segunda-feira, 4 de março de 2024
PSD, Partido das Surpresas Desagradáveis
1. Devemos estar gratos a Paulo Núncio que, inadvertidamente, impediu que a maioria de direita, caso vencesse, com Chega incluído, voltasse a limitar o acesso à IVG e promovesse um novo referendo ao aborto, defendendo o regresso à sua criminalização. Não fora Paulo Núncio ter-se descaído e essa intenção, ausente do programa da AD, seria concretizada, pela calada, como fizeram em 2015. Assim, de surpresa, sem sufragar a medida em eleições.
2. Nada de novo, na verdade. Comparem-se as promessas eleitorais de Passos Coelho, em 2011, com as políticas de austeridade implementadas logo a seguir, com cortes no Estado Social e nos salários e pensões, a par da perda de direitos e desregulação da legislação laboral. Assim, de surpresa, ao arrepio dos compromissos firmados em campanha com os eleitores.
3. Tudo além da troika. O que era cinicamente apresentado como uma imposição externa, ao abrigo da fraude intelectual da bancarrota (para esconder o colapso do sistema financeiro global e a inação do BCE, verdadeiras causas da crise nacional), rapidamente foi assumido como desígnio da governação: «ir além da troika» na saúde, na educação e nas pensões (em que os cortes passariam aliás a ser permanentes, assim o Tribunal Constitucional o tivesse permitido). Tudo à socapa e ao arrepio do prometido, como se fosse uma inevitabilidade. Não era.
4. Algo mudou? Não. O projeto de «ir ao pote» é o mesmo, mas agora já sem o manto protetor da troika. Venham «cheques-saúde», para expandir o capitalismo doente e acabar com o SNS; volte o desperdício dos Contratos de Associação, para financiar colégios onde há oferta pública; aumentem-se as pensões sem olhar a meios, para reconciliar o partido com os reformados. O melhor de todos os mundos para os grandes interesses: baixa de impostos para os mais ricos, aumento da despesa, canalizada para os grupos económicos rentistas, e redução da dívida. Depois viriam as «surpresas» desagradáveis e a «inevitabilidade» da austeridade para a maioria social. É tudo tão previsível.
5. O cenário macroeconómico da AD revela o ilusionismo que está em causa. Face às incertezas à escala internacional, a coligação de direita não se coíbe de prever, tal como a IL e o Chega, um crescimento da economia irrealista, que mais ninguém perspetiva, à boleia de medidas comprovadamente ineficazes. São, uma vez mais, contas à moda da PAF, apostadas num efeito miraculoso do «choque fiscal» que tudo pagaria, mas que só serve para distribuir recursos para os de cima, agravando as desigualdades e gerando recessão. Para depois, lá está, virem as surpresas desagradáveis.
6. Não é por acaso que Montenegro se recusa dizer o que fará a seguir às eleições, nomeadamente num cenário de vitória do PS, sem maioria à esquerda. E não dizendo, porque viabilizar um governo minoritário do PS significaria prescindir da maioria de direita, acaba por dizer: constituir-se-á certamente, com Montenegro ou sem ele, um governo maioritário à direita, com Chega incluído. A surpesa mais desagradável, reservada para quem ainda não percebeu o silêncio de Montenegro, se não houver maioria de esquerda. Mas vai haver maioria da esquerda, felizmente.
Se está à espera que o PSD viabilize um governo de Pedro Nuno Santos bem pode limpar as mãos à parede. É óbvio que se entende com o Chega da mesma maneira que o PS se entende com o Bloco e o PCP. A ideia é reconstituir o arco da governação às avessas?
ResponderEliminarQuanto ao buraco orçamental estou de acordo. Só que o mesmo vale para o bloco: habitação social, mais despesa no SNS...de algum lado o dinheiro tem de vir.
By the way, essa dos não residentes não poderem comprar casa não pega. Se forem UE podem. Mercado interno. As excepções estão nos anexos aos tratados, Dinamarca e Áustria, se não erro. Ou querem rever os tratados?
Mas como é possível comparar BE e PCP com o Chega? É preciso ser pouco inteligente.
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