão dos constrangimentos reais, falsos e autoimpostos que as finanças públicas enfrentam. Ideias que, simultaneamente, ajudam a compreender que, de facto, não sendo um país soberano economicamente equiparável a uma família, tudo o que pode fazer pode pagar.

Temos Estado a mais na economia?

Mais factos (acessíveis no Eurostat): em Portugal, o Estado gasta menos que a média da Zona Euro na generalidade das áreas, da saúde à educação, passando pela proteção social, habitação ou proteção ambiental. A despesa pública total é inferior à média da Zona Euro em 6,1 pontos percentuais do PIB.

Vencerá


Anteontem, contra hábitos, usos e costumes arreigados, cheguei meia hora atrasado, devido a uma arguição de tese. Estava a partir, com o habitual atraso militante. Chovia. Partimos de uma rotunda na Fernão de Magalhães e desfilámos até à Praça 8 de Maio. 

Não eramos assim tantos, mas gosto de pensar que fomos bons. Gritámos a plenos pulmões: Paz Sim! Apartheid Não! 

Na praça, chovia ainda mais. Debaixo de um chapéu, um militante pela Palestina leu um breve discurso. A certa altura, a mudar de página, as folhas já estavam coladas, mas, com esforço, conseguiu descolar e acabar como a circunstância impunha. 

Qual é o impacto desta manifestação pela Palestina em Coimbra? Passámos por pessoas, que nos viram e ouviram, com interesse e simpatia, pareceu-me; só um “carrão” apitou, impaciente. Quem sabe qual é o impacto do que fazemos individual e coletivamente? Confiemos na obliquidade, em interpelar, em colocar pessoas a pensar, diz-me o instinto desenvolvido a ensinar e a aprender, como todos. 

Em Coimbra, deu-se o tiro de partida para uma jornada nacional de solidariedade com a Palestina, com manifestações por todo o retângulo, de Faro a Viana do Castelo, culminando em Lisboa, no dia 12 de outubro. 

O importante é fazer a coisa certa, no momento certo. E não arriscámos nada: não fomos presos, não nos bateram. Pelo contrário, a polícia garantiu o nosso direito constitucional. Encarnámos os melhores valores da Constituição (número 2 do Artigo 7.º, por exemplo): 

“Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.” 

E outros, noutros lugares distantes, manifestam-se e arriscam muito. Na Palestina, arrisca-se tudo, simplesmente por, e para, existir. Outros, também por cá, manifestaram-se e arriscaram muito, alguns tudo, agindo em prol de si e dos outros, durante décadas a fio. 

Em prol de si, sim, age-se sempre por interesses próprios, o que varia, crucialmente, é aquilo que interessa a cada indivíduo e isso faz toda a diferença moral do mundo. Os outros têm de nos interessar, os compromissos coletivos têm de nos interessar. Sim, temos um dever de fidelidade a uma história, a várias, com h e H, na realidade, de fidelidade às suas verdades. 

Sabemos que não estamos sós, somos parte de um vasto movimento internacionalista de solidariedade com o povo palestiniano, alvo do Estado colonialista e da sua pulsão genocida. Sim, Estado, que isto está para lá do governo sionista de turno, diz-nos a História, diz-nos o combate contra amnésias tão convenientes, mesmo entre a elite que se julga progressista no Portugal dos pequenitos, numa UE pequenita. 

 E, não, não terminámos numa bela praça, molhados, num café bonito, a beber chá quente, numa conversa sem início e sem fim, convencidos de que a praça é nossa. 

Palestina vencerá.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Pensar, existir

O que resta de uma universidade em Gaza

O CES tem, ao longo do tempo, promovido a reflexão sobre a situação na Palestina. Numa altura em que todas as universidades de Gaza foram destruídas ou severamente danificadas, e tendo em consideração os princípios e a missão deste centro de investigação, propomos contribuir para o esforço global de paz e justiça na região. A comunidade académica tem o dever particular de promover a justiça e a igualdade.

É neste contexto que decidimos suspender todas as formas de cooperação científica, enquanto forma necessária e não-violenta de encorajar a mudança política e social, exercendo influência e pressão sobre o Estado israelita. Esta suspensão, que se aplica a instituições e não a indivíduos, incide sobre colaborações no âmbito de projetos de investigação, conferências e eventos científicos, candidaturas a financiamento, publicações e projetos de intercâmbio, existentes e futuras, até ao fim da invasão e da ocupação militar em Gaza. 

O CES continuará a dinamizar um debate informado sobre esta matéria, reiterando o exercício da liberdade de expressão e o repúdio por quaisquer formas de antisemitismo e islamofobia, bem como qualquer outro comportamento de ódio.

Vale a pena ler o resto. Bem sei que esta consequente tomada de posição peca por ser algo tardia, mas depressa e bem não há quem. E fomos a primeira instituição universitária portuguesa a alinhar com boas e consequentes práticas internacionalistas, com muitas outras universidades e centros de investigação estrangeiros. Já basta de silêncios cobardes.

Sim, tenho orgulho no CES e nos seus valores. São os mesmos que as atuais direção e presidência do científico reafirmam todos os dias e por isso merecem o meu apoio e admiração, fazendo, por exemplo, do CES a instituição universitária nacional a lidar de forma mais séria e profunda com “indícios de ‘padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia’”. 

Haja coragem e fidelidade à verdade.

