domingo, 23 de abril de 2023

Fundamental


Ser verdadeiramente radical é tornar possível a esperança, em vez de convincente o desespero. 

O melhor que posso dizer deste livro é que é fiel à citação de Raymond Williams que encabeça o primeiro capítulo. 

Infelizmente, tenho de deixar uma nota de desesperança. Para lá do enviesamento ideológico na edição portuguesa, que faz com que a publicação de livros de economia política fundamental como este seja rara, a tradução deixa mesmo muito a desejar. Basta dizer que demand passa aí directamente a demanda (ao invés de procura) ou que fiscal policy passa diretamente a política fiscal (ao invés de política orçamental, que inclui a receita e a despesa, um erro já clássico). Enfim, para quem lê em inglês o site deste colectivo de economistas políticos oferece bons recursos. 

Seja como for, este livro chama a atenção para a tantas vezes invisibilizada “infraestrutura quotidiana da vida civilizada”, para os sistemas de provisão de bens e serviços necessários à vida de todos os cidadãos, distribuídos por “redes e ramificações”, da água canalizada às escolas, passando pela eletricidade, pelos serviços de saúde ou pelos lares. Ao visibilizar estes sistemas, sobretudo associados a um “consumo social” e que resultaram maioritariamente de iniciativas públicas, sublinha as lógicas das interdependências sociais. 

Estas lógicas têm sido erodidas pelo crescente controlo privado destes sistemas de provisão, geradores de rendas para um capital tão predador quanto crescentemente financerizado, com resultados geralmente negativos para a comunidade. 

Se o neoliberalismo é o esforço para tornar a ação coletiva impotente, este livro dá-nos pistas valiosas para reavaliarmos a forma como pensamos a economia: “não como um sistema de criação de riqueza liderado pelo setor privado, mas como um sistema de circulação de rendimentos que deveria difundir o bem-estar”. 

É preciso insistir contra as iniciativas liberais: os trabalhadores do sector público criam riqueza como os trabalhadores do sector privado. Os bens e serviços produzidos pelo sector público têm, pela sua natureza tipicamente não-mercantil, quando muito, um preço socializado a que chamamos imposto e o seu acesso tem, por isso, menos barreiras pecuniárias. Além disso, sem Estado não há sector privado, mas o contrário não é necessariamente verdadeiro. De resto, a despesa de uns, pública ou privada, é rendimento de outros.

Sem comentários:

Enviar um comentário