segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A mesma política

Fonte: Marktest, https://www.marktest.com/wap/a/p/id~112.aspx#

Os resultados da sondagem referida no post do Jorge Bateira mostram sempre a mesma ilusão. 

A maioria dos eleitores (cada vez menos) vota no PS ou no PSD, como representantes da principal clivagem no pensamento político que, na verdade, não são. E a ascensão da extrema-direita surge apoiada - até mediaticamente - como a alternativa necessária a essa clivagem que, na verdade, não é. 

Primeiro. A clivagem entre PS e PSD vem do pós 25 de Abril de 1974. Face a uma direita conservadora e uma esquerda que queria construir o socialismo, o PS apresentou-se à social-democracia europeia e à administração norte-americana como o “fiel da balança" entre esses dois lados, o lado kerentskiano da revolução que, desta vez, sairia vencedor (Veja-se no link do artigo de Tiago Moreira de Sá a referência à conversa entre Henry Kissinger, Costa Gomes e Mário Soares em Outubro de 1974). Esse recuo nos seus objectivos políticos originais passou, primeiro, pela adesão à cartilha do FMI (imposta pela social-democracia europeia) e, desde a década a 80/90, pela cedência em toda a linha à deriva neoliberal na União Europeia, que se materializou crescentemente através da harmonização informal das políticas na UE, regida por instituições não sufragadas, em que é pouco claro quem efectivamente manda. 

Há diferenças entre as políticas do PS e PSD (nomeadamente na social). Mas no essencial, os objectivos e princípios subjacentes, são os mesmos – a política europeia (neoliberal). No Governo, o PS aplica - com maior ou menor relutância – essa política importada (a laboral, monetária, de salvaguarda do sector financeiro respaldado no banco central, e orçamental de implicações transversais). E, quando o descontentamento cresce (na Saúde, Educação, Habitação, distribuição de rendimentos) e se dá a "mudança", o PSD aplica convictamente "reformas estruturais" que agravam ainda mais a situação. No ciclo seguinte, o PS não reverte essas "reformas estruturais" e até defende a "estabilidade legislativa". Tem sido assim nas três últimas décadas.

Não se sabe se os militantes ou votantes do PS têm essa consciência. Mas este é o "sistema": fazer o povo escolher entre dois cavalos cinzentos, com mais ou menos manchas "sociais", que aplicarão a mesma política, independentemente das eleições. 

Segundo. Esta "mesma política" tem sucesso: a transferência de rendimentos dos pobres para os ricos e, noutra esfera, dos ricos nacionais para os internacionais. Mas tem um reverso negativo para o "sistema": o descontentamento social acumulado por décadas da "mesma política". A direita penou uma década por ter assumido essas políticas antisociais.

A ascensão da extrema-direita engloba dois objectivos. Canaliza e reorienta a rebelião latente acumulada, não para quem contesta a "mesma política" - a esquerda -, mas a favor de forças que continuarão a aplicar a “mesma política” (veja-se como votam no Parlamento os deputados da extrema-direita em Portugal). Mas com um plus: são forças que põem em causa, de forma violenta, o regime sufragado - “os políticos são todos corruptos”, tal como o diz a teoria neoliberal – e que rebaixam a complexidade do debate político ao nível da disputa futebolística, em que a mentira é o instrumento desestabilizador de qualquer conteúdo sério. A Política desapareceu.

E não é por acaso. Em vez de discutir a "mesma política", é antes preferível discutir o acessório, porque isso manterá a "mesma política". 

Peça-se a qualquer dirigente do PS, PSD ou da extrema-direita como é possível que Portugal se encontre sempre à beira da mesma situação depois de aplicada a "mesma política" durante décadas. E nunca lhes ouvirá um diagnóstico sério e consistente.

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