Na edição do Expresso da semana passada, Ricardo Reis assinou um artigo sobre a promoção da inovação. O economista lamentou o facto de que "a próxima década de investimento público terá como prioridade inovar no combate às alterações climáticas e inovar na economia digital" e criticou os governos da União Europeia pelo seu "impulso imediato" para "gastar dinheiro público" nesta área, atribuindo a esse fator o fraco desempenho da UE face aos EUA. Para Reis, a solução está em baixar os impostos sobre as empresas e sobre o rendimento pessoal, reduzindo as taxas de IRC e IRS.
O raciocínio subjacente é relativamente simples: se reduzirmos o montante que as empresas e as pessoas pagam em impostos, aumentam os fundos disponíveis para investirem em Investigação e Desenvolvimento (I&D). Desta forma, um corte de impostos teria efeitos positivos para o conjunto da economia e traduzir-se-ia em maior crescimento económico. Foi essa, aliás, a justificação do atual governo do PS para propor um aumento da isenção de IRC para rendimentos provenientes de patentes e propriedade industrial. No entanto, a realidade é bem mais complexa.
Como argumentei aqui, estes benefícios fiscais têm pouco impacto na inovação: os estudos sobre o impacto destes regimes nos diversos países da União Europeia concluem que não são um instrumento eficaz para promover as despesas em I&D. O motivo apresentado pelos autores destes estudos é o de que o principal entrave às despesas em I&D é a elevada incerteza associada aos projetos, pelo que estes benefícios não resolvem o problema, uma vez que apenas premeiam as empresas que já tenham obtido resultados positivos com os seus investimentos. Além de não contribuírem para a inovação, os benefícios fiscais à inovação em Portugal têm estado associados a práticas de planeamento fiscal agressivo (ou mesmo fraude) por parte das empresas.
Por outro lado, em junho deste ano, Sebastian Gechert e Philipp Heimberger publicaram o estudo "Os cortes de impostos para as empresas estimulam o crescimento económico?", em que analisam a literatura relevante e mostram que os economistas não têm encontrado dados que suportem esta relação. Estes dados apoiam a ideia de que o investimento privado (em I&D e não só) não é apenas influenciado pelos impostos e depende fundamentalmente de outros fatores, como a fase do ciclo económico e as expetativas dos investidores em relação à procura pelos seus produtos.
Quando olhamos para os dados sobre o investimento público em Portugal, é difícil encontrar o "impulso imediato [para] gastar dinheiro público" identificado por Reis. Na verdade, o investimento público em I&D no país sofreu uma quebra assinalável na última década e ficou sempre abaixo da média da UE, que por sua vez foi quase sempre ultrapassada pelos EUA (os dados são do Eurostat e da AAAS).
É importante ter em conta que, como já aqui foi escrito pelo Ricardo Paes Mamede, o nível de despesas em I&D num país está fortemente correlacionado com a sua estrutura produtiva e com o peso de setores intensivos em conhecimento e tecnologia (como a indústria informática ou a farmacêutica). Por outras palavras, o fraco desempenho de Portugal é explicado pelo facto de ter uma economia assente em setores pouco produtivos e pouco intensivos em I&D, como o turismo, a restauração, a construção e o imobiliário, onde o investimento privado se tem concentrado desde o início da integração europeia devido aos lucros que oferecem. Como se percebe, reduzir as taxas de imposto sobre as empresas e famílias não vai alterar este padrão.
É precisamente por isso que o Estado tem um papel decisivo: o investimento público é o que permite promover mudanças estruturais na economia, através de uma política industrial orientada para o desenvolvimento de setores com maior potencial produtivo, a substituição de importações e a transição energética. Depois de ter deixado o padrão de especialização da economia nas mãos do mercado, o país precisa de recuperar instrumentos de política e reforçar a capacidade de atuação do setor público. Baixar os impostos pode ser uma "resposta mais simples", como escreve Ricardo Reis. Mas isso não a torna mais acertada.
Ricardo Reis... pois esse e o adiantado mental que nos idos de 2008 dizia que a crise financeira duraria um mesito...
ResponderEliminarExtraordinario e que gente com este tipo de clarividencia continue a ter direito de antena.