segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Crise de habitação e o mito do excesso de Estado e de regulação

O Expresso publicou, recentemente, uma sondagem com resultados interessantes, que demonstram haver hoje, na opinião pública, uma muito escassa adesão à tese de que existe um excesso de Estado e de regulação do mercado habitacional em Portugal. Uma tese, velha e relha, segundo a qual são esses excessos de intervenção pública no setor que impedem que o mercado funcione, gerando crises de habitação.

Ora, o que a sondagem do Expresso mostra é que existe hoje em Portugal não só um amplo consenso quanto ao défice estrutural de investimento público direto no setor (85%), mas também de regulação (78%), apenas depois surgindo, no conjunto de causas estruturais da crise, a «falta de casas» (que importa, de resto, analisar cuidadosamente). Note-se, aliás, que apenas 38% dos inquiridos atribuem a este último fator um elevado impacto na situação atual, aquém, portanto, dos valores observados no caso do défice de investimento público (52%) e da falta de regulação (44%).


Por outro lado, é no aumento da oferta de Alojamento Local (apontado por 71% dos inquiridos), nos incentivos à compra de casas por cidadãos estrangeiros (64%) e no investimento dos fundos imobiliários (56%), que incidem, de acordo com os resultados da sondagem, as principais causas conjunturais da crise de habitação que o país atravessa.

Não surpreende, portanto, que entre as respostas tidas como necessárias para enfrentar a situação surja o aumento do investimento público (defendido por 91% dos inquiridos) e a adoção de medidas orientadas para uma maior regulação do mercado, incluindo a limitação dos valores das rendas (87%), a fixação de quotas de casas a preços acessíveis em novos empreendimentos (86%) ou a redução das licenças de Alojamento Local (68%). Ou seja, questões como a agilização dos licenciamentos, enquanto resposta prioritária para ultrapassar a crise, tão cara à direita, não têm a relevância que se quer fazer crer.


É bem sabido que, historicamente, a resolução da questão da habitação em Portugal foi deixada às mãos do mercado, ao contrário do que sucedeu com a saúde e a educação. Tal como é sabido que essa opção foi muitas vezes aditivada por subsidiação pública (como no caso dos apoios à aquisição de casa própria), sem que tal tenha sequer permitido reduzir preços e tornar a habitação mais acessível. E que, por fim, só muito recentemente se começou a apostar no reforço do parque habitacional público, um dos mais diminutos à escala europeia.

Por isso, o que os dados desta sondagem vêm demonstrar é que já se percebeu, finalmente, que há Estado a menos e mercado a mais na habitação em Portugal. E que importa por isso, no contexto atual - marcado por dinâmicas de investimento imobiliário especulativo (que atravessam aliás toda a Europa) - adotar mecanismos de regulação do mercado, para lá da indispensável constituição, gradual, de um verdadeiro parque público de habitação.

6 comentários:

  1. Desconfio que nenhum senhorio concorda com esta prosa. Nem falo dos fundos imobiliários, mas apenas da D. Maria que tem uma casa para arrendar.

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  2. O anónimo (11:11), não sei de reparou, mas está inteiramente de acordo com os resultados da "prosa", que, em verdade, resulta de sondagens. Para os preços de habitação se manterem altos e em crescendo convém aos senhorios que não haja intervenção estatal sobre o regime dos "bens" de habitação, e que nos mantenhamos no que à política de habitação diz respeito - como se vulga - em "Estado a menos". Pois claro. Para resolver (ou, pelo menos, mitigar) o problema da habitação é preciso inverter esta situação, como a maioria dos portugueses já percebeu, principalmente as gerações ativas mais novas (isto é, aqueles que no grosso não são senhorios).

    "(...) [falo] apenas da D. Maria que tem uma casa para arrendar". E esta prosa da "D. Maria"? parece que acerta em cheio no problema de habitação... são os negócios dos proprietários de habitação que "tem casa para arrendar" que vem dirigindo as políticas de habitação e não as necessidades da população.

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  3. Gostava de perceber porque é que alguém , salvo caso de grande necessidade, vai fazer um arrendamento de longa duração. A partir daí só pode ver a casa de volta em situações muito específicas, o inquilino tem direito de preferência na compra - o que provoca logo um rombo no valor da casa -, se o inquilino não pagar, com recursos só passados quatro anos vê a casa, se estiver degradada, mais outro processo. A não ser que queiram expropriar (ou melhor, confiscar, pois não haveria dinheiro para pagar) não estou a ver como é que vão obrigar os proprietários a porem as casas no mercado de arrendamento.

    E sim, a maioria é proprietário porque não tem alternativa. Tudo isto é sabido, dura há mais de um século, e assim vai continuar.

    Quanto aos estrangeiros não residentes, imagino a pressão inflacionista que eles causam em Bragança ou Beja. Sem dúvida igual ou pior que os franceses de Campo de Ourique.

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  4. É assim tão difícil ler o que realmente está escrito (ou em causa), que é o Estado construir (contruir, assim, LITERALMENTE) o mercado de arrendamento que está em falta neste país, ou seja, construir habitações por via da iniciativa pública com preços que podem ser controlados social e politicamente?

    Mas quem falou de obrigar proprietários a arrendar? os fantasmas que se criam nestas cabeças...

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  5. O universo de esta sondagem reflete as opiniões de quem carece de habitação.
    Demonstra que nesse universo -graças a uma enraizada cultura social de esquerda, socialista- o Estado deve, tem que intrevir (ainda mais) nas várias facetas de quem carece de habitação.
    O problema do Estado é como ganhar eleições. Por uma lado respeitando a propriedade privada, por outro agradando a esta gama de eleitores com a sua cultura socialista.

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  6. O comentário do anónimo (17:52) é cómico e diz muito de qual cultural social está objetiva e realmente enraizada no nosso universo. "Respeitar a propriedade privada"... Note: a propriedade privada é uma invenção do Estado (que, por sua vez, é uma invenção da burguesia). Desafio-o a investigar "propriedades privadas" antes de haverem Estados. Força!

    Como se vê no comentário, o seu problema é confundir "Estado" com "governo". Nunca vi um Estado a candidatar-se a qualquer eleição. O Estado (na ideologia de uma nação) somos todos, organizados. Já as eleições quem as é uma pequena parte de nós organizados num partido.

    Como anda enraizada esta cultura social de direita... (que, por exemplo, julga estranho um governo querer agradar eventualmente os seus eleitores)

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