Fez bem o Governo em manter a data de hoje para reabrir as escolas, ao contrário de pareceres (como o do vice-presidente da ANSMP, Gustavo Tato Borges), que consideravam ser «mais prudente» o ensino à distância até ao final do mês para o 1º e 2º ciclo, mesmo reconhecendo que as escolas «não são o motor da pandemia». Nunca o foram, aliás, sendo hoje evidente que o risco que levou ao seu encerramento no ano passado decorria do efeito do Natal (que este ano se repetiu, justificando o adiamento do regresso às aulas apenas por uma semana) e não de um suposto risco endógeno das escolas (a que chegou a ser atribuído, no ano passado, o aumento vertiginoso do número de casos).
É claro que se compreende o sentido de prudência inerente à proposta de adiar a reabertura das escolas até final de janeiro. A questão é que os valores em jogo vão muito para lá de uma análise epidemiológica fechada sobre si mesma, que desvaloriza os impactos brutais do confinamento das crianças e do ensino à distância não só no aproveitamento escolar e no seu bem-estar psicológico e saúde mental, mas também, e sobretudo, a profunda desigualdade social associada a esses impactos. Tanto mais quanto, graças à vacinação, estamos hoje com um padrão de muito menor gravidade da situação pandémica, apesar do aumento, sem precedentes, do número de contágios depois do Natal.
De facto, e apesar do aumento exponencial de novos casos desde a quadra natalícia, que se acentuou entretanto face ao exercício anterior, os indicadores relativos às situações de maior gravidade da doença (internamentos, internamentos em UCI e óbitos) mantém-se num patamar relativamente reduzido, com as taxas de vacinação completa (duas doses) já muito próximas dos 90%. O que permite que a situação seja hoje muito diferente da vivida há um ano atrás. Se o número de casos diários registado quase quintuplica face ao valor de 2020, o mesmo não sucede - bem pelo contrário - com os restantes indicadores: o número de internamentos e de internamentos em UCI é cerca de 1/3 do registado em 2020, e o número médio diário de óbitos 5 vezes inferior (com tendência, por enquanto, para se manterem estabilizados os seus valores, ao contrário do que sucedeu em igual período no ano passado).
A gestão da pendemia é, sempre foi, uma questão de necessários equilíbrios. Reforçando as restrições quando é preciso ou suavizando as mesmas nas margens do possível. E atendendo, sempre, aos contextos e às caraterísticas da situação pandémica em cada momento, numa lógica de diálogo entre diferentes ramos do conhecimento, indispensável para ultrapassar as limitações inerentes a cada uma das abordagens disciplinares.
"A gestão da pandemia é, sempre foi, uma questão de necessários equilíbrios. Reforçando as restrições quando é preciso ou suavizando as mesmas nas margens do possível. E atendendo, sempre, aos contextos e às caraterísticas da situação pandémica em cada momento, numa lógica de diálogo entre diferentes ramos do conhecimento, indispensável para ultrapassar as limitações inerentes a cada uma das abordagens disciplinares."
ResponderEliminar1. Reforçar restrições quando é preciso: os casos na população jovem nunca foram tão altos.
2. Atendendo sempre ao contexto e características da situação pandémica: a variante Omicron causa mais doença em crianças; por exemplo, o número de crianças até aos 5 anos internadas por doença grave no Reino Unido nunca foi tão alto.
3. Diálogo entre ramos do conhecimento: a saúde pública diz que existe um risco elevado para a sociedade e para os alunos de haver aulas presenciais neste momento, quando o número de infecções está no máximo; a infecciologia diz que as sequelas a longo prazo da infecção com este vírus em crianças e jovens são reais, causam comorbilidade e sofrimento e ainda se desconhece muitas das implicações para a saúde; a sociologia diz que são os mais pobres que mais se infectam, que mais têm doença grave, que mais morrem e que mais deixam crianças sem cuidador.
Custa-me por isso a perceber como é que se chega à conclusão que é melhor ter as escolas abertas nesta fase pandémica.
Já agora, não é verdade que as escolas não sejam motor da pandemia. São. Se quiser, comparamos evidências para a sua e para a minha afirmação.
