O vice-presidente do PSD David Justino veio ontem, numa entrevista à RTP, anunciar que o mais provável é o PSD votar contra a proposta de Orçamento de Estado para 2022. E porquê?
“O Orçamento que é negociado com BE e PCP e em que a grande pressão é para o aumento da despesa, nomeadamente despesa que se vai reproduzir nos anos seguintes…nós não podemos aceitar isto”, afirmou. O dirigente nacional disse, no entanto, ter como “expectativa” que a proposta seja viabilizada.
Ora, esta posição do PSD é típica das forças de direita.
Primeiro, foi a direita quem esteve na base da rápida integração nacional no corpo político-institucional europeu, encharcado do ideário neoliberal, visando o esvaziamento do papel público na provisão de direitos, como educação, saúde, habitação, protecção social, vida laboral com direitos e segurança no emprego, e até mesmo da segurança pública. Esse esvaziamento tem um reverso subreptício: substituir a provisão pública pela provisão privada, paga por recursos públicos, em que são os operadores privados quem fixa o preço a pagar pelo Estado.
Ora, este programa tem como seu mais eficaz instrumento político a fixação de tectos de despesa pública, independentemente das necessidades sociais de um país, mecanismos que foram sendo concretizados desde a década 90 com forte empenho da direita e que, finalmente, ficaram consagrados no Tratado Orçamental e nas regras do Semestre Europeu, com o apoio da direita e do PS.
Num segundo passo, e face à ineficácia económica e à crescente desprotecção gerada por esta política, a direita desmultiplica-se - sobretudo quando está na oposição (veja-se imagem) - em reivindicações de maior intervenção pública, omitindo as suas implicações orçamentais. Ao mesmo tempo - e paradoxalmente - elevam a voz na defesa de uma descida da "carga fiscal", quando sabem que menos receitas fiscais implicam forçosamente menor capacidade de despesa. Pior: esgrimam o conceito de "carga fiscal" (peso no PIB dos impostos cobrados e das contribuições sociais pagas) quando sabem que, incluindo na "carga fiscal" as contribuições para a Segurança Social, se está subrepticiamente a defender menores encargos das empresas para a protecção dos trabalhadores (já que são as empresas que pagam 23,75% sobre os salários, contra 11% dos trabalhadores) e, portanto, menor capacidade para pagamento de protecção social.
Num terceiro passo e quando se sente a aproximar do poder, a direita recentra o seu discurso para a necessidade de redução do défice orçamental, de fixação de tectos de despesa pública, de alertar para o "elevado peso da dívida pública", tudo tendo como consequência, a prazo, reduzir a provisão pública. E tudo isso já sem se lembrar daquilo que defendeu antes, ou seja, de mais recursos para dotar o Estado de um corpo administrativo e técnico eficiente, eficaz e competitivo, que tenha por objectivo uma efectiva "igualdade de oportunidades" dos diferentes grupos sociais e um eficaz "elevador social", capaz de acabar com a pobreza, com que gostam tanto de encher a boca.
Nesta estratégia em três actos, que se repete ciclicamente (com a cobertura jornalística), o PSD não está sozinho.
Toda a direita - e mesmo a extrema-direita supostamente anti-sistema - acaba constantemente por dar corpo a esta aparente esquizofrenia que, na verdade, visa uma coisa: chegar ao poder para impedir uma efectiva redistribuição do rendimento criado e transferir recursos públicos de todos para uma minoria de cidadãos, porque supostamente são eles que mais bem sabe gerir os recursos de todos, para bem de todos. Recorde-se que, aos seus olhos, ainda falta esvaziar o SNS (vidé questões hoje no debate parlamentar feitas pelo deputado da IL que criticou o facto de o Governo voltar a "atirar dinheiro sobre o SNS"); privatizar o maior banco nacional - a CGD (mesmo quando afirmam o contrário, vêm novos actores defendê-lo); e privatizar a Segurança Social (tema repetidamente lançado e da última vez por Passos Coelho, tentativa condenada por BE e PCP e PS).
