Logo no início da semana, o Jornal de Negócios anunciou a criação de mais uma isenção fiscal para fundos de investimento imobilários, agora no contexto do Programa de Arrendamento Acessível (PAA). A notícia pouca cobertura recebeu, mas vale a pena olhar para esta medida.
O desenho do PAA, de 2019, é simples: os inquilinos conseguem uma renda pelo menos 20% inferior relativamente ao preço médio praticado na mesma zona, e durante um mínimo de 5 anos, e os senhorios que o concederem estão isentos de IRS e IRC.
O problema de fundo desta medida é assumir que as duas contrapartes são equiparáveis e que se equilibra a balança de uma relação altamente assimétrica ao beneficiar ambos. Os senhorios têm invariavelmente maior poder de decisão sobre as condições contratuais (ou se quer de ter um contrato) e da sua rescisão.
Dois bons exemplos disso mesmo é que, por um lado, as rendas em Lisboa aumentaram 4,9% no segundo trimestre deste ano (o maior aumento trimestral desde 2017) e, por outro, só este ano os processos de despejo aumentaram 35,8%.
Em abril, o governo admitiu o insucesso do PAA com a sua contagem oficial - 868 contratos. Agora, a Associação Lisbonense de Proprietários avança com dados mais recentes: nestes primeiros dez meses do ano, apenas 400 novos contratos foram sujeitos às regras do programa, o que representa cerca de 0,55% do total de contratos celebrados.
A associação de senhorios queixa-se que “o programa é extremamente burocrático e ineficiente, com uma instrução administrativa pesada”. Por outras palavras: querem os incentivos sem serem fiscalizados.
O insucesso do programa, cujo objetivo era ter em 2021 20% dos novos contratos já ao abrigo destas condições, foi precisamente deixar a decisão do lado dos senhorios. Se as vantagens não forem claras para o seu lado, seja por ser mais rentável manter os contratos clandestinos ou por as rendas cobradas serem de tal ordem que a sua redução não compensa a isenção de IRS ou IRC, os inquilinos não têm de todo acesso a um preço mais justo.
Mesmo assim, a resposta do governo à falta de adesão ao programa foi perentória, recorrendo a uma receita que lhe começa a ser típica: estendeu os benefícios fiscais a mais senhorios.
Agora o governo quer que os fundos de investimento imobiliários (FII), que já contam com uma série de isenções fiscais, também estejam dentro deste programa. De notar que os FII estão na sua maioria isentos de IRC, pelo que esta nova isenção é a nível do IRS cobrado aos detentores de unidades de participação.
Já quando foi anunciada, no contexto do OE 2023, a medida de não aumento das rendas em mais que 2%, os mesmos fundos criticaram o “congelamento” e exigiram compensações.
É preciso relembrar que foram estes fundos, a par da atração de investidores estrangeiros (também ela através de borlas fiscais), que foram responsáveis pela bolha especulativa na habitação. Aliviar-lhes ainda mais a carga fiscal como tentativa de política habitacional é indecente.
Temo que vá ser necessário repetir até que se aprenda por repetição: 1) os portugueses não precisam de mais oferta privada, porque a oferta privada é cada vez mais dirigida para "investimentos" estrangeiros (máxima idiota da cartilha neoliberal); 2) Os portugueses precisam de mais oferta, sim, mas unicamente pública (que é o que está em falta, brutalmente); 3) é a própria prática de iniciativa privada que tende cada vez mais para a necessidade de uma resposta estritamente pública (porque, como se vê, assim não se consegue responder às necessidades da população); 4) o estado atual de coisas mostra também a necessidade cada vez mais evidente de haver um Estado alinhado com os interesses de classe, mas da classe trabalhadora (porque não é normal empobrecer em todos os níveis, trabalhando); 5) não é fácil distinguir borlas/isenções fiscais da corrupção, no que respeita à produção; 6) contudo, é necessário, face à redução crescente do valor dos rendimentos, que se desenvolva um plano para resolver uma boa parte dos créditos de habitação das famílias (eliminando, portanto, endividados para quase toda a vida).
ResponderEliminarNem uma só casa de habitação social para construção. Só na região de Lisboa há 160 mil fogos de habitação vazios. Tratem primeiro de os pôr no mercado. Com tanta casa os preços baixam. Se mesmo assim houver quem não possa, o Estado que subsidie rendas.
ResponderEliminarEra o que mais faltava, com a população a diminuir e excesso de casas por habitante construir ainda mais casas. Neste país há sempre uma desculpa para o betão.