sábado, 12 de março de 2022

Para lá dos negócios estrangeiros


Andei armado em fotógrafo ali para as bandas do fascismo em betão...

O embaixador Seixas da Costa está em grande forma: uma mentirosa piadola anti-comunista aqui, um apelo já vitorioso à mobilização ideológica e mediática de militares NATO ali, uma tentativa de condicionar um partido democrático do arco constitucional de 1976 acolá (acusa-o de “provocação” por ter convocado um comício pela paz...). E isto no meio da mais condicionadora campanha político-mediática, com afloramentos fascizantes e tudo. É imperdoável, sobretudo para quem cultiva a memória e a história, como é o caso. 

Pelo meio, memórias diplomáticas sempre bem escritas, grande convergência patriótica na gastronomia e na meta-política: afinal de contas, existe uma realidade, sempre em reconstrução, chamada interesse nacional, “só” havendo divergências na sua concretização socioeconómica e sociopolítica. Como defende José Manuel Pureza, a questão é sempre: “quem é o interesse nacional?”. 

Apesar de uma ou outra heterodoxia, Seixas da Costa não deixa de fazer parte do tumular consenso de Bruxelas-Washington, o que tem neste governo um executor pindérico, imaginando-se António Costa ao comando marcial não se percebe bem do quê, coadjuvado pelo inevitável Santos Silva, que já não deve ter muita vontade de sair do MNE, com a relevância que tem no presente contexto. 

Este é um campo ainda mais conformado do que aquele que existe na mais periclitante economia política. Não há razão nenhuma para este facto, já que Portugal só perde, em termos de segurança, com preparos militaristas lá para as bandas do oriente. Precisamos, isso sim, de uma política de não-alinhamento e de uma defesa assente no virtuoso serviço militar-cívico obrigatório, sem discriminações de género ou outras, questão de direitos e de obrigações. E nunca se sabe se o Vox tomará o poder em Espanha... 

Realmente, o pensamento crítico tem perdido muito por falta de comparência no que à política de defesa e externa diz respeito. Bem sei que o debate público é aí particularmente policiado. Bem sei que há excepções militares e partidárias preciosas, em torno da ideia, elaborada entre outros pelo notável Yevgeni Primakov, de multipolaridade ou, mais entre nós, de superação da OTAN e da UEM. Bem sei que no Le Monde diplomatique – edição portuguesa procuramos dar um contributo para o pluralismo. Mas ainda não chega. 

Até quando durará este estado intelectual e político de coisas, num mundo tão diferente da unipolaridade que nos tinha sido vendido nos anos noventa, os anos cruciais da perversa imaginação do centro depois do fim da história?

10 comentários:

  1. Yevgeni Primakov, antigo alto responsável do KGB, bela carta de recomendação, «notável» personagem sem dúvida.

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  2. Graças com o PCP são piadas anti-comunistas? Que falta de humor. Há cinco anos, escrevi isto: https://duas-ou-tres.blogspot.com/2017/06/a-foice-o-martelo-e-eu.html. Mas, se quiser, eu digo com detalhe o que penso para o “Le Monde Diplomatique”

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  3. A propósito do "Fim da História" anunciado por Francis Fukuyama em 1989 (“The End of History?”, The National Interest, Summer, 3-18), lembro que, oito anos depois, Francis Fukuyama viria a ser um dos co-autores declarados do "Project for the New American Century" (PNAC), ao lado, entre outros, dos tristemente célebres Dick Cheney, Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz. A declaração de princípios do PNAC

    (http://web.archive.org/web/20070810113753www.newamericancentury.org/statementofprinciples.htm)

    terminava assim:

    "• We need to increase defense spending significantly if we are to carry out our global
    responsibilities today and modernize our armed forces for the future;

    • we need to strengthen our ties to democratic allies and to challenge regimes hostile to our interests and values;

    • we need to promote the cause of political and economic freedom abroad;

    • we need to accept responsibility for America's unique role in preserving and extending an international order friendly to our security, our prosperity, and our principles.

