Os mercados financeiros andam agitados desde que o BCE anunciou que vai também subir a taxa de juro para (supostamente) combater uma inflação do lado da oferta (aumento dos custos de transporte, escassez de contentores, problemas diversos causados pela pandemia, tudo isso agravado com as sanções aplicadas à Rússia, ou apenas anunciadas, no que toca a petróleo, gás e carvão).
Esta política monetária é um erro e só se explica pela subserviência dos bancos centrais dos EUA e da Zona Euro ao lobby da finança. Para este poder que manobra nos bastidores, juros mais altos são lucros maiores. É só isto que lhes interessa. Os pobres e a classe média que aguentem a inflação (que não será enfrentada nas suas causas, nem mitigada nos seus efeitos) e o arrefecimento da economia, talvez mesmo uma recessão, provocado pelo maior juro, com o consequente desemprego, redução do investimento público, emigração dos mais qualificados. Porquê? Teoria económica errada e convertida em política económica desastrosa por economistas que cuidam, sobretudo, da sua carreira; captura dos governos pela finança e pelas grandes empresas através do aliciamento dos decisores com promessas discretas de empregos muitíssimo bem remunerados.
Acontece que, se o BCE voltar a deixar os mercados financeiros em roda livre, estaremos de volta à (erradamente) chamada “crise da dívida pública”. Na verdade, o BCE tem todo o poder para manter as taxas de juro da periferia da ZE a um nível muito baixo, desde que ignore a pressão dos fundos de pensões da Alemanha e restantes operadores especulativos. Tem de comprar continuadamente a dívida pública da periferia, como fez para acabar com a crise da ZE a partir de 2012 e mais recentemente com a pandemia.
Na semana passada, Lagarde anunciou o fim da compra de nova dívida pública e aumentos prudentes nas taxas de juro. Mas, apesar de saber que os mercados financeiros não dão o mesmo valor à dívida alemã e às dívidas da Itália, Espanha, Portugal e Grécia, absteve-se de explicar como iria enfrentar uma evolução divergente nas taxas de juro da ZE. Daí que muitos especuladores tenham começado a vender dívida destes países, o que significa que, para aqueles que agora compram os títulos a um preço inferior, o seu rendimento implícito subiu (além de, mais tarde, poderem vendê-los com mais-valias). É este rendimento (‘yield’ no jargão) – mais elevado quando há fuga da dívida e o seu preço baixa – que marca o juro a que as novas emissões de dívida terão comprador:
(Juro fixo do título)/(Preço do título) = Rendimento (‘yield’)
Exemplo: 2/100 = 2% (com fuga deste título) => 2/65 = 3%
Hoje, apenas pelo facto de o BCE ter convocado uma reunião extraordinária para discutir o assunto, o rendimento da dívida destes países da periferia baixou imediatamente (com mais procura, o preço dos títulos sobe, o rendimento baixa).
Conclusão:
os juros (variáveis) do crédito à habitação podem subir alguma coisa mas não vão subir muito porque isso significaria que o BCE não iria intervir nos mercados para fixar a taxa de juro das obrigações num nível sustentável, como fez até aqui.
Portanto, tenham calma. Tendo aprendido com a anterior crise, quando a sobrevivência da ZE estiver em causa o BCE fará o que for preciso.
E, como se vê, o discurso das “contas certas” para cair nas boas graças dos especuladores é uma treta que nos tem custado muito caro, embora talvez melhore o curriculum de António Costa. Tomem nota: para o bem e para o mal, quem fixa a taxa de juro da dívida pública portuguesa é o BCE e não os mercados financeiros.
Excelente análise da situação. O que isto significa é que há uma entidade chamada BCE - que não está sujeita a um efectivo controlo democrático - tem o poder absoluto de determinar a solvabilidade dos estados, o que equivale a dizer que os cidadãos são agentes externos da sua própria realidade, muito bem...é isto que tem sido vendido como futuro e progresso nas últimas décadas... penso que estamos esclarecidos.
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