sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Vítor Bento e o «Estado que gasta» o que a «economia» produz

Vítor Bento escreveu há dias um ensaio no Observador («Eleições e reformas num país onde o "grupo dependente" do Estado é largamente maioritário») em que defende uma tese simples: o peso relativo dos cidadãos que dependem do Estado aumentou muito nos últimos 40 anos, dificultando a formação de governos apostados em fazer as «reformas transformacionais» de que Portugal precisa.

Pelas suas contas, se em 1980 cerca de 66% da população com mais de 18 anos não dependia do Estado, em 2022 esse valor reduz-se para 38%, em virtude do aumento do número de pensionistas, funcionários públicos, trabalhadores abrangidos pelo Salário Mínimo e beneficiários do Subsídio de Desemprego e do Rendimento Social de Inserção.


Vítor Bento garante que o exercício «não tem nenhum intuito moralista», pois «as coisas são o que são». Mas não deixa, logo a seguir, de sublinhar que a «inércia social e demográfica» que a «evolução do gráfico demonstra» - e perante a inexistência de «programas políticos consistentes» - poder acabar por «comandar passivamente (...) o nosso futuro», rumo a «uma inexorável senda de empobrecimento».

A primeira perplexidade que o ensaio suscita advém da ideia, bastante pueril, diga-se, de que os ditos «dependentes» do Estado são um corpo monolítico que se move - no seu pensamento sobre o país - por um interesse egoísta, estritamente ligado aos benefícios individuais que a provisão pública lhes confere. Isto é, rejeitando que a defesa do papel do Estado (porque é isso, no fundo, que está em causa) pode decorrer da valorização dos princípios do viver em comunidade, da redistribuição ou da justiça social, entre outros. E como se, entre os «dependentes» do Estado, não houvesse defensores de políticas liberalizantes, de reforço das lógicas de mercado (e, portanto, do recuo do Estado).

A segunda perlpexidade tem que ver com o facto de Vítor Bento aparentemente lamentar que tenhamos hoje mais pensionistas, mais funcionários a assegurar serviços públicos, mais trabalhadores abrangidos pelo SMN e uma prestação social de resposta à pobreza extrema. Ou seja, sugerindo que entre 1980 e 2022 houve uma espécie de regressão económica e social do país e desprezando por isso (o ponto essencial é esse) o papel do Estado e dos mecamismos de provisão pública, assumidos como mera despesa, nos notáveis avanços conseguidos em vários domínios (saúde, educação, rendimentos, mobilidade social, produtividade, modernização do tecido produtivo, etc.).

Sem concretizar ao que vem, Vítor Bento enxameia o seu ensaio com os chavões do costume. Usa três vezes a expressão «reformas transformacionais», oito vezes a palavra «reformas» e nove vezes a palavra «reformar». Mas apenas quando alude de forma elogiosa à governação da maioria PSD/CDS-PP (2011-2015), podemos vislumbrar o terá em mente: cortes no Estado Social, lógicas de privatização, redução do número de funcionários públicos, desregulação do mercado de trabalho, cortes nos apoios sociais, etc. Ou seja, o programa de «empobrecimento competitivo» em que Passos e Portas se empenharam, com o desastrosos resultados que se conhecem.

O grande problema do ensaio de Vítor Bento é de facto o Estado. A aversão e visão redutora e maniqueísta que tem do Estado, a partir da qual estabelece a falsa dicotomia entre «Estado» e «economia» (em que o primeiro «consome» e a segunda «produz», chegando a chamar aos alegados «dependentes» do Estado «consumidores de impostos», ignorando o papel dos rendimentos na economia). Como se um hospital, por ser público, não significasse emprego e prestação de serviços. Como se uma escola, por ser privada, contasse para a «economia», mas uma pública já não. Como se os serviços públicos e o Estado, nas suas múltiplas dimensões, não contribuíssem para a criação de riqueza e não fossem, necessariamente, parte da economia de um país.

9 comentários:

  1. Que grande aldrabice, é isto que tem sido o país, qualquer dia dizem declaradamente que os cidadãos que vivem de salários regulados, que são todos, não devem votar porque alteram a correlação de forças relativamente ao capital e porque defendem uma vida saudável em comunidade para todos, que aldrabice, viva a democracia e viva os democratas deste país. De facto é pena a classe trabalhadora não se unir e acabar de uma vez portas com espaço para estas abordagens absolutamente promíscuas.

    ResponderEliminar
  2. Mais do que dizer o que o autor quer dizer, interessante seria que no dissesse o que dizem os gráficos.

    ResponderEliminar
  3. Os pensionistas não dependem do Estado mas de si próprios. Na Desagregação da Segurança Social dos 34.75% 20,21% são destinados aos idosos.

    ResponderEliminar
  4. Escola e hospitais públicos, sim, aonde não exista oferta de privados.
    As instituições privadas de saúde ou de ensino -com raras e honrosas excepções- providenciam reconhecidamente (por questões de sobrevivência nas leis do odiado mercado) o mesmo ou melhor serviço e com mais cuidada administração, dos meios eventualmente distribuidos ou a distribuir, pelo Estado (socialista)....
    Os pensionistas, mal ou bem, são dependentes do Estado, um Estado que obrigatoriamente os "pensionou", sendo que as fórmulas de esse longíquo processo foram e têm sido re-organizadas, vai para largos anos, pelo Estado (socialista)....
    De que se queixam, afinal, os socialistas?. De algum ladrão de bicicletas?.

    ResponderEliminar
  5. A luta acabou para Jaime Serra mas não para quem cá fica!!
    Até Amanhã Camarada
    ps- foi só um aparte podem continuar ...

    ResponderEliminar
  6. - Pensionistas: não dependem do Estado mas sim de si próprios pois descontaram para a Segurança Social para poderem receber a forma.
    - Beneficiários do subsídio de desemprego: não dependem do Estado mas sim de si próprios pois descontaram para a Segurança Social na expectativa de que, em troca, esta os ajudasse em caso de desemprego involuntário.
    - Funcionários públicos: trabalham para o Estado logo o Estado (e em particular todos nós) é que depende deles.
    - Salário mínimo: quem depende do Estado são as empresas que se recusam a pagar um salário digno e, como consequência, ainda recebem mama do Estado de cada vez que o salário mínimo é aumentado.
    Esse senhor Vítor Bento deveria era lavar a sua boca suja que defecar é por outro sítio.

    ResponderEliminar
  7. Resta perceber a quem este Senhor serviu e porque foi "eleito" para servir a quem serve.

    ResponderEliminar
  8. O anónimo das 17:36 andou a fumar o quê?

    ResponderEliminar
  9. O Blog deve estar avariado. Só publica o que entende. Haverá regras de deontologia para blogs ou isto é a vontade do dono?

    ResponderEliminar