terça-feira, 26 de outubro de 2021

Ofuscar


Numa daquelas peças típicas do que passa por jornalismo político nestes tempos, Leonete Botelho recolhe depoimentos de pessoas da área do PS e do PSD, incluindo o inevitável facilitador Marques Mendes e o inevitável politólogo António Costa Pinto. 

Este último afiança, com precisão científica, claro está, que BE e PCP “não querem convergir para o centro político e mantêm-se como partidos de protesto” , sendo, vejam lá, “partidos ideológicos”. 

Para lá da importância do protesto na mudança social, este tipo de análise ofusca, de forma bem ideológica, aliás, as oscilações no que em cada momento histórico se designa por centro político. 

A verdade é que um dos principais efeitos da economia política da integração europeia pelo menos desde Maastricht, absolutamente transparente na troika, tem sido a deslocação do tal centro cada vez mais para a direita. 

O mecanismo principal de tal oscilação para a direita é o furto de instrumentos de política económica à democracia que está na escala nacional, blindando uma certa forma de capitalismo neoliberal, e a correspondente adaptação regressiva de preferências e de valores políticos a tal processo institucionalizado, por muitos deletérios que sejam os seus efeitos. 

Neste contexto, ninguém se deve admirar quando demasiados intelectuais que se dizem de esquerda deixam de perguntar: como pode um partido que se diz social-democrata aceitar a herança da troika nas relações laborais, as mais importantes, só para dar um entre tantos exemplos? 

Se não houver quem coloque no centro do conflito político estas questões, a regressão continuará. É claro que a “politologia” e a economia dominantes existem precisamente para ofuscar estas questões, naturalizando a regressão.

3 comentários:

  1. A regressão continuará sobretudo se a Direita regressar ao Poder, como se viu pela acção política do PSD-CDS no tempo da troika.

    António Filipe disse que um Orçamento que aumenta pensões e providencia outras melhorias nas condições de vida dos Portugueses não é um OE que resolva os problemas do País.

    Por acaso até é, porque pensões baixas são justamente um dos problemas que o País tem.

    Este discurso parece-se um pouco com o que disse Montenegro quando disse que o País estava melhor, mesmo se os Portugueses estavam pior.

    O País fica melhor quando as pessoas ficam melhor e pior quando estas ficam pior, porque não existe uma entidade abstrata chamada Nação Portuguesa na ausência do povo que ocupa este território. E por povo falamos na população portuguesa no seu conjunto e não apenas as supostas classes populares que estão na cabeça de PCP-PEV e BE e que por acaso calham de só corresponder a 15% de quem vota (o que não é exatamente uma maioria para governar).

    O que este OE certamente não resolve são todos os problemas do País, mas ninguém esperaria que um Orçamento o fizesse ou sequer o começasse a fazer. Há vida para além do Orçamento, como bem disse Sampaio, aliás...

    O que um OE pode fazer é melhorar, passo a passo, as condições de vida da população. E este faz isso, goste o João Rodrigues ou não.

    E se para colocar no centro político estas questões de que fala, isso requerer o retrocesso social que representará o regresso da Direita ao poder bem, potenciar tal coisa com o chumbo do OE, ao mesmo tempo que se negam os avanços nele contidos, é uma opção política legítima, mas eu espero sinceramente que o eleitorado olhe bem para as suas consequências para a vida do dia-a-dia dela e lhe dê, nas urnas, a resposta que merece...

    O apelo de Catarina Martins aos eleitores do PS soa em particular a cinismo. Derrubas o nosso Governo e estás à espera que te dêmos agora ouvidos?

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  2. Já na génese da "coisa", a não existência de linhas vermelhas, no que à caducidade da contratação colectiva e "princípio de tratamento mais favorável" diz respeito, mostra a credibilidade da "coisa"...

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  3. Tenho aqui dito, de forma modesta mas convicta, que a degradação das condições que têm permitido a reprodução metabólica do sistema capitalista, quer em países do centro quer em países da periferia, como é o caso do nosso, propiciarão a uma necessidade de clarificação crescente quantos aos partidos político que a si próprios se denominam do centro-esquerda, como é o caso do PS, em Portugal.
    Acresce que cada realidade nacional é também acompanhada de especificidades e particularismos que a individualizam dentro de um quadro tendencial mais genérico, amplo e abrangente. Deste modo, a existência de forças à sua esquerda, com matriz e posicionamento marcados do ponto de vista ideológico (como deveria acontecer com todas as formações partidárias, mas que não corre nos partidos ditos do centrão, em que a navegação se faz à vista), tem obrigado a uma clarificação que para o PS é de um incómodo absoluto. Essa clarificação, acrescente-se, não releva apenas naquilo que é exteriorizado, isto é, naquilo que é o posicionamento expresso pelo PS para a generalidade dos cidadãos, mas ocorre também e por força de clivagens inevitáveis, também no plano interno do partido em que alas mais vinculadas aos interesses do capital (Maria de Belém Roseira ou Francisco Assis, para citar só dois), se vão confrontando com aqueles que, militando ou simpatizando com o partido, esperam deles (ou pelos menos esperariam) um posicionamento reabilitador de uma certa ideia de esquerda, verdadeiramente digna desse nome. Sucede porém e para quem veja para além da espuma dos dias e do comentarismo podre e subserviente que reduz o debate público no espaço mediático a meros jogos de avanços e recuos, transformando o país e os seus cidadãos num mero jogo de xadrez, que a possibilidade de se manter em cima do muro mas com um pé de cada lado, é e será cada vez mais reduzida. Numa imagem absolutamente cénica, poderíamos sem esforço imaginar um processo de fusão bio-química em que PS, PSD, CDS e IL (pelo menos estes, mas daí não sei) se transformam num só. Creio que nenhum de nós ficaria verdadeiramente espantado quando visse o resultado final da novel criatura, com uma perninha que veio daqui, um bracito que veio dalém, uma orelhita doutro lado e assim por diante. Por outro lado, só após essa depuração poderemos aspirar a um PS de causas, de rupturas e disposto a fazer um outro caminho, como parece ser aspiração também de dirigente socialistas (tenham-se em conta, por exemplo, os posicionamentos de Paulo Pedroso, Maria de Lurdes Rodrigues ou até de Ana Gomes) e seguramente de muitos militantes de base. Veremos é se isso será verdadeiramente possível.

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