Poiares Maduro frisou que Portugal vive-a há duas décadas, mas não disse como resolvê-la senão através dos estímulos públicos ao investimento estrangeiro. Paulo Rangel escolheu várias palavras para dizer o mesmo, culpando o conformismo do PS que não quis as reformas necessárias para pôr Portugal a crescer. Rui Rio - como já frisámos noutro post - tão-pouco diz por que há estagnação ou "crescimento anémico", o que ajudaria a encontrar soluções.
Mas ontem esteve quase quase. Foi numa entrevista à RTP, à margem do Congresso. Vamos "ouvi-la":
- As críticas que nós fazemos mais à governação - são muitas, é evidente, amanhã vai ouvir no discurso mais algumas! - mas há aqui um ponto muito muito importante que é o problema da carga fiscal e do crescimento económico. Não tem havido crescimento económico... Vamos lá ver, eu tiro daqui a pandemia porque é compreensível e natural que em pandemia não haja crescimento económico. Mas o crescimento económico tem sido anémico. E por que é que tem sido anémico?E eu pensei: é agora! Mas não:
- Não é por que é que tem sido anémico... É... O que é isso de anémico? Anémico é os países de Leste, países mais pobres que nós, que tiveram o comunismo durante muitos anos, têm estado a recuperar ao ponto de alguns já nos terem ultrapassado e outros estarem quase a ultrapassar do ponto de vista da riqueza per capita.E aqui a jornalista - que poderia ter alegado que os "muitos anos de comunismo" tinham deixado uma estrutura em formação diferente na deixada pelo fascismo, ou que é difícil competir como facto de estar coladinho à Alemanha - perdeu-se na questão essencial e foi ao imediato:
- Concretizando: Exigirá uma baixa de impostos... caso haja negociação?E não é que Rui Rio se engasgou um pouco?
- Eu penso que é fundamental nós termos uma estratégia em Portugal para redução da carga fiscal. Acho que é fundamental. Por duas razões: primeiro, porque ela efectivamente está muito elevada, mas depois porque se nós não nos preocuparmos em baixar a carga fiscal e não assumirmos esse compromisso, aquilo que vai acontecer no futuro, é que ela vai subir sempre, sempre, sempre... que é o que tem acontecido. Cria-se um imposto extraordinário para aquilo, mais um adicional e não sei quê. E o adicional fica para sempre. Temos de ter a coragem de pôr o pé no travão: Alto! Parou! E agora ter a estratégia ao contrário: começar a baixar a carga fiscal. (...) Naturalmente não estou a ver o PC ou o BE a poderem negociar uma coisa destas...Até nem isso é assim tão polémico. A questão é mais a quem e a sua distribuição. Mas vamos por partes. Primeiro, a carga fiscal - peso no PIB das receitas fiscais e contribuições sociais - em Portugal não é excessiva: está alinhada com a média europeia (veja-se gráfico para 2021).
Fonte: Ameco |
Segundo, o conceito de carga fiscal introduz um viés que é considerar as contribuições para a Segurança Social nas "receitas fiscais". Um dia, um governo qualquer - como o de Passos Coelho/Paulo Portas - quererá baixar a "carga fiscal" das empresas baixando a TSU das empresas e aumentando a dos trabalhadores. Lembram-se?
Fonte: Ameco |
Terceiro, se a carga fiscal tem subido - o que nem tem acontecido muito (veja o gráfico da direita para a esquerda) - é mais porque há a tal... estagnação desde 2000. E porque as despesas públicas são crescentes, como o próprio PSD o exige quando está na oposição. E mesmo assim a coisa tem se portado benzito...
O que Rui Rio faz é um malabarismo: primeiro, introduz - como todos os liberais - o Estado no meio do problema, quando o Estado está do lado da solução. Diz Rio: desça-se a carga fiscal para que a economia cresça. Ora, o que vai acontecer é que, para se manter o mesmo défice e dívida pública - porque, de acordo com as regras liberais europeias, não é possível a emissão monetária soberana - a despesa pública tem de baixar. E esse é o verdadeiro objectivo: substituir a despesa pública por uma provisão privada, nomeadamente colocando o Estado a pagar a Educação privada e Saúde privada e, quem sabe, uma Segurança Social privada, como sempre foi reivindicado (com o plafonamento). E tudo sob o argumento: temos de dar o melhor a todos os portugueses, temos de dar as mesmas oportunidades a todos os portugueses. Ou seja, pague-se um colégio privado aos mais pobres. Quem paga? O Estado.
E aqui o debate é mesmo: deve o Estado investir nos seus próprios serviços (garantindo o acesso universal) ou deve pagar a privados (que ficam com a possibilidade de colocar barreiras à entrada, escolhendo quem querem e deixando o que não querem para o Estado)?
