terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Estamos fritos


Um balanço crítico da nossa participação na União Económica e Monetária foi escrito pelo Prof. João Ferreira do Amaral para a revista Sábado (26 Dez. 2021) sob o título "E se Portugal não tivesse aderido à moeda única?", nos vinte anos da entrada em circulação do euro. Partilho os últimos parágrafos: 

"Porque é hoje importante refletir sobre estas questões do passado? Muitos países da Zona Euro, incluindo três das suas maiores economias, França, Itália e Espanha têm hoje dívidas públicas superiores a 100% do PIB. As instituições da Zona Euro e o próprio Tratado Orçamental não são compatíveis com esta situação que é bastante mais difícil do que a que existia em 1999. 

Vai ser necessário negociar e introduzir mudanças profundas no enquadramento monetário e na governação económica da União. Avaliar criticamente o passado será, por isso, essencial. Portugal sofreu um sério golpe na sua autonomia com a perda da soberania monetária e orçamental e foi humilhado durante o programa da troika. Está muito mais debilitado do que estava em 1999 para poder aguentar o enquadramento da Zona Euro. Se os próximos 20 anos forem iguais aos anteriores (e nada neste momento indica que possam vir a ser melhores) a decadência do nosso país será brutal. 

Por isso, as autoridades portuguesas vão ter a enorme responsabilidade de lutar para que o novo enquadramento monetário e de governação económica da União permita que Portugal exista e progrida e, para isso, é necessário autonomia de decisão. Mas se defenderem tão bem os interesses nacionais como os defenderam os governos que nos puseram no euro, então, caro leitor, estamos fritos." 

Aproveito para sugerir a leitura do que escrevi nos vinte anos da criação do euro (2019) - Ascensão e Queda da UE: uma avaliação negativa dos 20 anos do Euro (aqui).

2 comentários:

  1. Mas mesmo que estejamos fritos estaremos fritos com o voto do povo, que é a único método para um exercício legítimo de soberania.

    Quem quiser fazer diferente, convém que não se fique apenas pelos diagnósticos. Convém igualmente que apresente alternativas que incluam os riscos e os custos de um abandono da moeda única e as respetivas políticas de mitigação dos mesmos.

    Depois, a mensagem é sempre a mesma da Direita à Esquerda, todos defendem políticas de crescimento que ameaçam a sobrevivência da espécie em face da crise climática.

    A Esquerda continua, como a Direita, alegremente convencida que a inovação tecnológica nos livrará da zastoi (estagnação), como Gorbatchev acreditava nos idos de 1986, antes do desastre de Chernobyl, e que uma moeda soberana será o instrumento adequado para libertar a criatividade e o trabalho do povo português.

    Verdadeiramente o fetiche da soberania monetária. A realidade é mais complexa do que isso...

    Relativamente à URSS, foi o que se viu. Se a explosão do reator 4, de modelo RMBK, criado para produzir plutónio destinado ao programa nuclear soviético, e sem os mecanismos de contenção vigentes no mundo ocidental, tivesse arrastado os restantes, a contaminação seria tal que não estaríamos aqui para falar dos malefícios do Euro...

    Suspeito que em relação à crise climática, o mundo irá simplesmente repetir o erro de Gorbatchov... E nós com ele, naturalmente...

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  2. No ano 2000, pouco depois da chegada de Portugal, no "pelotão da frente", à meta da "moeda única", o ex-líder do PS Victor Constâncio proferiu este discurso euro-triunfalista na sua tomada de posse como "Governador do Banco de Portugal":

    https://www.bportugal.pt/intervencoes/discurso-de-tomada-de-posse-do-governador-0

    [Antes de sair do cargo, em 2010, Constâncio teve tempo para não se aperceber dos problemas de vários bancos (BPN, BCP e BPP), que acabaram por custar milhares de milhões de euros aos contribuintes portugueses. É interessante recordar que passou a década seguinte ao leme da "supervisão bancária" na zona euro, no exercício do cargo de vice-presidente do BCE.]

    Quanto ao artigo de João Ferreira do Amaral - também economista e também do PS - sobre a dura realidade destes "20 anos do Euro", publicado neste início de 2022, pode ser lido aqui:

    https://www.sabado.pt/dinheiro/detalhe/e-se-portugal-nao-tivesse-aderido-a-moeda-unica


    A. Correia

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