Luís Moita, Francesca Albanese

 

Esta conferência, proferida por Francesca Albanese, Relatora Especial das Nações Unidas para a situação dos Direitos Humanos nos territórios palestinianos ocupados desde 1967, é promovida pelo Núcleo de Relações Internacionais da FEUC, e é a atividade inaugural da recém-criada Cátedra Luís Moita em Paz e Relações Internacionais. Insere-se igualmente nas celebrações dos 20 anos do Programa de Doutoramento em Relações Internacionais – Política Internacional e Resolução de Conflitos (FEUC/CES).

Esta apresentação adquire uma relevância acrescida face à atual crise humanitária e de direitos humanos na região, desencadeada pela incursão militar israelita na Faixa de Gaza em resposta ao ataque terrorista realizado pelo Hamas em território israelita. O evento proporcionará uma reflexão crucial sobre a importância dos direitos humanos e do direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário, num momento em que estes princípios são abertamente questionados no cenário global.

Hoje, a intrépida Francesca Albanese, que encarna o serviço público internacional da ONU no seu melhor, estará em Lisboa, no CCB, numa sessão coorganizado pelo Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Amanhã, estará em Coimbra, na minha faculdade. Aí, o saudoso Luís Moita vive nos estudos e lutas da paz.
  

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

OE 2025: nem a mentiras novas temos direito


Ao contrário do que afirma o patrão dos patrões, Armindo Monteiro, repetindo em coro uma falsidade propagandeada, entre outros, por Joaquim Sarmento e Luís Montenegro, o milagre consiste justamente em não distribuir o que se cria, afirmar despudorada e moralisticamente o inverso e não ser confrontado com a mentira.


“Prosseguimos uma estratégia deliberada para tentar diminuir os custos salariais uns em relação aos outros, combinando isso com uma política orçamental pró-cíclica [de austeridade], o que teve como efeito líquido enfraquecer a nossa procura interna e minar o nosso modelo social” admitia, em Abril passado, apesar das suas pesadas responsabilidades neste assunto, Mario Draghi

Atente-se, pois, na disparidade de avaliações e no discurso serôdio que acompanha a prática preguiçosa e gananciosa dos patrões portugueses e no desplante do governo que, com total desrespeito pelos factos, lhes dá respaldo.

Não esquecer a linha


O conceito de linha de cor (color line) foi popularizado por W. E. B. Du Bois na viragem do século XIX para o século XX, tendo por referência o racismo entranhado na economia política dos EUA e para lá dela: “o problema do século XX é o da linha de cor” em todo os continentes.

Existe, de facto, uma linha de cor nas relações internacionais, em geral, e na forma desumanizadora como a comunicação social dominante ainda hoje reporta as vítimas de conflitos, para lá da cada vez mais estreita “comunidade internacional” e da sua discricionária “ordem baseada em regras”, em particular. 

Sim, também é de racismo banalizado que se trata: uma vítima civil israelita vale muito mais do que uma vítima palestiniana ou libanesa na comunicação social dominante. 10, 20, 30, 40 vezes mais? Mais vale estar vagamente certo: muito mais. Há menos histórias e nomes, função da cor de pele e da classe. Era assim aquando do Apartheid, é assim no colonialismo sionista e na sua forma de Apartheid. 
 
Os movimentos de resistência e de libertação do lado errado da linha de cor são sempre apodados de terroristas e isto quando a esmagadora maioria do mundo, corretamente, nunca os tratou assim. 

Infelizmente, uma grande parte da esquerda europeia foi colonizada por esta visão distorcida do mundo, deixando de atentar nesta forma de racismo internacional ululante, com tantos e tão negativos impactos, incluindo no número de pessoas em fuga. 

Os custos de se ter esquecido o imperialismo e a sua economia política internacional são elevados, como descobri há mais de uma década, graças, entre outros, a dois economistas de apelido Patnaik, propagando-se, por exemplo, ilusões europeístas: “A invisibilidade do imperialismo hoje em dia não é sintoma do seu desaparecimento, mas sim do seu poder.” 

Hoje, o imperialismo está à vista de todos. Talvez o seu poder esteja já a diminuir. Haja esperança no aniversário de ontem.

E, sim, quem não quiser falar de imperialismo, de sistema imperialista, e da forma de capitalismo que lhe subjaz, deve calar-se sobre racismo.

A Constituição é antifascista, anti-imperialista e anticolonialista


“O Governo português condena liminarmente os ataques do Irão a Israel e à sua população civil. O Irão deve cessar imediatamente as hostilidades.” O dúplice e imoral Governo português não condenou liminarmente o genocídio em curso na Palestina e os ataques de Israel ao Líbano e à sua população civil. 

Tal como a UE, o Governo português continua alinhado com o colonialismo sionista e com o imperialismo, ao arrepio do que é indicado na Constituição da República Portuguesa (número 2 do Artigo 7.º, por exemplo) e que o Presidente não cumpre e não faz cumprir: 

“Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares”.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Mentira e verdade


Comparai o Público com o El Pais: um mente, o outro diz a verdade. É de invasão que se trata, claro. Em Espanha estão mais avançados no que a esta questão diz respeito. Afinal de contas, reconhecem o Estado da Palestina, por exemplo.

O Público tem uma história tenebrosa no internacional, graças à prolongada influência de ideólogas como Teresa de Sousa. É como se estivesse no livro de estilo, junto à palavra liberal: quando a invasão é apoiada pelo imperialismo, quando se dá no quadro do sistema imperialista, não é invasão. E muito menos quando se trata do genocida colonialismo sionista, o que não existiria sem o apoio maciço dos EUA (e da UE, já agora; numa posição subalterna, é certo).  

Adenda. E, atenção, não é que o liberal El Pais seja exemplo para o que quer que seja também, mas pelo menos usa a palavra que se impõe neste contexto e que separa o jornalismo da propaganda.