E se não houver corte na despesa - porque já se viu (há décadas!) que é complicado baixar a despesa sem afectar os serviços públicos ou os apoios sociais - estar-se-á a aumentar o défice e a dívida cujos níveis Rui Rio tanto gostaria de respeitar. Basta olhar para o exemplo no tempo de Reagan.
Quarto: quem beneficirá da descida da carga fiscal? Veja-se o caso do IRC. E depois resta a pergunta: a baixa da carga fiscal estimula a economia? Promove o investimento? A procura? Os exemplos históricos mostram que não suficientemente.
E finalmente: resta a pergunta fundamental. Mas afinal por que é que estamos em estagnação?
Sem se saber isto, tudo o resto é folclore.
Nunca vão dizer por que é que temos um fraco crescimento e muito menos qual o modelo que pretendem implementar: teriam de assumir os erros do tempo da troika..
ResponderEliminarTodas as vezes quem se aproximam de dizer qualquer coisa, quando os jornalista fazem as perguntas certas, começam a contar estórias.
Até a insuspeita OCDE anda a querer mudar de agulha, talvez fosse boa ideia os jornalistas estudarem o último relatório sobre Portugal e começarem a fazer o contraditório.Se não forem inteletualmente desonestos sabem bem e Rui Rio também, que a "austeridade expansionista", praticada pelo governo Coelho /Portas, levou o país para um grande nível de anemia,(desemprego,saída do país de jovens qualificados,...)
que só terminou com a intervenção do BCE- compra de dívida. A experiência "troikiana" pôs a nu a incompetência da UE em gerir as "crises internas" ou os problemas da moeda única.
Portanto, talvez fosse uma ideia interessante lerem o relatório da OCDE.
A estatística é o refúgio de quem tem nada para dizer no concreto das políticas:
ResponderEliminar- A carga fiscal como agregação de impostos nada diz sobre quais os que têm um claro impacto negativo na economia.
- A média das cargas de impostos europeias compara com a média das suas economias que nada de útil diz para uma particular economia.
E sempre as políticas europeias determinam troikas e cessação de compra de dívida pelo BCE lá para Março.
Aproximam-se tempos de a esquerda buscar o seu conforto na oposição, onde a treta não tem de se refletir em políticas.
Caro José,
ResponderEliminarNem parece seu, não gostar das estatísticas sobre a carga fiscal. Por momentos, ainda pensem que fosse dizer que os valores apresentados eram, na verdade, muito elevados. Mas afinal concorda comigo. Já é qualquer coisa.
E, sabe, até lhe dou razão na questão das estatisticas médias. O facto é que apenas quis bater-me num terreno partilhado pelo argumento contrário. Se saltasse de tabuleiro sem esgotar o primeiro tema - como o José fez - mesmo assim talvez voltasse a dar-me razão. Mas fica para outra vez.
E para rematar: se há treta efectiva de quem não define políticas, isso é verdadeiramente com a direita: nunca diz ao que vem, diz que vem ao contrário do que efectivamente pensa e, depois, quando chega ao poder, aplica o que lhe dá na real gana, sem pensar no bem geral. E com péssimos resultados sempre, que aliás servem sempre para justificar novas doses das asneiras praticadas. Como se vê presentemente.
Caro João,
ResponderEliminarAs premissas que adotamos na análise divergem o bastante para que as concordâncias seja incidentais.
Quanto a tretas, menos do que o que digam ao que vêm, interessa-me saber-lhes as crenças e a obra feita.
De geringonças e das suas crenças nas despesas criadoras de riqueza estou inteirado.
Da obra feita chega a conta a partir de Março de 2022.
Ao chegar ao final do texto,pretendia abordar algumas pistas como contribuição para a resposta à pergunta colocada que,como o autor refere é o busílis da questão.Nesse sentido,fui recordando em retrospectiva os elevados custos que cada privatização realizada nas duas primeiras décadas do século acrescentaram a uma dívida pública que,nos primeiros anos do milénio,rondaria os 60% do PIB e aos sucessivos resgates que o Estado foi somando com os BPN's,BPP'Banif,no sector bancário e na TAP,mais recentemente.Ainda alinhavava as idéias quando resolvi dar uma segunda leitura ao artigo e uma primeira aos comentários já publicados e cheguei à conclusão que o João Ramos de Almeida já tinha referido tudo o que queria comentar,tanto nas linhas como nas entrelinhas.
ResponderEliminarDiz o Jose: «De geringonças e das suas crenças nas despesas criadoras de riqueza estou inteirado.» Sem dúvida, mas quanto às riquezas acumuladas pelo mesmo Jose nas suas operações de saque de rendas especulativas aos seus arrendatários? Ao que parece, esta dita geringonça não agrada muito a quem o ajudou no passado a obter a soberana ajuda para saquear à vontade os seus inquilinos.
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