Debate na RTP sobre o "pacote laboral" de Cavaco Silva |
O primeiro-ministro (PM) socialista achou por bem, nesta altura, repetir um cliché usado pelas confederações patronais e políticos de direita, lastimando não ter conseguido que a CGTP-IN mudasse o seu posicionamento face aos acordos na Comissão Permanente da Concertação Social. E responsabilizou a central sindical por - estando sempre contra os acordos - ter "desequilibrado brutalmente as relações laborais".
Disse-o numa conferência organizada pela CNN, durante a qual houve um programa do Princípio da Incerteza em que Costa apareceu como convidado. As declarações do PM surgiram em resposta a José Pacheco Pereira que o questionou desta maneira:
"por estranho que pareça, continua a discutir-se Economia como se fosse apenas um problema das empresas quando, na realidade, o factor Trabalho é um elemento que é estruturante da Economia. E, no entanto, mesmo quando é discutido nas questões salariais (...) é apenas pela via do salário que ele aparece. E tudo o que esteja à volta dessa situação - as condições de trabalho, a exclusão, a precariedade, mesmo até nalguns casos a desigualdade da distribuição de lucros e rendimentos, nunca aparece em cima da mesa. Aliás, eu não percebo como é que se pode discutir a Economia sem incluir os sindicatos. (...) Eu acho muito estranho que um PM socialista acabe por participar num discurso público em que o valor do Trabalho vem sempre subsumido em relação à produtividade...
E continuou falando da dignidade do Trabalho, da participação dos trabalhadores, etc.
E as respostas que Costa deu foram as de alguém que já pouco entende do que se fala quando se coloca a dúvida de Pacheco Pereira. Falou do objectivo de melhorar repartição do rendimento entre Trabalho e Capital (chamou-lhe redistribuição), da Agenda do Trabalho Digno (que, disse, visa combater a precariedade, as novas formas de informalidade associadas às plataformas digitais, da conciliação trabalho/família "e portanto uma valorização efectiva da dignidade do trabalho"), mas esquecendo-se de todo o processo legal levado a cabo desde 1976 e de todas as leis que ainda se encontram em vigor. É sinal disso a descrição que fez da evolução da negociação colectiva e de como surgiu a caducidade das convenções colectivas (quase caindo do céu).
E sobre a participação sindical, Costa disse:
Do lado dos trabalhadores, "há um enorme desequilíbrio pelo facto de se descontar logo à partida que a CGTP-IN nunca assina um acordo coletivo". "Ora, isso desequilibra brutalmente as relações laborais, porque só há uma confederação sindical com que se conta para estabelecer um acordo [a UGT], porque a outra já sabemos que não o vai fazer. Uma das maiores frustrações que eu tenho nestes últimos seis anos é a CGTP-IN não ter compreendido que tinha uma oportunidade histórica para se reposicionar no cenário da concertação social", declarou. Esse equilíbrio poderia ser conseguido se a CGTP-IN adotasse uma atitude "em que as pessoas compreendessem que só havia verdadeiro acordo quando todos assinam e não apenas quando só uma das centrais sindicais assina juntamente com as confederações patronais". "Esse salto cultural é muito importante, porque o papel do Governo, desejavelmente, era não existir nessas negociações, que teriam lugar apenas entre os parceiros sociais", defendeu.
Haveria muito a dizer sobre estas palavras infelizes e injustas. Mas fica um resumo:
1) Se o diálogo social em Portugal tem uma característica é o de uma fortíssima instrumentalização e governamentalização, fortemente condicionado pela agenda europeia neo(liberal). Nunca se pretendeu a autonomização dos ditos parceiros sociais, mas a sua subjugação a uma agenda imprimida pelo poder político. Essa instrumentalização reflectiu-se inclusivamente no próprio formato institucional em que a Comissão Permanente da Concertação Social surge desvalorizando o conjunto do Conselho Económico e Social. O efeito perverso desta intromissão governamental, que impôs uma entorse a todo o processo de discussão e debate, foi o de a concertação social ter sempre passado a ser tratada como uma feira de gado (parafraseando um conhecido ministro socialista e hoje 2ª figura da Nação), com vista à obtenção de resultados previa e governamentalmente traçados, secundarizando o próprio Parlamento, e muitas vezes ao arrepio do que até confederações patronais e sindicais sentiam no terreno como necessário.
