segunda-feira, 8 de abril de 2024

Antes eurocéptico que euro-ingénuo

Quando decidiram avançar para o aprofundamento da integração económica, os líderes da UE poderiam ter decidido criar regras comuns para as políticas laborais e fiscais, mas não o fizeram. Pior, inscreveram nos Tratados que nenhum país poderia ser obrigado a harmonizar esse tipo de normas contra a sua vontade. Os resultados deste aparente respeito pela soberania nacional eram previsíveis e as últimas décadas demonstraram-no. 

Não podendo recorrer à taxa de câmbio, nem à pauta aduaneira, nem ao apoio público aos produtores nacionais, a forma mais simples de um governo promover a competitividade económica do seu país é reduzir os custos para as empresas. Entre esses custos, os mais relevantes são os salariais e os fiscais. Ou seja, no seio da UE os governos são incentivados, na prática, a reduzir os impostos sobre os lucros e rendimentos mais elevados, as contribuições das empresas para a segurança social e os direitos laborais. 

Neste processo, a capacidade financeira dos Estados degrada-se. Para tentar compensar a perda de receita fiscal e contributiva, aumenta-se o peso dos impostos indirectos (como o IVA) no financiamento dos Estados. Mas esses impostos penalizam mais os mais pobres do que os mais ricos. Menos direitos laborais, impostos mais regressivos e menos Estado Social resultam em sociedades mais desiguais e menos coesas. Por isso, também, mais dispostas ao conflito. Por acção ou omissão, este plano inclinado está inscrito nas regras em vigor na UE. Alterá-las já era difícil, uma vez que implicam mudanças nos Tratados, o que exige unanimidade entre os Estados Membros. O alargamento da UE para mais do dobro de países e as crises sucessivas que têm assolado a Europa tornaram ainda mais improvável a obtenção de consensos para alterar aquela deriva anti-social.

Não é preciso ser “antieuropeísta” (o que quer que isso signifique) para identificar aquele viés no processo de integração europeia. Podemos e devemos valorizar o contributo que a CEE deu para o regresso da paz à Europa, depois de séculos de conflitos recorrentes. Podemos e devemos reconhecer nas instituições europeias elementos cruciais de aprendizagem colectiva e de promoção do diálogo e cooperação entre povos e entre Estados. Tal não significa que da UE só venha bem ao mundo, ou que podemos transformá-la de repente em algo melhor só porque gostaríamos muito que isso acontecesse. Ser céptico sobre o que é e o que pode ser a União Europeia é uma questão de bom-senso.

O resto do meu texto pode ser lido no Público de hoje, em papel ou online.

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