«As pessoas passaram a achar que têm direito a todas as prestações sociais e dão-no como adquirido. E portanto muitas vezes - isso verificou-se nos últimos anos - preferem até ir para o subsídio de desemprego do que ter um emprego, ainda que ele seja menos bem pago. Porque sabem que vão ter essa prestação no final do mês: ou o rendimento social de inserção ou o subsídio de desemprego. Ora, isso veio trazer alguma perversidade neste tipo de fórmulas, que são fórmulas de emergência e que deviam ser reduzidas ao máximo. Mas sobretudo para fazer com que este montante que é afectado a estas prestações sociais não atingisse níveis incomportáveis e insustentáveis para o Estado. (...) [o Estado] mete-se demais em coisas em que não deve». (da entrevista da TSF e do Diário de Notícias a Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome).
Num momento em que há cada vez mais famílias a viver em situação dramática; em que a economia colapsa e o desemprego dispara; em que as iniquidades se aprofundam (num país que é o terceiro mais desigual da OCDE); e em que salários e prestações sociais (já de si dos mais baixos na Europa) sofrem cortes brutais, Isabel Jonet decide juntar-se à miséria moral e ao populismo demagógico que grassa em certos meios conservadores e que marcará, de forma inapagável, a governação da actual maioria PSD/PP.
O Banco Alimentar é uma instituição que, de um modo geral, os portugueses consideram. Muitas famílias beneficiam dos bens distribuídos, tornando possível minorar o sofrimento, a angústia e a falta de horizonte em que um número cada vez maior de pessoas se encontra. Dir-se-ia até que o Banco Alimentar conhece, como poucos, os contornos mais precisos que a carência económica assume em Portugal. E é por isso impensável que a presidente do Banco Alimentar desconheça que a taxa de risco de pobreza seria de 43% no nosso país, caso as transferências sociais não a restringissem a 18% (isto é, a menos de metade). Ou seja, se o Estado não «se metesse demais em coisas que não deve» - como defende Isabel Jonet - cerca de 4 em cada 10 portugueses encontravam-se em risco de pobreza (e não 2 em cada 10, como as estatísticas demonstram).
Não se tratando portanto de ignorância em relação à profunda crise social e económica que o país atravessa, nem em relação aos traços estruturais da pobreza em Portugal, as declarações da presidente do Banco Alimentar só podem ser interpretadas de duas formas: ou Isabel Jonet decidiu surfar, de forma obscena e repugnante, a onda de populismo e miséria moral que se instalou; ou a economista que preside ao Banco Alimentar está apenas a tratar da sua vidinha e dos seus negócios. Isto é, a mostrar sinais de interesse em contratualizar com o Estado uma qualquer parceria público-privada no «sector» da pobreza (que se encontra em vertiginosa expansão), criando simultaneamente condições que favoreçam (ainda mais) o aumento da «procura» (pela redução, «ao máximo», das tais «fórmulas de emergência»: RSI e Subsídio de Desemprego). E não é de excluir, obviamente, que estas duas interpretações se complementem.
Nota: Na medida em que a entrevista aqui citada remonta a Junho do ano passado, convido-vos a ler uma adenda a este post.
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30 comentários:
Há gente que se julga totalmente independente da realidade circundante, parecem não perceber que nada existe sem o seu contexto.
Tudo o que é dito é válido e mais que válido, e concordo totalmente.
Essa senhora mete-me algum nojo!
No entanto, esta entrevista tem 1 ano e pouco!
Epá, ó Nuno, não retiraria muito ao que aqui diz, mas repare - em abono da verdade - que a entrevista foi publicada em Junho de 2011. Pode ver lá no site da TSF.
Julgo que a mesma senhora que brinca à caridadezinha, mais recentemente, terá dito algo sobre a inevitabilidade desta austeridade. Talvez fosse mais interessante analisar a evolução / retrocesso do raciocíno em termos cronológicos.
Já se sabe, se não houver pobrezinhos, como agradar a deus nosso senhor?
Já colaborei com o Banco Alimentar contra a Fome como voluntária mas deixei de o fazer quando me chamaram a atenção para os 2 grandes beneficiários de generosidade dos dadores: as grandes superfícies e o Estado. Os produtos adquiridos para o BAF deviam estar isentos de IVA. A sociedade civil substitui o Estado, que ainda lhe cobra imposto, e forra os bolsos de Belmiro de Azevedo e Soares dos Santos. Essa PPP, na verdade, já existe mas pode ser melhorada e significar maior receita.
concordo com todo o conteúdo do post... só não entendo porque foi buscar agora uma entrevista de 5 de Junho de 2011...
Sem pobres não há misericórdia.
Isabel Jonet é uma feroz defensora da caridadezinha que utiliza o poder simbólico da instituição que preside como forma de legitimar os seus ideais.
Assim, munida de uma suposta superioridade moral, Jonet é acima de tudo uma acérrima defensora do status quo.
Estes "peões sociais" embora pareçam desempenhar um papel irrelevante, podem constituir-se como interessantes elementos heurísticos para o entendimento das relações de poder inerentes a um sistema capitalista hegemonizado pela doutrina neoliberal.
