quinta-feira, 14 de março de 2024

Crise do jornalismo, défice de pluralismo

O Vicente Ferreira já o disse aqui, na manifestação de solidariedade do Ladrões com a Greve Geral dos Jornalistas, que tem hoje lugar: «a degradação da qualidade do jornalismo nos últimos tempos ocorre em simultâneo com a degradação das condições de trabalho no meio». De facto, o défice de pluralismo no debate político e político-económico, que começou a tornar-se mais evidente e percetível na antecâmara da «vinda da troika» - mentalizando e forçando, sem contraditório, a ideia da sua virtude e inevitabilidade, junto da opinião pública - é um reflexo óbvio da crise do jornalismo, que não é de hoje.

A questão é mesmo muito séria e não devia ser objeto de desvalorizações sonsas, que indiciam pretender-se apenas a manutenção do status quo. A ausência de pluralismo no debate, sobretudo nas televisões (mas não só), constitui um entorse grave da nossa vida democrática, ao impedir o vital confronto entre diferentes perspetivas e ao impor, pelo desequilíbrio e défice de contraditório, a prevalência de determinadas visões em detrimento de outras, condicionando e limitando seriamente a formação de opinião. A composição dos painéis de debate das últimas legislativas é só o exemplo mais recente deste inaceitável enviesamento (ver por exemplo aqui, aqui ou aqui).


Não se trata apenas de «perceções», como se pretende fazer crer. Apesar da muito insuficiente monitorização, desde logo pela ERC, vão surgindo alguns dados concretos, como os recentemente divulgados pelo MediaLab, do ISCTE. Dados que evidenciam não só a prevalência da direita no comentário televisivo (ver gráfico), mas também o reforço desse desequilíbrio quando se compara o mapeamento de 2022 com o de 2016 (com os comentadores de direita a passar de 51% para 60%). Ao arrepio, como se não bastasse, da representação da esquerda e da direita no parlamento.

É também por isto, pela existência de um verdadeiro pluralismo no debate e garantia de contraditório - a par das justas reivindicações dos jornalistas - que a greve que hoje decorre assume a maior importância para a nossa democracia. E mais ainda quando estamos, em 2024, a celebrar os 50 anos do 25 de Abril.

6 comentários:

  1. "Ao arrepio, como se não bastasse, da representação da esquerda e da direita no parlamento."
    Se, no limite, a representação da esquerda no Parlamento fosse de 100% a prevalência do comentário na comunicação social também devia ser de 100%? (idem para a direita) Ou a uma maior representação no Parlamento deve precisamente corresponder uma maior prevalência na comunicação social, a bem do pluralismo "combinado"?

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  2. Evidentemente que não, caro Anónimo.
    Não se defende aqui que exista uma correspondência da representação parlamentar no comentário político. Apenas assinalar que nem sequer é possível tentar justificar a atual situação de desequilíbrio e défice de pluralismo a partir desse critério, uma vez que a direita prevalece no comentário televisivo, num contexto de prevalência da esquerda na AR. O importante é mesmo que o pluralismo seja assegurado por todos os canais, garantindo um maior equilíbrio na escolha dos comentadores e na composição dos painéis de comentadores, seguindo adicionalmente o princípio do contraditório.

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  3. Neste momento já é sem dúvida acima de 60%. E sem esquecer que inclui membros de organizações terroristas de extrema direita do pós 25 de abril, com direito a programa próprio e tudo.

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  4. "Não se defende aqui que exista uma correspondência da representação parlamentar no comentário político."

    Então não percebo a frase que citei:
    "Ao arrepio, como se não bastasse, da representação da esquerda e da direita no parlamento."

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  5. Se nestas percentagem direita esquerda entram os comentadores do PS como «esquerda», então estamos entendidos

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  6. O "pluralismo"... essa banha de cobra. O problema real é a própria existência de COMENTÁRIO, isto é, de opinião SUBJETIVA, feita SOBRE a informação jornalística, isto é, de acontecimentos OBJETIVOS.

    O chamado "pluralismo" não deve (ou não devia), nunca, ser confundido com o comentário no espaço mediático; ainda para mais, enchendo horas e horas de comentário SUBJETIVO SOBRE as informações nacionais e internacionais (que, já de si, é selecionada). Obviamente, num país com "informação livre", mesmo que esta tenha uma componente ideológica (p.e., horas e horas sobre os serviços hospitalares pós-pandemia), o pluralismo já está dado nos receptores da informação, que pensam e podem discutir livremente a informação.

    Defendo mesmo o fim do comentário sobre - isto é, por cima de - a informação (que substitui, p.e., as matérias de reportagem); defendo isso, pelo menos, durante as pré-campanhas e as campanhas eleitorais propriamente ditas. Livres seremos nós, se pudermos pensar e discutir entre nós, e em qualquer lugar, a informação, e não o comentário influenciador, que se sobrepõe à informação objetiva (sim, influencia sim...).

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