Ainda com as últimas autárquicas a fumegar, David Pontes chamava à atenção, no Público, para um problema (entre outros que existem), do sistema eleitoral português. Citando as análises do politólogo Francisco Soares, assinalou o facto de a taxa de abstenção estar sobreestimada, como indicia o seu cálculo pela população residente com mais de 18 anos (e não pelo total de eleitores inscritos). No caso das autárquicas, o cálculo pela população residente com direito a voto apontaria para uma «abstenção real» entre 35 e 36%, bem inferior ao valor da «oficial», de 46%.
Aplicando este critério de cálculo da abstenção a eleições legislativas, as diferenças com a abstenção oficial subsistem. Por razões que importaria conhecer em cada caso, é em 1995 que a diferença é mais pronunciada (cerca de 10 pontos percentuais), sendo em 2005 que se regista o menor diferencial (2 p.p.). Desde então, tanto numa como noutra forma de cálculo, registam-se diferenças a rondar os 5 p.p., tendo-se em 2015 atingido o valor mais elevado desde 2005 (cerca de 6 p.p.), certamente em parte pelo aumento da emigração nos anos da troika e da maioria PSD-CDS/PP.
Seja como for, é inquestionável a tendência de subida da abstenção desde 2005 (tanto num como noutro critério), percebendo-se igualmente que o diferencial tenha tendência a ser maior em autárquicas (em que apenas podem votar os residentes no território nacional) que em eleições legislativas. Ainda assim, importará continuar a afinar os cadernos eleitorais, sob pena de se criar uma ideia de desinteresse dos eleitores ainda maior (mas menos verdadeira) que a que os números oficiais sugerem.
Como sublinha David Pontes, no já citado editorial, «a ladainha da abstenção, tradicionalmente alimentada por comentadores e dirigentes partidários que, enquanto não há resultados, comentam na noite eleitoral projecções de abstenção — “um dos valores mais altos desde que se realizou a primeira ida às urnas, em 1976”... — distorce a avaliação da participação política, criando a imagem de um país diminuído no seu empenho democrático».
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