A Esquerda está tão obcecada com as suas habituais preocupações, meritórias, que tem sido totalmente incapaz de enquadrar a pandemia no seu quadro de valores. A gestão da pandemia tem sido profundamente neo-liberal, cada vez mais. Abrir as escolas quando o país está a arder, colocando a VIDA dos alunos em perigo, é de doidos. Olham tanto para o pormenor que perdem noção do quadro geral. Primeiro temos que proteger a VIDA. Não há equilíbrios possíveis.
Caro RPL,
ResponderEliminarDuas ou três notas apenas:
- Ao contrário do que refere, a «saúde pública» não diz que «existe um risco elevado para a sociedade e para os alunos haver aulas presencias neste momento». A opinião sobre «ser mais prudente» ter as escolas fechadas até ao final de janeiro é a do vice-presidente da ENSP e não vincula a instituição, dada a divergência de opiniões registada. Também a partir das notícias, aliás, tudo indica que a maioria dos especialistas foram a favor a reabertura das escolas a 10 de dezembro;
- Não sou eu quem diz que «as escolas não são o motor da pandemia». Foi justamente o vice-presidente da ENSP com quem, se quiser, pode então «comparar evidências» sobre a sua (e a dele) afirmação;
- Conviria talvez fundamentar melhor, nomeadamente com valores, o aumento de casos (e sobretudo da sua gravidade) na população jovem. É que talvez não chegue dizer, inflamadamente, que os casos «nunca foram tão altos» ou que o número de internados «nunca foi tão alto». Nem esquecer que a vacinação das crianças está já em marcha, além de reconhecer que não estamos propriamente em janeiro de 2020, no que respeita à vacinação em geral.
O seu comentário é, contudo, bastante ilustrativo da secundarização (para não dizer indiferença), na ponderação que deve sempre ser feita, dos impactos do confinamento na vida quotidiana das crianças, tanto ao nível das suas aprendizagens e socialização como do seu bem-estar e saúde mental (para já nem falar do aumento de outras doenças respiratórias associadas, justamente, ao confinamento).
Cumprimentos
Agradeço a sua resposta, apesar de claramente a mesma não mostrar uma verdadeira vontade de dialogar. E entre uma criança ficar com sequelas o resto da vida ou perder um cuidador e os impactos do confinamento, claro que secundarizo os impactos.
ResponderEliminarVive num mundo utópico e não compreende de facto o que está em causa.
1. Sim, a saúde pública, enquanto área do conhecimento, diz que existe um risco elevado para a sociedade e alunos, só não vê quem não quer.
2. Sim, foi você que disse que as escolas não são o motor da pandemia. " Nunca o foram" foi o que escreveu. Isso vai muito além do que disse este ou aquele. Pelo menos assuma o que escreveu.
3. Não sabia que estava tão distante da realidade que precisava que eu lhe citasse números para saber que os casos nunca foram tão altos. Imaginei eu que quem escreve um texto como o que escreveu sabe do que está a falar, sabe como evoluem os casos e o internamento de crianças e pensei que podia discutir estas ideias de boa fé. Imaginei mal, parece... A média de sete dias de casos em Portugal, neste momento, é superior a 30 mil casos dia, o valor mais alto desde o início; destes, cerca de 18% são em cidadãos até aos 19 anos. Quer que lhe faça a conta para perceber que estamos a falar dos valores mais altos? As crianças até aos 5 anos não são vacináveis ainda e as até aos 11 anos têm apenas uma dose da vacina. Ainda bem que a vacinação avança mas nestes grupos etários não dá ainda protecção à doença.
O seu comentário e texto original é bastante ilustrativo de uma esquerda arreada da realidade que acha que defende coisas bonitas mas que não faz ideia do que se passa no terreno. Tudo 'equilíbrios' e 'sensatez'.
Lamento que tenha ficado tão incomodado com o meu contraponto. Não o repetirei, leve lá a taça.
Já agora, em relação às hospitalizações de crianças, adoraria saber como evoluem em Portugal mas esses dados não são revelados pelas autoridades competentes. Mas no Reino Unido, com evolução pandémica semelhante à nossa, as hospitalizações em todas as idades inferiores aos 25 anos estão no pico desde o início da pandemia. As hospitalizações de crianças até aos 4 anos, por exemplo, é 3x mais elevada agora do que foi no pico de Janeiro de 2021. Pode consultar os dados aqui: https://www.ons.gov.uk/peoplepopulationandcommunity/healthandsocialcare/conditionsanddiseases/articles/coronaviruscovid19latestinsights/hospitals
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