"Ali o Vieira da Silva conseguiu mais um acordo! Ó Zé António, és o maior! Grande negociante... Era como uma feira de gado! Foram todos menos a CGTP? Parabéns", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, esquecendo a presença da comunicação social. (Diário de Notícias de 27/12/2016)
Para mais detalhes sobre as entorses políticas na concertação social, procure aqui o caderno nº9 -"Concertação Social - a actividade da CPCS de 2009 a 2015 - ecos das políticas europeias".
2) Há, de facto, um desequilíbrio nas relações laborais, mas esse desequilíbrio não resultou do posicionamento da CGTP, mas foi fruto daquela deriva descrita. Desde a década de 70 do século passado, os governos - e muitos deles coordenados pelo Partido Socialista - têm levado a cabo sucessivas alterações à legislação laboral, impregnadas dos princípios teóricos neo(liberais), no sentido inicialmente de quebrar o ímpeto revolucionário e força sindical existente; e, depois, no sentido de fragilizar cada vez mais o lado dos trabalhadores, com vista a uma desvalorização salarial e empobrecimento social, como forma de dar às empresas nacionais rédea folgada e maiores margens para competir numa globalização desenfreada, desregulada, como instrumento de criação de uma elite empresarial, que, na verdade, nunca surgiu porque se deixou capturar, seduzir e comprar por investidores estrangeiros.
E essa intervenção desequilibradora ocorreu por mais de 40 anos. E era necessário ter isso em conta quando se analisa na História a posição da CGTP. Não é de agora, senhor primeiro-ministro. E o passado, que nunca se assume nem altera, dificulta acordos.
Segue-se, aliás, uma pequena cronologia.
Há pouco mais de 40 anos, os primeiros governos constitucionais, coordenados por Mário Soares, deixaram-se marcar pela lógica macroeconómica da rígida cartilha do FMI, nas suas intervenções de 1979 e 1982/84, que visou impedir uma lógica económica defensora de um papel mais estruturante por parte do Estado e com uma maior participação dos sindicatos.
Há uns 30 anos, o PSD de Cavaco Silva quis aprofundar essas medidas (veja-se aqui o vídeo das suas intenções em 1988), mas foi travado pela força unida e poderosas o movimento sindical, apesar de já dividido desde os anos 70 em duas centrais sindicais (veja-se aqui as declarações de Manuel Carvalho da Silva, sobre a inconstitucionalidade do pacote laboral e a sua apreciação sobre o andamento dos salários que - estranho! - até poderia ser dito hoje).
Para se perceber melhor o que estava em causa - nomeadamente o risco da liberalização dos despedimentos individuais, do condicionamento e limitação da negociação colectiva e da intenção de tornar a legislaç~çao laboral imperativa - é assistir ao animado debate televisivo em Março de 1988, entre o ministro Silva Peneda, os dirigentes das confederações patronais e das sindicais (Carvalho da Silva e Torres Couto). Ver aqui e aqui.
Em 1989, seguindo o estrondo da queda do muro de Berlim, Vítor Constâncio
à frente do PS (sabemos que acabou a sua carreira no topo do BCE)
fechou um acordo com Cavaco Silva, sem passar pelo Parlamento,
o qual abriria a Constituição ao rolo compressor das
privatizações (a começar pela comunicação social que sabemos hoje no que
deu, pela concentração de comentadores à direita), desarmando o
Estado de um poderoso instrumento de intervenção e iniciando uma política de desmantelamento das principais empresas nacionais e concentrações operárias. Algo que qualquer
(neo)liberal não faria melhor. O recurso aos contratos a prazo e aos falsos recibos verdes alargou-se e abriu-se a porta à adaptabilidade e as isenções dos horários de trabalho, boicotando os limites legais ao trabalho extraordinário. Ver aqui o caderno nº13 - Horas extraordinárias: por que está a lei a incentivar o trabalho suplementar?
