quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Querido diário - o que nunca foi dito na campanha eleitoral

Jornal Publico, 22/12/2011

Foi há dez anos. 

O Governo Passos Coelho/Paulo Portas agravava o preço das consultas no SNS público, como forma de o aproximar cada vez mais dos preços praticados pelo sector privado da Saúde (ou seja, tornando-o o SNS menos competitivo...). Uma consulta de medicina familiar num centro de saúde passou para cinco euros (quando eram 2,25 euros) e um atendimento numa urgência polivalente subiu para 20 euros (eram 9,60 euros). Apesar do agravamento substancial que os utentes do SNS sofreram, o custo de uma consulta num centro de saúde ainda ficou abaixo dos preços dos hospitais geridos pela Espírito Santo Saúde (ESS) e José de Mello Saúde ( JMS).

Ao mesmo tempo, oGoverno Passos Coelho/Paulo Portas punha os portugueses a dar mais tempo de vida às empresas. Ao todo, era mais 23 dias trabalho por ano. Escrevia-se então: 

 

No documento enviado ontem pelo Governo, prevê-se o fim dos três dias de férias adicionais consagrados no Código do Trabalho para premiar a as- siduidade. Se a esses dias se juntarem os 16 dias que resultam da meia hora adicional ao horário normal de trabalho (criada para compensar a desistência da “desvalorização fiscal” através da descida da taxa social única) e o fim de quatro feriados nacionais, só aí estarão 23 dias úteis por ano. 

A esses dias não remunerados, soma-se o corte para metade do preço do trabalho suplementar e com a eliminação de 25% adicionais após a primeira hora extraordinária. O documento distribuído pelo Governo tem ainda, no entender da CGTP, outras novidades. Passa a haver uma concepção mais vaga para o despedimento individual, ao dar ao empregador a possibilidade de “fixa- ção de um critério relevante face aos objectivos subjacentes” à extinção do posto de trabalho. E o empregador deixa de estar obrigado a encontrar um “posto compatível”. 

Depois, o Governo vai ao encontro de uma velha reivindicação patronal ao reduzir o período de sobrevigência das convenções colectivas após denúncia por uma das partes, com vista à sua caducidade. Para criar um “incentivo à negociação colectiva e à valorização dos instrumentos de re- gulamentação colectiva”, vai ser reduzido o período de 18 meses em que as convenções se mantêm em vigor. E com o mesmo objectivo, o Governo pretende que a mobilidade geográfica e funcional, horários de trabalho e mesmo a retribuição sejam negocia- dos ao nível da empresa, tanto por comissões de trabalhadores, como por “comissões sindicais” ao nível de empresa. Ou seja, algo que desvaloriza o papel dos sindicatos e da negociação colectiva. 

Estas medidas não constam do memorando com a troika. Os próprios responsáveis patronais mostraram- se espantados nas reuniões bilaterais com os sindicatos. Muitas das medidas – como a meia hora adicional – não es- tavam nas suas prioridades, mas aceitam-nas porque foram oferecidas. “Vivemos uma espiral regressiva, com políticas monstruosas em termos económicos e sociais”, afirma Armé- nio Carlos, da comissão executiva da CGTP. Do lado da UGT, João Proença garante que pouco vai participar na reunião. “Só haverá acordo com a UGT se a meia hora adicional não estiver sobre a mesa”, afirma. Mas o plano vai ao encontro dos objectivos do memorando. 

Como refere o relatório da Comissão Europeia ontem divulgado, “as medidas laborais previstas (...) são de maneira a conseguir uma redução substancial dos custos laborais do trabalho suplementar”. E estima-se mesmo que, só os cortes nas indemnizações por despedimento, “de 30 para 10 dias por cada ano de trabalho”, redundará numa poupança para as empresas de 3 por cento dos custos laborais. Em parte, estas reformas foram adoptadas para compensar o afasta- mento pelo próprio Governo daquela que era a medida de ouro para estimu- lar a competitividade: a desvalorização fiscal. 

E apesar dos seus efeitos sociais, a Comissão frisa que “dependendo do desenvolvimento da economia, a questão da desvalorização fiscal precisará de ser revisitada no contexto do OE de 2013”. E se o relatório do FMI, conhecido anteontem, nada frisara sobre esta possibilidade, ontem o seu chefe de missão Poul Tompson foi categórico: “Esta era uma medida-chave do programa e a decisão de não a aplicar criou um buraco na agenda das reformas estruturais”, afirmou. 

E o alargamento do horário de trabalho em meia hora diária “não chega” e que o próprio Governo “reconhece isso”, visto que está a trabalhar em mais alternativas. Apesar da duplicação das taxas mo- deradoras nas consultas e urgências do Serviço Nacional de Saúde (SNS), os preços que vão entrar em vigor a 1 de Janeiro ainda vão ficar muito longe dos praticados nos hospitais e clínicas do sector privado. 


4 comentários:

  1. HORRÍVEL!
    5 euros por uma consulta médica, para os não isentos? Um assalto!

    ResponderEliminar
  2. O mais estranho destas más notícias, em relação ao ano de 2011, é ouvir gente que sente vontade em votar no PSD, como forma de castigar António Costa. Mas afinal não ficaram satisfeitos com uma governação tão desastrosa, como foi a de 2011-2015?

    ResponderEliminar
  3. O Marcelo Rebelo de Sousa é do PSD, não é?

    ResponderEliminar
  4. O conhecido «Jose» goza com o texto, chamando «Um assalto» ao valor de cinco euros que se paga para a consulta médica. O próprio senhorio «Jose» tem imenso dinheiro para pagar consultas em hospitais privados - sobretudo devido às imensas ganâncias cobradas em excesso aos seus arrendatários. Infelizmente, o demente e esdrúxulo «Jose» não entendeu que aqueles 5 euros, em 2011, sofreram um aumento de mais de cem por cento, para idosos que recebem pouco mais de 260 euros de pensão do estado. O próprio se deve rir de tudo isto. Afinal de contas, a vida para um senhorio favorecido pela «Lei Cristas» vai de vento em poupa.

    ResponderEliminar