sábado, 3 de agosto de 2024

Semicolonizados

Em Rumo à Vitória, talvez o principal documento político da cultura antifascista, Álvaro Cunhal caracterizou Portugal como país colonizador e colonizado. Era parte da peculiar condição semiperiférica do capitalismo português, como se diria no quadro da ainda operacional teoria do sistema-mundo. O colonizado referia-se sobretudo à dependência económica em relação às grandes potências capitalistas, causa e efeito do nosso atraso. 

Graças aos movimentos nacionalistas anticoloniais, sublinho o nacionalistas, e à revolução democrática e nacional, iniciada a 25 de abril de 1974, Portugal deixou, felizmente, de ser colonizador, confirmando a hipótese de Cunhal, em 1964: “A luta dos povos das colónias pela independência é uma ajuda poderosa à luta do povo português pela democracia. E a luta do povo português pela democracia é uma ajuda poderosa à luta dos povos coloniais”.

Havia a esperança de que a democracia e o desenvolvimento atenuassem o vínculo de dependência económica externa, e, logo, política. A ideia de independência nacional era cara, por exemplo, aos economistas marxistas da dependência. Estes tiveram brevemente poder no PREC e nem sequer eram comunistas, como foi o caso de Mário Murteira, ministro do Planeamento e Coordenação Económica no IV e V Governos Provisórios (quero fazer ligação para um artigo dele de 1975; o arquivo da Análise Social deixou de estar integralmente on-line porquê?). 

Depois de décadas de privatizações, da total abertura de fronteiras aos fluxos económicos, da perda dos instrumentos vitais de política económica – monetária e cambial, comercial, orçamental, industrial –, processos de abdicação de soberania económica indissociáveis do mercado único e da moeda única, Portugal encontra-se num tal nível de dependência externa que faz sentido avançar com a hipótese de uma forma de economia política semicolonial e logo de um país semicolonizado. 

Esta última palavra causou uma ligeira comoção num certo Twitter europeísta, logo com acusações de “fascista” e de “extrema-direita”. Não fazem a mais pequena ideia do que se está a falar, naturalmente. O termo semicolónia está consolidado há muito numa certa tradição marxista da economia política internacional: independência política formal, mas dependência, sobretudo económica, informal ou até formal. São só os preconceitos euro-liberais contra a palavra “nacionalista” a falar, perdoai-lhes. São décadas de propaganda, afinal de contas.

Adenda. Peço desculpa, vi mal. Felizmente, a Análise Social continua on-line com todos os números desde 1963, num novo arquivo. O artigo de Mário Murteira, acima referido: Sobre o conceito de independência nacional, de 1975. Para quem quiser conhecer este país, esta revista é um recurso imprescindível. 

4 comentários:

  1. A dissonância cognitiva trai a contradição insanável entre afirmar-se "de esquerda" e ser-se euro-entusiasta. É a esquerda que a direita adora...

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  2. É o que se espera dos subalternos: que nem percebam que o são.

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  3. site antigo da AS, com todos os números (clicar em 'o arquivo': https://arquivo.pt/wayback/20190318221354/http://analisesocial.ics.ul.pt/

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