Se tenho uma convicção, de resto já várias vezes partilhada com quem me vai lendo, é esta: as pessoas fazem o melhor de que são capazes nas circunstâncias que são as suas, sendo que a tarefa da ação coletiva é precisamente a de ir tentando humanizar circunstâncias e desenvolver potencialidades. E isto aplica-se a este país, naturalmente.
Daqui decorre uma ilação sobre a política e a esperança: só quem “não confunde género humano com Manuel Germano”, só quem tem confiança no, e amor ao, povo deste país está em condições de dizer algo de politicamente produtivo. O amor político tem múltiplas formas e não prescinde da razão crítica, claro.
Infelizmente, uma parte nada despicienda da intelectualidade lusa é imprestável neste campo, atolada no mais negro pessimismo antropológico, a avaliar por escritos que vou lendo ou por filmes que vou vendo. Uma vez perguntei a um realizador de um filme representativo, numa apresentação no Teatro Gil Vicente, se achava mesmo que o homem era lobo do homem, se achava mesmo que as pessoas são todas tão más como no seu filme, e ele respondeu que sim, apesar de antes se ter descrito um trabalho coletivo generoso, mas colocado ao serviço de um argumento odioso.
Julgam que é sofisticação e sabedoria este reducionismo, quando não passa do ar do tempo neoliberal que respiram, da aceitação dos pressupostos veiculados pela elite do atraso, a que quer convencer-nos que a maioria é tão ruim quanto ela. E os vendilhões, até há outros nomes para quem controla as televisões ditas privadas, mas as regras do blogue proíbem-mos, às vezes conseguem convencer muitos, à força de invisibilizar e de sucatear todo um país. O otimismo a que temos direito tem aí a forma exclusiva e logo ilusória da mercadoria.
De vez em quando, a maioria, tem de ser a maioria, fala através de um conterrâneo que aguarda serenamente o comboio atrasado, num dia chuvoso, numa pobre estação de uma cidade maltratada pela tal elite tão pequenita quanto o Portugal que se encena atrás de uma desmemoriada estátua do amigo íntimo de Salazar. E esse compatriota, sentado num banco da estação de Coimbra B, falou de solidariedade com quem está em greve, porque a luta do povo é o que nos pode valer, outra convicção e há algum tempo que não me desagrada que a comparem a uma religião, desde que seja como a de Francisco.
As ideias que todos fazemos circular quando falamos, e Gramsci ensinou-nos que todos somos intelectuais, têm uma dimensão performativa, ajudam a criar a realidade. Na política, que está onde estão milhões, merece ganhar quem afirmar mais e melhor, com a cabeça fria e o coração quente: nobre povo, nação valente.
Que texto tão bonito. Bom fim-de-semana
ResponderEliminarCom o João Rodrigues respiro esperança e lucidez, em simultâneo. Obrigada
ResponderEliminarPara manter a esperança e a lucidez recomendo também a leitura de Piotr Kropotkin - o Apoio Mútuo
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