sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O declínio editorial é público


Como leitor do Público desde o primeiro número, não tenho dúvidas em afirmar que os editoriais de Manuel Carvalho são o melhor sintoma de um declínio que só não é irreversível porque vale a pena à Sonae ter um “perdócio”, como dizia Belmiro de Azevedo. A influência política paga-se. Lobo Xavier pode explicar como é que esta economia política funciona. 

Carvalho converge ideologicamente com José Manuel Fernandes, mas sem a bagagem e a qualidade de escrita deste, escrevendo num tempo em que o desfasamento entre a ideologia liberal propagada e a realidade é tão avassalador quanto transparente. Fernandes foi para o Observador, um projeto explicitamente mais extremista, mas que pelo menos tem a virtude da clareza. A observadorização editorial do Público é clara para o leitor de sempre. 

Por exemplo, em editorial da passada quarta-feira, Carvalho regogiza-se com o pretenso regresso intelectual do extremo-centro, sem mencionar uma única proposta do dito, saudando o forte contributo dos fanáticos da iniciativa liberal, vejam bem a aldrabice ideológica. Omitindo naturalmente o perigo dos fascistas, para si o importante é que “os cidadãos perceberam o espartilho ideológico do Bloco e do PCP”, todo um programa de manipulação editorial.

BE e PCP impediriam as “reformas” agora não explicitadas, ou seja, a continuação da troika por outros meios. O Público deve precisar de jornalistas cada vez mais baratos e descartáveis, afinal de contas. 

Em modo ofuscador, Manuel Carvalho não se dá ao trabalho de apresentar dados sobre o investimento público, o emprego público, o peso das empresas públicas ou a robustez das respostas públicas na pandemia, num país tão abaixo dos outros que lhe são comparáveis. O seu problema é por definição a gordura de um Estado ainda não totalmente calibrado para defender e financiar certos interesses. 

A verdade é tão simples e está à nossa frente de forma tão clara que muitos até dizem – tem de ser mais complexo do que isso: só chega a director de um jornal deste tipo quem não se desvia da ideologia dos proprietários. 

O resto vem por arrasto, incluindo uma diversidade e qualidade funcionais em algumas áreas, mas só em algumas, graças a um punhado de jornalistas de excelência. No entanto, na questão europeia, ou seja, na questão nacional mais importante, há mais pluralismo na Comissão Europeia ou no BCE do que na propaganda europeísta deste jornal, cujas peças nesta área até são frequentemente financiadas pelas instituições europeias.

2 comentários:

  1. Há uma frente de comentadores cujo principal objetivo é juntarem-se há confusão geral.
    A ladainha mais referida: o país não cresce Há 20 anos, certo.(já agora convinha não esquecer que, dentro desse período, houve o programa da troika.. cujo resultado foi: grande decréscimo do PIB..e muito mais)
    Então se estamos em período propicio à discussão de ideias, convinha dizer alguma coisa mais do que a conversa redonda e estórias de jornalista/comentador sobre o assunto.
    Aliás Rio pauta-se pelo mesmo principio.
    Qual é a ideia sobre o modelo económico:por ex. menos IRC- pode-se provar com clareza que a diminuição deste imposto implica aumento do investimento? E a Taxa FLAT de IRS é um forte estímulo ao consumo..??
    Então, se o capital privado é diminuto, há que pensar em articular políticas públicas e investimento público? Naturalmente atrair capital estrangeiro? Mas, em que setores e com que articulação com as cadeias de valor nacionais e internacionais?....??
    Ideia recorrente: privatiza-se, mas o quê- TAP, CGD ....
    E,já agora,a moeda única ajudou ou é tabu???
    Bom , vamos por aí adiante e nada de substancial para além de ruídos de fundo.
    Costa também não ajuda, diz que sim mas que nim...''


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  2. Sinto sempre um certo masoquismo por assinar o Público. Transcrevi este ótimo texto na minha página do Facebook.

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