Há menos de 30 anos, António Guterres (sabemos como em 2001 desertou e onde está) foi como primeiro-ministro, aliás, bem mais privatizador do que Cavaco Silva, prolongando a linha (neo)liberal da sua política macroeconómica, para a criação do euro embandeirado em arco. E por isso também as promessas de uma maior regulação do uso abusivo dos contratos a prazo e falso trabalho por conta própria foi completamente posto de lado e o governo deu sinais de ceder facilmente às confederações patronais.
Mas nesse mandato - com o esforço e o trabalho de negociação da CGTP - foram dados passos significativos na regulação horária do trabalho (embora compatibizando-a com um regime de adaptabilidade que furava os limites absolutos...), Portugal adotou a convenção da OIT sobre trabalho nocturno, criou-se uma política sobre o salário mínimo, reformou-se a Segurança Social contra a tendência inicial de privatização parcial (assinado com a CGTP!) e até se fez uma reforma fiscal que aumentou a sua progressividade (votada à esquerda no Parlamento).
Há 20 anos, com a aprovação do Código do Trabalho de 2003, foi o PSD de Durão Barroso (sabemos como desertou e onde está presentemente) que - cerca de 15 anos depois das tentativas de Cavaco Silva - deu a primeira forte machadada ao Direito Laboral no enquadramento legal português. Nessa altura, o PS gritou contra a americanização das relações laborais e que - fruto da caducidade das convenções colectivas e do fim do princípio mais favorável - iria colocar os trabalhadores a negociar de joelhos. Foi o tiro de canhão para a desregulação das relações laborais. Procurar aqui o caderno nº8, O desmantelamento do regime de negociação colectiva em Portugal, os desafios e as alternativas.
Acção Socialista 1/8/2002 |
Mas quando o PS de Sócrates (sabemos o que lhe aconteceu)
chegou ao Governo em 2005, assumiu essas alterações e até as aprofundou em 2009, nomeadamente no tocante aos despedimentos ilegais, retirando meios de contestação aos trabalhadores visados. Mas mesmo assim foram assinados acordos com a CGTP (2006) sobre formação profissional, tal como já tinha acontecido em 1991.
Há dez anos, foi novamente o PSD - o mesmo de Luís Montenegro - a ponta-de-lança da aplicação de uma
política de empobrecimento salarial cujos efeitos se fazem sentir
presentemente na vida de milhões de trabalhadores, o que é explicação e
instrumento da perpetuação da estagnação económica em Portugal. Os pacotes laborais desprotegeram o emprego (tornando o despedimento significativamente mais barato, ao cortar abruptamente as compensações por despedimento); desvalorizaram o trabalho (reduziram a metade o preço do trabalho extraordinário e em feriados, incentivando o seu uso, ao contrário da preocupação da lei então em vigor e deslaçaram ainda mais os limites horários); transformaram dias de descanso em dias de produção; desregularam horários de trabalho, torpedeando uma conquista secular da jornada de 8 horas; desprotegeram os trabalhadores desempregados, reduzindo fortemente a duração e montante do subsídio a receber (obrigando-os a aceitar salários mais baixos e ofertas de trabalho prejudiciais); acentuaram os efeitos da caducidade das convenções ao congelar as portarias de extensão dos contratos firmados; impediram o aumento do salários mínimo, congelaram aumentos e progressões na Função Pública; desregularam a prestação pública na saúde e na educação. Ver aqui, A anatomia da Crise: Identificar os problemas para construir as alternativas.
Foi um governo que, na sua prática fomentou a emigração de profissionais qualificados e de profissionais formados pelo Estado.
Público, 9/6/2012 |
Nessa altura, o PS de António Costa gritou contra. Mas quando desde 2015 chegou ao poder (com a ajuda dos partidos à sua esquerda) os governos de Costa - até agora! - pouco mexeram nessa legislação, aplicando o princípio da estabilidade legal. Isso apesar de conhecer a função dessas medidas: desvalorizar salários e fragilizar a posição dos trabalhadores e das suas organizações nas relações laborais. O pacote de 2019 contra a precariedade melhorou alguns aspectos, mas prejudicou outros. O pacote foi aprovado na concertação social com o voto alegre do patronato e ratificado a mata-cavalos no Parlamento pelos deputados de direita.
O problema essencial continuou na lei. E de cada vez que à esquerda se pretendia revogar esse edifício, o PS e a direita chumbava as iniciativas legislativas.
