quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Por que defendo uma maioria plural de esquerda

(Notas da minha intervenção neste debate online, no dia 15/1).

Há três ideias que gostaria de partilhar convosco nesta minha intervenção:

1. A primeira, é de que precisamos de uma maioria de esquerda no parlamento.
2. Segundo, precisamos de uma maioria que dependa de vários partidos.
3. Terceiro, uma maioria plural de esquerda é necessária mas não suficiente para promover um futuro mais justo e mais próspero em Portugal.

Vamos então por partes.

1. Porque precisamos de uma maioria de esquerda no parlamento?

Uma maioria de direita será sempre um revés para quem acredita:

• na importância decisiva de serviços públicos universais e de qualidade,
• na necessidade de reforçar os direitos laborais e
• numa distribuição mais justa da riqueza.

Apesar do esforço de Rui Rio para passar uma imagem de moderação, o PSD não consegue esconder que o seu programa contém uma visão contrária a todos os objectivos referidos. Pior ainda, havendo uma maioria de direita, o PSD dependeria sempre de partidos ainda mais favoráveis à privatização da saúde e da educação, à limitação dos direitos do trabalho e à redução dos impostos para os mais ricos.

Mas o problema não se resume ao que a direita defende nos domínios sociais. O programa económico do PSD é medíocre. Para um partido que afirma a toda a hora que o crescimento económico é a sua prioridade, é penoso ver a incapacidade que tem para identificar os factores que estão na base da estagnação da economia portuguesa nas últimas duas décadas e para lhes dar resposta. O programa económico do PSD (como o dos outros partidos de direita) consiste em pouco mais do que baixar os impostos e esperar que chova.

Por tudo isto e não só, precisamos de impedir que a direita fique em maioria no parlamento. Isto só será garantido como uma forte participação eleitoral de todos aqueles que se revêm numa governação mais à esquerda. Para isso, todos os votos contam.

Mas não precisamos apenas de uma maioria de esquerda no parlamento.

2. Precisamos de uma maioria que dependa de vários partidos.

Em particular, precisamos de uma forte representação parlamentar dos partidos à esquerda do PS, por três motivos.

O primeiro são as ideias. O PS não é um partido homogéneo e nele continuam a ter influência as teses da chamada 3ª via de Blair e Schroeder, que olha para o alargamento dos mecanismos de mercado a várias esferas da vida em sociedade como objectivo a prosseguir. É um suposto socialismo que abriu portas aos privados na saúde, na educação, na protecção social e nas infraestruturas públicas, e que enfraqueceu as relações laborais. Um suposto socialismo que insiste em não perceber que a provisão pública dos serviços colectivos é não apenas uma protecção contra o domínio do poder económico sobre a sociedade, mas um factor crucial de coesão e de integração social. Um suposto socialismo que menoriza o papel central das relações de trabalho na distribuição de rendimentos.

Mas para além das ideias, há os interesses. Não se governa apenas com base naquilo em que se acredita, mas também das pressões a que se é sujeito. Sem a força dos partidos à sua esquerda, o PS será sempre muito mais vulnerável aos grandes interesses económicos. Não tenhamos ilusões sobre isto: se o PS se apresentou nos últimos anos mais à esquerda do que no passado – tanto no discurso, como na prática de governação – muito se deve à necessidade de contar com os votos do Bloco de Esquerda do PCP para governar.

O terceiro motivo pelo qual precisamos de uma maioria que dependa de vários partidos são os riscos de uma maioria absoluta. A democracia não acabaria se houvesse uma maioria de partido único, é certo. Mas a qualidade dessa democracia sairia a perder – pela menor transparência, pela maior arrogância e pela ainda menor disponibilidade para ouvir e para aprender com os outros (e não há Presidente da República que o possa impedir).

3. Uma maioria plural de esquerda é necessária, mas não é suficiente para construirmos um futuro mais justo e mais próspero.

Precisamos de mais participação cívica do que tivémos nos últimos seis anos. Precisamos de exigir mais disponibilidade para o compromisso e mais qualidade na governação. Isto não se resolve com o voto que cada um decidir pôr na urna no dia 30 de Janeiro. Exige cidadãos e movimentos mais activos - o que depende de cada um de nós (e não apenas dos partidos em quem votamos).

Por isso, seria bom que a mobilização que agora temos para discutir o voto continuasse – e se reforçasse – depois das eleições.

Obrigado.


8 comentários:

  1. Obrigado pelos comentários, que leio com frequência. Gostava de colocar uma pergunta, em que dimensão um governo de esquerda pode conceder uma abertura à direita, tendo por base que o governo governa para todos e não apenas para a sua base eleitoral? O mesmo podia perguntar à direita.
    Obrigado.
    Nuno

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  2. Espero que o seu desejo se concretize

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  3. Com o aproximar das eleições António Costa tem um discurso mais agressivo para com os seus antigos parceiros(sem eles Costa não tinha formado governo),a arrogância com que pede uma maioria absoluta(faz lembrar o seu companheiro Sócrates),nestes poucos dias que faltam todos que anseiam por uma vida melhor devem apelar ao voto nas esquerdas.

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  4. Claro e conciso... sendo que o relacionamento com UE/EUR é o menor denominador comum e talvez o principal problema...

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  5. O debate, com o Daniel Oliveira, não tenho pachorra para ver. Mas parece-me bem o que transcreveu.

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  6. Concordo em absoluto com o Ricardo Pais Mamede. O problema é que o PS tem demasiados compromissos do passado e a esquerda à sua esquerda tem pressa. Esperemos que este desencontro não desemboque em tragédia.

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  7. Há três meses - meia dúzia de dias ANTES DO CHUMBO da proposta de OE2022 -, as estimativas divulgadas em https://sondagens.rr.sapo.pt eram assim: PS com 39.65%, PSD com 26.04%, Chega com 8.49%, BE com 6.26%, CDU com 5.57%, IL com 5.10%, PAN com 2.53%, CDS com 1.83% e Livre com 0.37%.

    Vejamos então as possibilidades que Costa terá considerado por essa altura, se o país fosse para eleições antecipadas a pretexto do esperado chumbo do orçamento:

    a) O plano A - maioria absoluta do PS sozinho - parecia perfeitamente possível, atendendo aos 39.65% já disponíveis (com o PSD a mais de treze pontos percentuais), mais a robusta "margem de progressão" que uma boa campanha de vitimização poderia oferecer ao PS;

    b) O plano B - maioria absoluta da troika PS + PAN + Livre - parecia perfeitamente garantido, atendendo aos 42.55% já disponíveis, mais a expectável "margem de progressão" conjunta do PS e destes seus dois novos parceiros.

    Entretanto, neste início de 22/01/2022, a oito dias das eleições, as estimativas divulgadas em https://sondagens.rr.sapo.pt ficaram assim: PS com 37.91%, PSD com 30.63%, Chega com 6.73%, BE com 5.66%, CDU com 5.18%, IL com 4.78%, PAN com 1.93%, CDS com 1.45% e Livre com 1.43%.

    Vejamos então as novas possibilidades de Costa, agora que ele assumiu uma "vontade irrevogável" de não repetir acordos de "geringonça" à esquerda:

    a) O plano A - maioria absoluta do PS sozinho (37.91%) - não parece possível;

    b) O plano B - maioria absoluta da troika PS + PAN + Livre (41.27%) - parece difícil de concretizar;

    c) O plano C - maiorias pontuais PS/PSD, nomeadamente para garantir a aprovação de propostas de orçamentos do estado, numa governação à Guterres - é concretizável no curto prazo, mas só dura enquanto o PSD deixar.


    A. Correia

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