    Such a Reaganite policy of military strength and moral clarity may not be fashionable today. But it is necessary if the United States is to build on the successes of this past century and to ensure our security and our greatness in the next".

    A. Correia

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  4. F. Seixas da Costa sentenciou (https://duas-ou-tres.blogspot.com/2022/03/trop-cest-trop.html):

    "Revela uma imensa falta de senso político, assumindo mesmo um caráter provocatório, em face do sentimento amplamente maioritário que hoje marca a opinião pública portuguesa na questão da agressão russa à Ucrânia, a decisão do PCP de organizar um comício “pela paz”."

    Convém perceber que F. Seixas da Costa revela uma enorme ignorância - além de uma imensa falta de senso político, assumindo mesmo um caráter provocatório - quando precipitadamente opina sobre a suposta "decisão do PCP de organizar um comício “pela paz”" no passado dia 6 de Março. Na realidade, o comício foi para comemorar os 101 anos do PCP (nasceu no dia 6 de Março de 1921) e estava anunciado, com grande antecedência, no programa de comemorações do centenário.

    A. Correia

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  5. Seixas da Costa acha que as citadas observações rascas sobre o PCP são "graças". E está até disposto a explicar a coisa ao Monde Diplomatique (quem sabe se não gostaria também de clarificar as suas "graças" no Avante!). Acha que denunciar o que são - achas para a irracional fogueira que esta guerra está a suscitar - é um problema de falta de humor. O problema é outro: não é por se pretender "graça" que o anticomunismo deixa de ser o que é: uma visceral expressão de aversão aos que são - com toda a legitimidade - uma outra "coisa histórica". E, queira ou não SC, coloca-se ao lado dos que, se pudessem, assumiriam formas menos "graciosas" desse estado de espírito.

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  6. Um "comício pela paz" é algo de provocatório?
    E de que consciência política radicalmente pacifista vem esse "sentimento amplamente maioritário que hoje marca a opinião pública portuguesa"?
    E que dizer da "agressão russa à Ucrânia" que marca o início da história onde exactamente lhe convém que ela comece e não onde - a agressão ucraniana aos SEUS CIDADÃOS de língua e etnia russas e o lançar de uma limpeza étnica no Donbass - ela efectivamente começou?
    Se um comício pela paz é provocatório, que dizer das bandeiras ucranianas com a palavra "paz" em cima que decoram as vedações das escolas e as varandas deste país? Não será essa "paz" vestida com as cores ucranianas o endossar dos crimes no Donbass e em Odessa do regime saído do putsch de 2014 e o tomar como "compagnons de route" os neonazis ucranianos mais o seu ídolo genocida Stepan Bandera?
    Que dizer do "sentimento amplamente maioritário" do povo português que o PCP tanto agrava? Não querem lá ver que melhor teria feito o PCP se tivesse abandonado a sua quase solitária luta antifascista nos tempos em que o "sentimento amplamente maioritário" do povo deste país se pronunciava massiva e ululantemente em manifestações de "desagravo" em que quem "mandava" e quem "vivia" era Oliveira Salazar e o unânime grito do tocar a reunir era o de "Angola é Nossa"?
    E onde esteve esse tão humanitário "sentimento amplamente maioritário" da lusa gente quando um seu Primeiro-Ministro fez as vezes de estalajadeiro do trio de criminosos de guerra Bush, Blair e Aznar no lançar - sob falso pretexto, nunca o esqueçamos - de uma agressão ao Iraque que custou a vida a UM MILHÃO de iraquianos? Por onde andou ele no caso do bombardeamento de Belgrado? E na destruição da Líbia, onde esteve ele? E onde se escondeu ele no caso da Síria? Por que não comparece ele quando se trata do Iémen?
    Ele há guerras que, por mais milhões que matem e mais países que destruam, não arrancam um bocejo ao "sentimento amplamente maioritário" do povo português, enquanto outras existem (poucas, muito poucas) que lhe causam uma dor enormíssima e uma consequente vontade louca de doar o que quer que seja sabe-se lá a quem ou lhe provocam um irreprimível reflexo de adoptar um mundo e meio de refugiados.
    Malhas que a manipulação contínua, a lavagem cerebral sem parança e a - não tenhamos medo de o afirmar com todas as letras - censura desbragada tecem...