Talvez não tenha sido por acaso que António Costa, depois da saída de José António Vieira da Silva, tenha escolhido para ministra do Trabalho - por duas vezes! - uma pessoa que conhece mal os dossiers da sua pasta ou qual a efectiva importância de uma séria negociação colectiva, mas que compreende melhor o marketing político e as "necessidades" do sector do turismo em ter mão-de-obra barata e o papel das companhias low-cost, mesmo que essas companhias sejam peritas em furar a legislação laboral nacional. Terá sido a melhor forma de dignificar o Trabalho, os trabalhadores e as suas organizações?
É verdade que o PS está agora a tomar a iniciativa de uma Agenda pelo Trabalho Digno e uma nova política de rendimentos e competitividade, cujos contornos ainda se desconhece, mas que prevê uma subida geral dos salários nos próximos 4 anos para aumentar a parcela dos salários no PIB - acrescente-se: para os níveis de repartição do PIB... dos anos 80! Mas é sintomático que o Governo tenha separado esses dois diplomas.
Na verdade e mais uma vez, a nova Agenda para o Trabalho Digno não belisca o corpo
legal responsável pela desvalorização salarial e pela injustiça na
repartição do rendimento. Ora, ou a direcção do PS não compreende o
papel da legislação laboral na definição da retribuição salarial média;
ou a vontade política da direcção do PS é a de nunca colocar em causa
aquelas traves-mestras da legislação, preferindo conceder uns aumentos
que se arriscam a ser inferiores aos da inflação ou - vamos ver! - se
não serão em parte pagos pelos dinheiros do Estado ou, pior, pela
Segurança Social (ou seja, colocando os trabalhadores a pagar parte dos
aumentos salariais dos trabalhadores).
De uma ou outra
forma, a direcção do PS tem uma responsabilidade maior na manutenção e aprofundamento da desestabilização das relações laborais. E é uma decepção e uma frustração que um dos dirigentes socialistas supostamente com um bom entendimento à esquerda - desde a sua juventude liceal! - termine a sua carreira governamental sem conseguir sair da modorra em que o PS se tornou ao longo destas quatro décadas, enredado nos compromissos patronais e europeus, capturado por uma agenda impregnada de uma cardápio (neo)liberal que está a arrastar o país para o fundo e, ao mesmo tempo, a dar mau nome ao Socialismo, catapultando as forças da mais extrema-direita para o poder.
Costa já pouco entende do que fala porque ele só se preocupa com a sua carreira e a dos seus camaradas do partido, inclusive a do seu filho.
ResponderEliminarAntónio Costa não é melhor que Passos Coelho, Costa tal como Coelho quer a total subjugação da classe trabalhadora à ordem neoliberal e quem beneficia dela mas como Costa usa uma retórica social há quem ainda o desculpe, há quem ache que um dia o Partido “Socialista” vai-se redimir dos seus pecados, não, não vai. Pelo menos Passos Coelho mudou de retórica depois de ser eleito, o “os portugueses já não aguentam a austeridade do Sócrates” passou a “não sejam piegas”, Costa é só fingimento, finge que é anti-austeridade, finge que resolve problemas da população mas a realidade é o oposto. Costa é um manipulador, ainda mais manipulador que Passos Coelho, certamente não é Primeiro Ministro para servir quem trabalha.
A punição do Partido que não é Socialista faz parte da recuperação de Portugal.
A relação entre o declínio da população portuguesa e a manutenção de António Costa, Augusto Santos Silva, enfim, o Partido “Socialista” no poder é uma relação directa.
Partido “Socialista” está apenas a gerir o declínio de Portugal, Partido “Socialista” é o partido que melhor serve a classe dominante cada vez mais predatória, Partido “Socialista” já provou tantas vezes que está disposto a sacrificar a população portuguesa em prol de uma integração anti-democrática europeia.
Todos estes políticos têm em comum a venda de Portugal e dos portugueses, todos estes políticos sabem que as suas carreiras só são ou foram possíveis porque nunca disseram a verdade. Muitos deles sabem que a verdade não é assim tão importante porque a generalidade dos portugueses é incapaz de distinguir diferenças elementares.
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