quinta-feira, 6 de outubro de 2022

A recessão deliberada que podia e devia ser evitada

“A ONU apela à Reserva Federal e aos outros Bancos Centrais para que cessem o aumento da taxa de juro”, noticiou o The Wall Street Journal

O distópico ‘consenso’ em que se embrulharam os economistas alegadamente muito sérios (por exemplo, Ricardo Reis, Mário Centeno ou João Leão) é, mais uma vez, questionado, desta feita num relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development, UNCTAD). 

“As campainhas estão a soar”, lê-se no relatório em causa, e, para a economia mundial evitar um abrandamento económico doloroso e uma crise global de dívida, uma drástica correcção de rumo é necessária e urgente: “O mundo está a caminhar para uma recessão global e uma estagnação prolongada, a menos que alteremos rapidamente o actual rumo das políticas de aperto monetário e orçamental nas economias avançadas”. 


Para evitar esta catástrofe iminente, o relatório apela aos governos dessas economias avançadas (de que Portugal faz parte, não o esqueçamos) para que “evitem a austeridade” e insta “os bancos centrais das economias desenvolvidas a inverter o rumo e a evitar a tentação de tentar baixar os preços através de taxas de juro cada vez mais elevadas”. 

Vale a pena ler integralmente a peça em apreço, mas não resisto a deixar-vos abaixo uma tradução minha do texto escolhido pelos autores para destaque

“O Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2022 adverte que as opções de política monetária e orçamental nas economias avançadas se arriscam a empurrar o mundo para a recessão global e a estagnação prolongada, infligindo danos piores do que a crise financeira de 2008 e o choque COVID-19 de 2020. 

De acordo com o relatório, os rápidos aumentos das taxas de juro e o aperto orçamental nas economias avançadas, combinados com as crises em cascata resultantes da pandemia COVID e da guerra na Ucrânia, já transformaram um abrandamento global numa recessão, com a desejada aterragem suave a parecer improvável. 

Numa década de taxas de juro ultra-baixas, os bancos centrais ficaram constantemente aquém das metas de inflação e não conseguiram gerar um crescimento económico mais saudável. Qualquer crença de que serão capazes de fazer baixar os preços através de taxas de juro mais elevadas sem gerar uma recessão é, sugere o relatório, uma aposta imprudente. 

Numa altura de queda dos salários reais, de aperto orçamental, de turbulência financeira e de insuficiente apoio e coordenação multilateral, um aperto monetário excessivo pode desencadear um período de estagnação e instabilidade económica em muitos países em desenvolvimento e em alguns países desenvolvidos.” 

Aqui no Ladrões, há muito que se diz a mesma coisa. Por exemplo aqui, aquiaqui ou aqui

Juros elevados é sempre má ideia: eutanásia do rentista e tal. A ideia é pior que má quando se planeia sacrificar a débil recuperação económica pós pandemia com o objetivo de combater um fenómeno inflacionário que não é resultado de excesso de procura, mas sim, sobretudo, resultado de factores exógenos, do lado da oferta.



Qualquer boa política de combate a níveis indesejados de inflação deve, forçosamente, evitar a destruição de emprego e o recuo dos salários e do PIB. Parafraseando Keynes, obviamente que devem ser evitados os “remédios que curam a doença matando o paciente”. 

Para finalizar deixo-vos com a tradução de duas ‘ideias-chave’ (é assim que são apresentadas) do referido relatório.

Ainda há tempo para evitarmos uma recessão iminente... Temos os instrumentos para acalmar a inflação e apoiar todos os grupos vulneráveis. Isto é uma questão de escolhas de políticas e de vontade política. Mas a atual linha de ação está a prejudicar os mais vulneráveis, especialmente nos países em desenvolvimento, e corre o risco de fazer cair o mundo numa recessão global.
Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da UNCTAD 

O verdadeiro problema que os decisores políticos enfrentam não é uma crise de inflação causada por demasiado dinheiro a perseguir demasiado poucos bens, mas uma crise distributiva com demasiadas empresas a pagar dividendos demasiado elevados, demasiadas pessoas a lutar de salário em salário e demasiados governos a sobreviver de pagamento de obrigações do tesouro em pagamento de obrigações do tesouro.
Richard Kozul-Wright, Director, Divisão sobre Estratégias de Globalização e Desenvolvimento da UNCTAD

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