Então é assim, dirá um liberal:
- Em fase positiva do ciclo, o Estado deve pagar os cheques-saúde que permita aos contribuintes... não, às pessoas... aceder aos nossos serviços privados. Mas nas fases negativas do ciclo, em que os privados perdem dinheiro, o Estado deve compensar os prejuízos dos privados para que as pessoas não percam qualidade no seu atendimento futuro.
Mas nesse caso, não seria melhor o Estado investir directamente no sector público da Saúde, em que todos acedem por igual?
- Não, porque assim o Estado estará a fazer concorrência desleal ao sector privado.
Mas compensando o sector privado, não se estará a fazer concorrência desleal com algum possível investidor que queira investir nesse sector altamente lucrativo, comprando a capacidade já instalada e fragilizada pelos prejuízos sentidos?
- Olhe, mas quem está, está. Quando alguém investir, também pode beneficiar das compensações públicas. Ora, nós já cá estamos e perdemos dinheiro. Mas neste caso não se trata de um apoio ao sector privado. Há um contrato. Quando se passa um hospital para um regime em PPP, o risco passa para o sector privado, mas nem todos os riscos.
E esse risco que cabe ao Estado está bem definido?
- Sim, está perfeitamente definido, de forma genérica. Geralmente, cabe lá o que for importante que caiba. E se não couber bem, vai-se para tribunal, ou exige-se uma comissão arbitral. E cada vez mais quem está a julgar é sensível a este argumentário. Por exemplo, com esta pandemia, foi um evento maior, excepcional. E houve decisões públicas que nos prejudicaram. Com isso, houve uma redução de actividade assistencial que "foi difícil de recuperar e teve impacto directo nas receitas". Por isso, teremos de ser compensados. Mas nós estamos a pensar nas pessoas que acedem aos nossos serviços e que, no futuro, serão assim prejudicadas.
Essa perda de receitas teve que ver com a determinação pelo governo do dever de isolamento?
Sim, também. Nesse caso foi fatal para as nossas contas. Bem sei que era necessário como protecção pública, mas essa não a nossa função, não é a nossa responsabilidade, a nossa missão. Nós temos accionistas a quem responder. Nós investimos e temos de ser remunerados pelo investimento que deveria ter sido, na base, público.
E devem ser compensados, mesmo que os grupos que integrem os hospitais em PPP tenham, apesar disso, lucros?
- Sim, porque estava previsto com esses contratos termos mais lucros. Ouça: ninguém pediu ao Estado que quisesse investir em PPPs. É razoável que o privado que investe em PPP, que adianta no interesse do Estado, no interesse das suas missões constitucionais, tenha lucro na operação.
Mas nesse caso qual a vantagem de ter agentes privados no sector, se o Estado deve assumir o risco - claro, de uma forma genérica... - e apoiá-los?
- Ah! É porque nós somos muito mais eficientes do que o Estado e o Estado poupa dinheiro investindo em nós...
(diálogo fictício)
E porque não desenvolve os argumentos que os privados da saúde utilizam para justificar os pedidos de compensações?
ResponderEliminarO liberalismo não quer menos gastos do estado, pelo contrário, quer mais gastos e mais estado nas suas variadas formas. O liberalismo defende que todas as dimensões humanas devem ser expressas num valor que possa ser tomado pelos mais ricos, no final, e em última análise os cidadãos mais pobres pertencem aos cidadãos mais ricos, e claro as suas vontades e os seus gostos são justamente reprimidos porque os objetos não têm vontade própria. A desigualdade não é um pormenor do liberalismo é o centro de todas as coisas.
ResponderEliminarCaro Ricardo,
ResponderEliminarTem razão. Vou tentar encontrá-los e integrá-los.
Liberalismo não é liberdade é libertinagem.
ResponderEliminarEles querem menos Estado na economia, o eufemismo para os negócios, mas querem mais Estado a pagar-lhes os lucros expectáveis que não tiveram ou as perdas. Para eles o lucro é um direito, uma renda que alguém deverá sempre pagar, não o preço do risco que devem correr.
ResponderEliminarEsta é uma das grandes transformações ocorridas com o neo-liberalismo, através dessa notável invenção de leoninas PPP. Afirmam-no com candura, mas não hesitam em recorrer aos tribunais, aos especialíssimos tribunais arbitrais, para cobrarem o pagamento de um tal direito. E se assim é nas auto-estradas, e mais desavergonhadamente na Banca, porque não haveria de ser nos hospitais que apenas gerem?
Portanto a gestão do hospital de Loures deve ficar com os prejuízos por ter deixado de fazer o trabalho contratualizado com o estado para responder à emergência da COVID-19?
EliminarO liberalismo está semore a denegrir o Estado,mas 'saca' dele o mais que pode.
ResponderEliminarOs contribuintes que se aguentem!É tão anti-humanista!
Caro unknown,
ResponderEliminarEstava a preparar-lhe alguma informação sobre os lucros do grupo em que esse hospital se insere. Em 2011, foram 5 milhões, em 2012, teve prejuízo, em 2013 resultados líquidos positivos de 14 milhões, em 2014 18 milhões, em 2015 21 milhões, em 2016 mais 17 milhões, em 2018 mais 17,3 milhões, em 2019, mais 13,9 milhões. Resultados acumulados ultrapassa os 200 milhões de euros.
Depois, ia chamar-lhe a atenção para a forma como o grupo descreve a sua missão: "Alcançar os melhores resultados de saúde na perspetiva dos doentes através de um diagnóstico e tratamento rápido e eficaz, com absoluto respeito pela sua individualidade e criar uma organização capaz de atrair, desenvolver e reter pessoas excecionais.
Para cumprir a sua Missão, a Luz Saúde, através dos seus colaboradores, assume o compromisso de:EXCELÊNCIA EM CUIDADOS DE SAÚDE, colocar os interesses dos doentes acima dos interesses individuais e da organização; Adotar os mais elevados padrões éticos e profissionais, valorizando a medicina de equipa e a colaboração multidisciplinar para alcançar os melhores resultados em saúde na perspetiva dos doentes; honrar as necessidades e preferências dos doentes, respeitando os seus valores e envolvendo-os e à família nas decisões de cuidados; desenvolver relações de longo prazo com os clientes - doentes e institucionais - baseadas na eficácia, inte- gridade e confiança, contribuindo de forma exemplar para a sustentabilidade económica do sistema de saúde, etc.,
Depois, ia sugerir que se investigasse quantos casos foram deixados para o sector público resolver e ainda se não foi o caso - como aconteceu em hospitais privados - em que, quando se ligava para lá, a mensagem automática do atendedor: "Em caso de Covid, ligar para um hospital público".
E finalmente, fica a pergunta: Se o trabalho contratualizado não foi realizado, porque deve o hospital receber?