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Os jornalistas não pensam muito quando têm que designar o Grupo dos Sete Países (G7), cujos governos se reúnem periodicamente para decidir o destino do resto do mundo. A sua preocupação é encontrar uma designação tecnicamente neutra que diga o essencial em poucas letras. Ora, o G7 não tem nada mesmo de neutro.
No início e talvez desde a sua criação informal em 1973 - no auge da crise gerada pelos países exportadores de petróleo - começou por designar-se o G7 como os sete países "mais desenvolvidos" do mundo. Eram os países mais ricos do FMI e o G7 assemelhava-se à típica reacção dos poderosos, apertados de repente pela rebelião dos países menos ricos (ex-colonizados), visando repor algum equilíbrio na distribuição da riqueza mundial.
Aquela designação escolhida implicava, contudo, alguma discussão. O que era isso de "desenvolvimento"? Como era possível designá-los "países desenvolvidos" havendo neles tanta desigualdade social? Não havia conflitos entre conceitos "desenvolvimento"/(neo)colonialismo ou "desenvolvimento"/"crescimento"? Por isso, foi se preferindo - nas redacções - uma fórmula mais pacífica: pronto, eram os sete países "mais industralizados" do mundo. Até porque a indústria parecia ainda ser sinónimo marcante do poder económico e aqueles países eram muito industralizados. E assim foi ficando.
Só que a formulação foi ficando, mesmo quando o mundo ia mudando, mudando, mudando.
Os países mais industralizados começaram a "desindustrializar". Transferiram parte da sua produção para zonas do planeta com custos mais baixos. Reinventando o conceito e as virtudes da globalização, forçaram o desarme das barreiras alfandegárias a nível mundial, nomeadamente dos países mais "desenvolvidos". Assim, poderiam vender os seus "novos" produtos nos melhores e piores mercados, sem pagar as taxas de entrada protectoras de cada mercado nacional e, assim, conseguindo margens de lucro bastante substantivas, transferindo pelo caminho parte substancial delas para os paraísos fiscais. Só que isso acarretou uma transformação na distribuição da produção a nível mundial. E - claro! - nas estatísticas.
Presentemente, apesar da designação continuar a ser a mesma, os sete países "mais industralizados" do mundo... deixaram de o ser. Veja-se o gráfico abaixo que mostra, para 2019, o peso percentual na produção mundial dos 10 países mais industrializados:
A China deixou de ser apenas um país receptáculo do investimento deslocalizado do Ocidente. A Índia foi crescendo. O mesmo aconteceu a outros países. Se a designação fosse os sete países "cujas sedes das empresas têm maiores lucros industriais" talvez se aproximasse mais da realidade. E mesmo assim resta saber.
Apesar disso e até por causa disso, o G7 manteve-se fechado a esses novos poderes. A Rússia foi recebida em 1998, mas num outro formato (G8) e, em 2014, acabou mesmo por ser expulsa. A China nunca foi aceite como membro, supostamente porque a sua elevada produção, quando dividida pelo número de habitantes, não a tornava num país "desenvolvido"... E a criação do G20 mal resolve o problema de fundo, antes tornando mais clara a distinção matricial do problema destes fóruns internacionais. O episódio da pandemia tornou evidente essa divisão.
Agora, se procurarmos, encontrar-se-á definições de G7 como o grupo de países mais ricos, mas que partilham os valores da democracia liberal, da democracia representativa e do pluralismo. Parece uma formulação que, ao criar uma falsa dicotomia (entre os bons e os maus), quer galvanizar as respectivas populações, igualmente exploradas e segregadas, para juntos defenderem a minguante parcela da riqueza mundial dos seus ricos senhores. Ao menos, "somos democratas".
Mas a descrição aproxima-se mais dos "estatutos" de um velho clube de senhores que nunca assumiram a origem polémica da sua primitiva acumulação do seu capital e que, com um misto de desdém e receio, olham pela janela o mundo em mudança. De queixo sobranceiro, o clube sente-se como a derradeira barricada de um poder alicerçado no armário das caçadeiras. De ora em quando, carregam-nas e preparam-se para "receber" os novos membros - esses "feitos à pressa" - que forçam as portas da velha instituição. As portas abanam e parecem já não suster um letreiro onde está escrito "Reservado o direito de admissão", e que mal esconde um outro, pendurado há apenas décadas, que mencionava algures "gente de cor".
Talvez seja, pois, altura de os jornalistas mudarem a forma como designam o G7. Talvez os Sete Países que querem continuar a mandar no mundo?
Bastaria "pluralismo".
ResponderEliminarCaro anónimo,
ResponderEliminarE mesmo assim... "Pluralismo", desde que não se divulguem documentos classificados. do interesse público e que revelam crimes; se divulguem práticas governamentais ilegais e inconstitucionais ou se organize pessoas - e a sociedade - que de alguma forma ponham em causa uma certa ordem.
Caro JRA,
ResponderEliminarO pluralismo existente, tal como os sistemas democráticos representativos, não é perfeito. Nada é perfeito, e nem sequer existe consenso quanto ao que significa perfeição.
Mas o importante é que as falhas possam ser discutidas em público, como o JRA aqui faz ou como faz Carmo Afonso no Público ou António Filipe no DN, só para referir alguns exemplos. Não estou a dizer que a discussão seja equilibrada, seja isenta de fake-news, seja isenta de preconceitos, ... mas pode existir. Poder existir discussão em público é, para mim, um critério importante que distingue uma sociedade minimamente decente de uma ditadura onde não gostaria de viver. E presumo que o JRA também não.
O pluralismo e a liberdade de expressão, com todas as falhas que pode ter, não é condição suficiente mas é condição essencial.
Os impérios e os seus imperadores...que realidade tão indigna...
ResponderEliminarCaro João Ramos de Almeida,
ResponderEliminar«desde que não se divulguem documentos classificados. do interesse público e que revelam crimes»
Julian Assange que o diga!!! O silêncio dos chamados "mainstream media" é deveras ensurdecedor... enquanto as nossas ditas "democracias liberais" estão a assassinar um ser humano à vista de todos, lentamente, pelo "crime" de... ter divulgado os crimes cometidos por essas mesmas "democracias liberais"!! Mas o Putin é que não respeita os direitos humanos...
O escândalo do silêncio sobre Assange manchará toda a classe jornalística, por muitos e longos anos...
Foi recentemente publicado um livro que muito se recomenda (v. link) sobre o martírio desse verdadeiro santo secular; um overview pode ser lido aqui:
https://www.jonathan-cook.net/2022-05-04/persecution-julian-assange/