O que mudou verdadeiramente na última década foram as dinâmicas do mercado. Com a descida das taxas de juro para valores muito baixos, a habitação passou a ser cada vez mais um ativo de investimento, o que fez com que a procura internacional mais do que duplicasse, tanto por parte de particulares como de fundos imobiliários. O peso da procura estrangeira nunca foi tão grande: representa 12% das vendas a nível nacional e faz-se sentir especialmente nas grandes cidades (basta ver o caso do Porto, onde esta percentagem chega aos 30%). O aumento do turismo também contribuiu para esta tendência, ao desviar casas para alojamento local.
Num mercado desregulado, a internacionalização da procura fez disparar os preços. O Estado interviu para... alimentar a especulação, através da concessão de benefícios fiscais aos fundos de investimento imobiliário, que, sem grande surpresa, têm estado mais interessados em apostar no mercado da habitação de luxo do que em construir casas a preços comportáveis para a maioria das pessoas. A isso juntaram-se os benefícios fiscais atribuídos a residentes não habituais e nómadas digitais com rendimentos elevados, que ajudam a inflacionar os preços das casas e representam uma despesa fiscal de quase 1000 milhões de euros, além da aposta na liberalização do mercado, com a facilitação dos despejos e da cessação de contratos de arrendamento.
A subida acentuada dos preços das casas, sobretudo em Lisboa e no Porto, afasta das cidades os grupos com menores rendimentos e desincentiva muitas pessoas a aceitar empregos nessas cidades. É um fenómeno que já está a dificultar o funcionamento de alguns serviços públicos, como a saúde ou a educação, e que prejudica a própria atividade económica das cidades.
O governo aproximou-se da direita ao anunciar a intenção de dar novos incentivos aos privados para construir. No entanto, não basta esperar que o mercado construa mais para que os preços baixem. Não só não é provável que isso aconteça, tendo em conta a preferência dos privados pela construção de luxo, que representa uma oferta incomportável para a maioria das pessoas, como não é desejável que a construção acompanhe a crescente procura por parte de não residentes, pelos impactos que esse processo tem na demografia das cidades e no ambiente.
A crise da habitação requer uma resposta abrangente, com várias componentes: regulação que trave a especulação imobiliária por parte de não residentes (como acontece em países como o Canadá), recuperação de edifícios devolutos, penalização de alojamentos vagos e investimento na oferta pública de habitação, que em Portugal representa apenas 2% do total de alojamentos, bem abaixo da média europeia. Todas estas componentes implicam a intervenção do Estado para contrariar os efeitos perversos que o mercado tem fomentado.
Vai-se a ver e a pergunta "Habitação: um problema de construção ou de distribuição?" é completamente despropositada em relação ao próprio texto, porque, como o autor fez notar, há uma produção (construção) para uma determinada distribuição (investimento estrangeiro).
ResponderEliminarO marxismo "mais básico" - como diz o vosso colega - explica reiteradamente que não existe produção separada da distribuição. Isso é uma ficção papagueada da ciência do enriquecimento privado. O que interessa, no fim de contas, é o modo de produção (que inclui distribuição, troca, consumo, etc, etc, etc).