quarta-feira, 3 de maio de 2023

A pobre demagogia da extrema-direita

A extrema-direita fanática do (neo)liberalismo ou é ignorante ou é hipócrita (porque diz defender o que não quer e omite o que realmente defende) ou é simplesmente burra. 

Num artigo publicado no jornal Público, a ex-candidata a líder dos fanáticos (neo)liberais, Carla Castro afirma duas coisas: 1) Que a Segurança Social está falida (o que é mentira, mas é um clássico argumento da direita usado há...  várias décadas!); 2) Que a protecção social se faz com prestações sociais médias de baixo valor (o que é verdade, tem a ver com a História do sistema, com os baixos salários praticados, mas como se verá, a preocupação da deputada é outra).

Face a esse cenário, o que defende a extrema-direita? Um aumento do valor das prestações sociais, conseguido através... da “colocação de tectos às pensões”.

Para quem não está familiarizado, um “tecto às pensões” significa criar um limite máximo ao valor das pensões a pagar pelo sistema público de Segurança Social. Esse "tecto" é geralmente esgrimido com o argumento de que a Segurança Social pública não deve pagar a quem não precisa. Trata-se de uma velha ideia, importada do Banco Mundial, surgida em Portugal há quase 4 décadas (veja um historial aqui, Caderno nº17) e defendida pela direita como forma de retirar fundos públicos da Segurança Social e de os transferir para o sector financeiro, através da aplicação em esquemas complementares de pensões, incentivados por benefícios fiscais. Tudo embrulhado na falsa ideia de ser uma medida incentivadora da poupança privada, sobretudo dos mais jovens. Essa velha ideia está já em recuo internacional - veja a falência do fundo de pensões do Parlamento Europeu - mas surge agora, coincidentemente, a poucas semanas da "comissão para a sustentabilidade das pensões" apresentar o seu relatório. 

Ora, o que é que Carla Castro não diz:

 

1) a proposta não é criar um “tecto de pensões” (esse é o chamariz demagógico de que a Segurança Social só deve encarregar-se de quem "mais necessita"), mas sim fixar um limite máximo às contribuições sociais  (sobretudo, das contribuições patronais). Esse é um velho sonho das confederações patronais.

2) Assim, quem mais ganha (e suas entidades patronais), contribuiria menos para o bolo geral do sistema. Ora, em Portugal o regime é o de repartição: quem contribui hoje, paga as pensões de velhice em vigor, mas na promessa intergeracional de que, quando chegar a sua vez de receber, haverá quem pague as suas pensões de reforma. Dessa forma, os mais “ricos” ficavam assim – egoisticamente - “desobrigados” desde logo de contribuir já para os encargos com os mais “pobres”; 

3) Pior: não só esses mais "ricos" ficavam desobrigados de contribuir para o bem geral, como poderiam usar esse remanescente em aplicações financeiras, cujos benefícios seriam só seus;   

4) E tudo isto é defendido no interesse dos mais jovens (mais abonados, depreende-se!). Dito de outra forma, trata-se de uma forma de incutir nos mais jovens a necesssidade individualista de se "safar por si", marimbando-se no interesse geral da população, sobretudo dos mais pobres. Não, a luta de classes não é uma falácia. 

5) Mas há um problema "técnico": ao criar um limite às contribuições, esta proposta reduz imediatamente as receitas da Segurança Social que apenas retirará benefício disso - com a redução na despesa com as pensões mais elevadas - a muito longo prazo. Por outras palavras: o défice da Segurança Social subiria rapida e imediamente, reduzindo ainda mais a capacidade do sistema de aumentar as prestações sociais (ao contrário do que dizem os fanáticos querer); e, caso se quisesse evitar esse rombo nas contas da Segurança Social, o Estado teria de endividar-se a curto prazo. E o partido da deputada sabe disso. Diz o seu programa eleitoral de 2022:

A transição proposta será, a nível de sistema, deficitária até uma elevada maioria de pensionistas se encontrarem no novo sistema proposto, dada a proposta redução das contribuições dos trabalhadores ativos para o mecanismo de transferência de rendimentos. Isto é intencional, de forma a permitir que o esforço financeiro requerido pela transição não recaia apenas sobre a atual geração de trabalhadores ativos, pois de outra forma esta geração teria de suportar sozinha o ónus de contribuir integralmente para o pagamento das pensões das gerações passadas, simultaneamente tendo também de garantir via poupança/ mecanismo de capitalização as suas futuras pensões. Este deficit deverá ser financiado via Orçamento de Estado, permitindo o seu faseamento no tempo e partilha do esforço financeiro requerido por diferentes gerações e por toda a sociedade. 

Por outras palavras, os nossos impostos estariam a financiar a desigualdade de tratamento, o tratamento mais favorável para os mais abonados e para as maiores empresas (com maior volume de massa salarial), além dos benefícios transitados para o sector financeiro. Recorde-se que a capitalização do Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social tem, em média, apresentado taxas de remuneração mais elevadas que as congéneres aplicações financeiras do sector privado.

6) Este problema esteve na base de governos de direita nunca terem criado este limite às contribuições. Para o contornar, a direita chegou a propor um valor muito elevado para esse limite. Assim, o "buraco" seria diminuto. Mas nesse caso, seria apenas uma medida simbólica, sem eficácia, uma espécie de pé na porta, mas nunca uma reforma. E nem isso passou o teste da razoabilidade. 

7) Corolário: a proposta dos fanáticos neo(liberais) visa aliviar os mais “ricos” de contribuir para os mais “pobres”, reduziria imediatamente a capacidade financeira do sistema (reduzindo a sua capacidade de pagar melhores prestações sociais) e tudo em proveito da banca que receberia umas milhares de milhões de euros para aplicar...

Mas nada disto é novo. Apenas Carla Castro o é nestas lides. 

E conviria que se aplicasse melhor. Porque se não o faz, ficará na História como mais uma deputada que ficou ao lado de uma elite privilegiada que quis retirar dinheiro dos pobres, ao mesmo tempo que gritava bem alto contra "uma pseudoluta de classes ou falácias, como se os liberais quisessem privatizar a Segurança Social".


3 comentários:

  1. Não é essa malta que defende, enfaticamente, a privatização das pensões (o privado gere sempre bem). Nem de propósito: «Um fundo de pensões privado, utilizado por centenas de políticos, vai falir até 2025. O PE tem agora de decidir se o resgata com dinheiros públicos ou deixa de pagar as pensões prometidas» tudo no mesmo jornal.

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  2. Curioso é que é o fundo de pensões privado do Parlamento Europeu que estará falido, isso sim!

    https://www.publico.pt/2023/05/03/mundo/noticia/fundo-pensoes-privado-eurodeputados-vai-falir-sera-contribuintes-europeus-vao-salvar-2048182

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  3. Tecto máximo para pagamentos, mas sem limites superiores para contribuições.

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