Convém rematar que - ao nunca pôr em causa o edifício institucional gerado pela revisão constitucional de 1989 entre Cavaco Silva e Vítor Constâncio (à revelia do próprio PS) e ao ser ampliado, primeiro, pela política defendida por António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates e, depois, pela política de contenção orçamental de Mário Centeno e João Leão - o PS contribui para esse objectivo sem nunca o assumir. E com consequências visíveis, como nos casos da demissão do presidente da CP e as recentes demissões no sector da Saúde.
É, pois, importante começar a pensar noutra forma de gerir os recursos públicos. E isso deveria incluir o próprio PS, já que a direita tem um plano muito claro.
Seja verdadeiro. O primeiro Partido a defender a adesão de Portugal à então CEE foi o PS, que é sem dúvida (e ainda bem) o mais europeísta de todos os Partidos Portugueses.
ResponderEliminarE depois, o problema da Esquerda e da Direita quando está na oposição é a irresponsabilidade orçamental. Um País falido fica sem soberania, com ou sem Euro, com ou sem as regras europeias.
Vamos mesmo ter que aprender a viver com o que temos, ou então temos que aprender sempre a viver de mão estendida, às ordens de terceiros.
E isso quer dizer que muitas revindicações justas vão ter que ficar por atender. É, como diria Guterres, a vida.
"Primeiro, foi a direita quem esteve na base da rápida integração nacional no corpo político-institucional europeu"
ResponderEliminar"O primeiro-ministro Mário Soares liderou a comitiva que formalizou, no Mosteiro dos Jerónimos, a entrada do país no projecto europeu"
https://ensina.rtp.pt/artigo/a-assinatura-da-adesao-a-cee/
Caros,
ResponderEliminarTêm razão.
Mário Soares desempenhou um papel crucial neste processo. Primeiro, dando cobertura à ascensão da direita em 1975, fortemente apoiada pelo poderio norte-americano e inglês; depois, ancorando-se no apoio da social-democracia europeia até à formalização da adesão à CEE; e entretanto, abrindo completamente o país à entrada da filosofia do FMI na definição da política económica, de forte pendor "austeritário". Pode-se também encontrar a mão do PS (de Vítor Constâncio) na revisão constitucional de 1989 que abriu caminho à desarticulação de um poderoso sector público que poderia ter sido a base da construção de uma autonomia soberana da economia portuguesa; e de igual forma nos governos Guterres e Sócrates, com a sua adesão espiritual e material à construção de uma moeda única coxa que aprofundou a fragilização económica nacional e a dependência externa.
Mais do que Jaime Santos diz, é até possível encontrar a mão de Mário Soares na aprovação de uma faculdade de economia na Universidade Nova, fortemente imbuída do pensamento praticado nas universidades norte-americanas, a qual esteve fortemente entrosada com a introdução do neo-liberalismo em Portugal.
Não há dúvida. Têm toda a razão.
Mas na minha opinião, essas políticas, se praticadas por um partido que se diz socialista, representaram sim a captura desse partido – e, no fundo, da social-democracia europeia - por um ideário europeísta, na realidade do interesse dos países do centro europeu, que cavalgou as linhas do neoliberalismo em seu proveito.
Mas essa abertura escancarada das portas da Cidade foi, sim, cabalmente executada – de alma e coração – pelos governos de direita de Cavaco Silva e dos governos de coligação PSD/CDS. Esses sim executaram os planos dos senhores estrangeiros; o PS e os seus dirigentes seguiram-nos porque não souberam pensar pela sua cabeça, contra a forte penetração que representa a defesa da "liberdade" numa luta entre dois contendores de forças desiguais.
Se o PS pratica uma política de direita, a política continua a ser de direita.
Caro Jaime Santos,
ResponderEliminarMais uma vez: o problema não está nas contas orçamentais. O problema está na fragilidade da economia nacional, que vive há duas décadas uma prolongada estagnação cujas causas não vou cansá-lo ao repetir a resposta anterior e outros posts.
Tente exprimir-se quando está enfiado numa camisa de 11 varas, e verá que talvez não se faça entender da melhor forma...