quarta-feira, 25 de maio de 2022
Portugal na armadilha neoliberal da UEM
Podemos comparar os dois períodos de igual duração, imediatamente antes e depois do euro, isto é, de 1976 a 1998 e de 1999 a 2021. O crescimento anual médio de Portugal foi, no primeiro período, de 3,4% e foi, no segundo, de 0,8%. A realidade é que o país, desde que aderiu à moeda única, reduziu o seu ritmo de crescimento a cerca de um quarto. (Jerónimo de Sousa)
O PCP aponta para o maior estrangulamento ao nosso desenvolvimento, aquele que muita gente à esquerda infelizmente ainda teme discutir. É lamentável esta inibição porque, sem um diagnóstico acertado, o conjunto da esquerda não terá propostas consistentes, não será a alternativa credível de que tanto precisamos.
O euro condena a economia portuguesa à estagnação, um processo que de facto se iniciou ainda antes do euro com a renúncia ao uso do instrumento cambial para nos "habituarmos" ao que viria a seguir. Sem jargão técnico e sem rodeios, é preciso dizer com clareza que o euro condena à emigração os nossos jovens mais qualificados após termos investido na sua formação, e condena os que ficam a empregos em larga medida precários e/ou de baixos salários.
Com uma moeda demasiado forte e sem política económica autónoma, o país desindustrializou-se em vez de progredir na complexificação do seu tecido industrial. Sem política industrial à maneira dos "tigres asiáticos", uma política proibida pelas normas da UE, estamos condenados a ser uma periferia para repouso dos reformados ricos da Europa. O turismo e os serviços pessoais, acompanhados da bolha especulativa no imobiliário, criada pelo capital estrangeiro (os "investidores"), serão cada vez mais a base da nossa economia. Estamos a cristalizar o "modelo Flórida".
A política das "contas certas", sem qualquer base científica que a fundamente, conduziu à erosão do nosso Estado social, ainda precário, através do controlo do défice pelo silencioso e sistemático corte no investimento público. Para uma análise mais extensa, interdisciplinar, e fundamentada na literatura académica, ver aqui a minha contribuição para o livro Ética, Economia e Sociedade (edição UCP) escrito para marcar os 20 anos da fixação das taxas de câmbio e criação do euro
Temos assim um país envelhecido, muitíssimo desigual, com uma muito elevada percentagem de população pobre, altamente vulnerável às alterações climáticas, e com um governo que diz ter estratégia de desenvolvimento, ainda que todos saibamos que não tem os necessários instrumentos de política económica (orçamental, monetária, cambial, industrial).
É esta a nossa democracia, periférica e "boa aluna". De facto, quando votamos em eleições legislativas é para eleger uma Assembleia da República que vai criar a delegação portuguesa do governo (não eleito) de Bruxelas-Frankfurt. E assim será enquanto esta UE durar.
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Nota: chamo a atenção para a forma como termino o texto ("E assim será enquanto esta UE durar."). Portanto, não assumi que Portugal tem condições para uma saída unilateral. Como disse Albert Hirschman, há três formas possíveis de lidar com esta situação: sair, submeter-se, ou questionar. Enquanto se espera que um dos fundadores da CEE ponha tudo em causa, acho que só devemos questionar a interpretação e execução das regras, explorando ao máximo a margem de manobra que nos resta para promover o desenvolvimento do país.
O discurso do Jerónimo: https://www.pcp.pt/adesao-ao-euro-condenou-pais-dependencia-estagnacao-ao-atraso-economico-na-melhoria-dos-niveis-de
ResponderEliminarO autor do post não levará a mal que deixe aqui esta referência. É que reparei que a notícia do Público (da Lusa) para que remete tem uma gralha que deturpa o sentido de uma passagem:
«Assim se manifesta a doença europeísta nos governos dos países dependentes. Sem Euros nos bolsos, mas com a cartilha do Euro na cabeça.» («dependentes» e não «independentes», como na notícia).
Nada impede o país de criar condições de soberania para enfrentar um futuro que parece cada vez mais incerto. O tempo de questionar já passou há muito não por acaso as análises são claras e de certa forma consensuais, o tempo é de agir, a saída unilateral pode ser uma "exigência" externa.
ResponderEliminarJá agora poderíamos começar pela soberania alimentar...
ResponderEliminarA emigração como solução para mitigar os problemas de uma sociedade que não gera oportunidades em número e qualidade suficientes tem a tendência a ser incomportável. E no meu entender é incomportável porque os sítios para onde os emigrantes tradicionalmente vão são sítios onde o sistema (Capitalismo) está em decadência. Os sítios mais dinâmicos localizam-se na Ásia, não estou a ver grande emigração para China por parte de portugueses e outros europeus em apuros…
ResponderEliminarA Europa e a América do Norte são regiões em declínio por culpa própria, aderiram a uma ideologia destrutiva que promove o parasitismo das “elites” e a pilhagem da sociedade pelas mesmas.
As “elites” e as forças políticas que lhes servem da Europa e da América do Norte têm vindo a criar uma economia que não valoriza a aprendizagem e aquisição de competências.
O recente conflito militar na Ucrânia, e tudo o que lhe está associado, vai acentuar ainda mais o declínio da Europa.
Quero que as forças políticas que se dizem anti-austeridade façam tudo ao seu alcance para demonstrar como os sucessivos governos neoliberais prejudicaram imenso os interesses dos povos para servirem os interesses de uns quantos, as pessoas têm que parar de viver em negação.
Sobre a saída do euro - Arnaldo Matos
ResponderEliminarUma posição directa sem tergiversações. Contra o papão demagógico e cobarde sobre a saída do euro…Nós não temos medo de sair do euro…Não Pagamos!
http://youtu.be/ePwDS1whDfw
https://www.youtube.com/watch?v=ePwDS1whDfw