Enfim, temos uma potencial Ministra dos Assuntos Sociais: a entrevista foi um aviso à navegação?
concordo com todo o raciocínio e análise que é feita aos potenciais interesses da i. jonet. é impossivel não o fazer mas... as declarações têm 1 ano. será que ela ainda pensa/diz o mesmo?
Nuno,
Não é que a opinião de IJ seja hoje diferente, mas parece-me que citas a entrevista à TSF / DN como se fosse actual, quando tem mais de um ano. Abraço.
Agradeço a todos quantos me alertaram aqui para o facto de esta entrevista ter sido realizada há um ano atrás.
Quando ontem encontrei esta peça no facebook, supus que era recente (e quando abri a ligação para a TSF não reparei na data). Peço desculpa, nesse sentido, por induzir em erro.
Estas declarações, todavia, com a distância de um ano, suscitam igualmente interesse de análise. Mas isso ficará para uma adenda a este post.
De novo obrigado a todos pelo alerta.
Mas, ela nunca foi Zorro...
http://contra-faccao.blogspot.pt/2012/09/a-caridadezinha-de-marketing-dos.html
Eu deixei de contribuir para o BA quando percebi que recebe os produtos... A Cruz Vermelha Portuguesa, as paróquias... estes depois distribuem como lhes apetece, não sendo o critério "necessidade" grande parte das vezes observado.
Nuno Serra, sempre podes ligar/linkar este texto com este http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=2771227&referrer=FooterOJ quando Isabel Jonet, no dia 14 de Set 2012, afirmou que o novo pacote de austeridade é um "mal menor".
Este mulher é mesmo... triste (para ser bem educado).
Foi o momento Romney de Isabel Jonet
Será que ainda não viram que esta sra. se está candidatar a Supico Pinto nº2, caridadezinha, as pessoas querem justiça, não são coisas, os pobres, são seres humanos a quem lhes roubaram o emprego e a alguns a dignidade, com estas atitudes lembra-me o tempo do fascismo, o esgar demagógico e abjecto que se praticava antes do 25 de Abril,como as Isabeis Jonet, ao tempo e hoje vão aparecendo outras mais refinadas. Lamentável.
Quanto mais pobrezinhos houver maior é a compensação espiritual...
A Dra Isabel Jonet tem declarações mais recentes de Setembro 2012 em que diz que afinal esta austeridade *é um mal menor" e o governo vai "compensar tudo no Orçamento".
Na remodelação vai ficar com a "pasta" da "economia".
Haja pudor e não seja tão descarada esta predisposição para o "tacho"
Pois poderia até ter vários anos. É uma forma de pensar generalizada. Não se pretende combater a pobreza de forma estrutural, apenas atenuar... e promover um altruísmo inócuo e de vaidade.
O que eu acho estranho é só agora se falar nesta entrevista. O banco alimentar beneficia acima de tudo IPSS onde os utentes pagam sua estadia, ou são subsidiados pela segurança social. Estou a falar em mensalidades que rondam em média os mil euros mensais, para onde vai o dinheiro que os utentes ou a segurança social paga? Uma parte ou a maior parte dos bens vão direitinhos para estas organizações e, nem são os produtos de melhor qualidade, e o que resta esse sim é distribuído pelos mais necessitados.
À srª. isabel jonet, continua a interessar-lhe esta situação da caridadezinha. Que seria da srª bem instalada na vida, se não podesse tratar dos pobrezinhos. Só falta o anuncio do eventual renascimento do trite e nefasto MOVIMENTO NACIONAL FEMININO, para tratar da caridadezinha, com o aval do presidente do concelho, ANP, AN. e presidente da Republica. Até cheira a bafio salazarento. como foi dito e bem, caí-lhe a mascara.
O Nuno perdoe-me a pergunta, mas tem por hábito supor isso sobre tudo o que lê no facebook?
Caro David,
Se me pergunta se acho que tudo o que vai aparecendo no facebook é recente, digo-lhe que aprendi que nem sempre (e julgava de facto que esta entrevista tinha sido feita há pouco tempo).
Mas se me pergunta que suponho o que suponho por ter lido no facebook, digo-lhe que suponho o que suponho por ter visto a entrevista (isto é, suponho o que suponho porque Isabel Jonet disse o que disse).
No seguimento do comentário da Isabel Neiva, com o qual concordo inteiramente, e caso existisse uma lógica desenvolvimentista e não a de brincar à caridadezinha seria fazer parcerias com pequenos produtores/comerciantes locais para estimular a produção local e não "encher os bolsos dos grandes hipermercados". E já agora, Nuno, obrigada por postar, pois embora seja uma entrevista de 2011, acho importante para suscitar o debate sobre as mega-organizações de "solidariedade social", que muitas vezes não o são. Há realmente muita gente boa e interessada em ajudar, mas talvez as fórmulas devam ser repensadas...
Ouvi hoje na SIC, esta senhora fazer afirmações aberrantes. Sempre colaborei com o B.A. mas já percebi o que está por detrás desta organização. O que esta sra. quer é tacho e que se lixem as pessoas. É preciso que todos fiquem cada vez mais pobres para que fique desempregada. Por mim acabou. Vou ajudar pessoalmente.
A propósito desta questão deixo o link para o meu post de hoje sobre a posição de Isabel Jonet no enquadramento ideológico da doutrina social da Igreja: http://joaoferreiradias.net/blog/?p=855
saudações.
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