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  7. Seixas da Costa é um funâmbulo na arte de ser de direita, por enquanto do PS, disfarçando esse seu fundo com textos avulsos no blogue onde, com o saber dos melhores barmans que foi conhecendo mundo fora, se misturam recordações pessoais, sobretudo profissionais, sofisticadas sugestões gastronómicas e outras diversidades que amenizam o que de facto é essencial no blogue: as opiniões políticas em acentuada deriva reaccionária que vai temperando com salsa pluralista, numa escrita escorreita pontuada por estrangeirismos que fazem perpassar uma aragem cosmopolita.
    É indisfarçável o prazer que lhe dá conviver com a corte que foi alimentando, tanto a predisposta a deslumbrar-se com o discernimento mesmo sobre o que ainda não foi escrito como a que ainda se dá ao trabalho de lhe contrapor alguns argumentos, o que ele está farto de saber ser importante para de algum modo o credibilizar. O seu ego incha, o odor da transpiração da sua vaidade já é impossível de ser travestida pelas mais sofisticadas fragrâncias. Faz bem pela vida com os atavios das suas prosápias a multiplicarem-se em vários foros, repercutindo-se noutras esferas, académicas, publicas e privadas, que lhe dão bons proveitos, é ver o seu currículo e lembrar o seu afã de formiguinha do O’Neill.
    O prolixo Seixas da Costa é um personagem queirosiano bem adaptado aos tempos actuais. Surfista de alto gabarito navegando nas mais altas ondas do proselitismo de direita com o cuidado de mudar as cores das barbatanas, desde que não sejam vermelhas, e os ritmos das deslocações. Um verdadeiro artista.
    Já não tenho paciência para perder tempo a lê-lo passado o tempo em que as suas aventuras profissionais ainda me davam o gozo de reentrar no universo de As Cenas da Vida Diplomática de Lawrence Durrell e o ver bem retratado naqueles episódios.

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  8. Um exemplar comentário de Manuel Augusto Araújo para ler e reler com muito gosto e ainda mais proveito.
    Um retrato certeiro que se aplica que nem uma luva a não pouca fauna parasitária furta-cores que flutua nos aquários bloguistas deste país.

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  9. Concordando na essência com o post, discordo com o que li na caixa de comentários. Seixas da Costa é um diplomata de carreira com serviços prestados e reconhecidos ao longo de décadas. Se é um bom garfo e se tem dinheiro para o ser e gosta de o publicitar, problema do próprio. No entanto, não deixa de ter uma leitura informada e relativamente sóbria sobre assuntos pertinentes. Não está, obviamente, no meu quadrante político, mas entre Seixas da Costa e tantos outros que veem a realidade inteiramente a preto e branco (deem um salto a esse escarro chamado delito de opinião do tachista do relvas pedro correia), acabo por o preferir, sem qualquer dúvida. E não, não sou um cortesão do blogue Duas ou três coisas. Meramente alguém que o lê, e que o comenta, como leio e comento o Ladrões de Bicicletas e onde expresso a minha opinião, sem entraves ou censuras, algo de verdadeiro para ambos os blogues. Seja como for, parece-me que será mais produtivo trazer Seixas da Costa para a órbita da Esquerda, do que insultá-lo, alegando, como faz um comentador aqui, 'o odor da transpiração da sua vaidade'.

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  10. Só hoje li o que escreveu Manuel Augusto Araújo num comentário. Sou de um seu outro tempo, menos ácido, mais elegante, em que a sua linguagem, mesmo se crítica, se pautava por algum respeito no estilo escolhido. Como foi o caso aqui: https://pracadobocage.wordpress.com/2014/12/09/a-persistencia . Agora, tomado pelo gosto do cliché (curiosamente, durante a Geringonça, cuidou em abafar as divergências) e pelo adjetivo fácil, desvairou. Tomei nota.

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