Estive a ouvir o discurso de abertura de António Costa no congresso do PS. Ao contrário dos hábitos preguiçosos do inenarrável comentário televisivo imediato (TVI-24), é preciso levar a sério o que diz.
Naturalmente, Costa começou por puxar pelos galões institucionais nacionais na resposta à pandemia, do SNS às forças armadas, enfatizando as virtudes cívicas dos seus concidadãos num país pouco dado à autoestima: “provámos que somos excepcionais em momento excepcionais” e “temos orgulho de ser portugueses e temos orgulho do que temos feito por Portugal”. Só é hegemónico quem se embrulha na bandeira e, apesar das modas intelectuais que militam contra este reconhecimento, António Costa não esquece isto e faz muito bem.
Depois, partiu para “as cinco lições que a pandemia nos ensinou”. Estas lições são para si outras tantas confirmações dos seus investimentos político-ideológicos, dos que revelam e dos que ofuscam.
Em primeiro lugar, defendeu que um “Estado social forte é imprescindível” e denunciou “anos de campanha contra o SNS”, a instituição que “deu resposta a todos e a todas”, mas sem identificar os sectores que patrocinam a campanha, pois tal implicaria chegar mesmo ao PS e aos seus compromissos com o capitalismo privado da doença por via de transferências orçamentais maciças, por exemplo.
Em segundo lugar, defendeu que “às crises responde-se com solidariedade e não com austeridade”, mas sem dizer que a resposta portuguesa é das mais reduzidas da UE em percentagem do PIB. Neste ponto defendeu que as “medidas de apoio às empresas e ao emprego” impediram que o desemprego chegasse aos 18% de 2013. Apesar da sua insuficiência, não sou eu que o vou contrariar neste ponto. Defendeu igualmente a tese, confirmada pelo INE, “de que não é cortando no rendimento que se dá confiança a quem investe”, dado que a despesa de uns é o rendimento de outros, como não nos temos cansado de defender.
Em terceiro e crescentemente problemático lugar, defendeu a “ruptura com a austeridade e finanças públicas sãs”, associando estas últimas ao equilíbrio orçamental e não ao pleno emprego. Foi com esta lógica que chegámos ao mais baixo nível de investimento público da UE em percentagem do PIB antes da pandemia, o que em nada deu “músculo” ao país, para usar uma fórmula sua.
Com topete, defendeu que nesta altura “não podemos fazer contas mesquinhas”, quando sabe que João Leão não tem feito outra coisa com o seu respaldo, dadas as pressões da UE. Com mais topete ainda, defendeu a “credibilidade internacional”, traduzida “nos famosos mercados”, os “que não têm medo da nossa política” e nos recompensam com taxas de juro negativas a dez anos. Bom, tudo, mas tudo, se deve neste campo à política do Banco Central Europeu: com os países endividados em euros, a sua moeda, tem o controlo sobre as taxas de juro e decidiu assumir esta verdade da política monetária conhecida por qualquer banco central. Uma verdade que nos teria poupado muito sofrimento na anterior crise, quando a nossa dívida era de resto menor. Enfim, um poder que deveria estar na baixa lisboeta.
Em quarto lugar, decidiu cantar loas a uma UE cada vez mais fraturada, fruto do desenvolvimento desigual cavado, que perdeu tempo precioso nas vacinas e que vai acabar por minar as suas intenções sociais e laborais. De forma complacente, considerou que a direita europeia superou a austeridade, esquecendo-se que esta continua inscrita em regras por agora suspensas e, tão ou mais importante, continua nas cabeças do Ministério das Finanças, sempre receosas, na melhor das hipóteses, dos sinais e instruções lá de fora.
Em quinto lugar, decidiu identificar justas “vulnerabilidades” do país, da habitação ao trabalho indigno, em linha com o reconhecimento de que “as más condições de habitabilidade são um foco de transmissão da doença” e que “a precariedade e a informalidade laborais minam a coesão social”, mas nada disse sobre as contas mesquinhas de Leão ou sobre a forma como defende a herança da troika na área mais crucial de todas.
Em suma, Costa no seu melhor. No quadro dos constrangimentos europeus, não se pode fazer muito melhor do que isto, verdade seja dita.
Um paraíso...sem futuro.
ResponderEliminarMas quem é o político que discursa com absoluta sinceridade? O João Rodrigues fala na lentidão da entrega das vacinas na UE mas esquece-se de dizer que se as vacinas russas são boas, não as há em número suficiente e as chinesas, tragicamente para o Brasil, parece que não funcionam assim tão bem.
ResponderEliminarNão conheço ninguém que não puxe a brasa à sua sardinha e não sofra, digamos assim, de amnésia seletiva. Mas há algumas piores do que as outras.
E as de Costa até nem são das piores...
“temos orgulho de ser portugueses e temos orgulho do que temos feito por Portugal” - António Costa
ResponderEliminarIsto demonstra bem a farsa que é o “europeísmo”.
O mesmo António Costa que usa o patriotismo para arrebatar o seu público-alvo é o mesmo António Costa que diz “mais Europa”!!
A desfaçatez (será delírio?) não tem limites, quer “mais Europa”, quer os Estados Unidos da Europa, a imaginária pátria Europa, mas depois também tem orgulho de uma pátria realmente existente chamada Portugal…
Se Costa gostasse tanto de Portugal e dos portugueses começava, de uma vez por todas, a resolver os graves problemas dos mesmos, problemas que o Partido “Socialista” contribuiu para os criar e aumentar...
“Mais Europa” = menos Portugal
Todos nós sabemos isto, Costa sabe e o eleitorado do Partido “Socialista” também.
Como o eleitorado do P”S” verdadeiramente não quer abdicar da pátria Portugal mas quer continuar a fazer parte da mixórdia austeritária regressiva UE/Euro porque “fora da UE/Euro estaríamos muito piores” a farsa europeísta arrasta-se há anos…
Se o eleitorado do P”S” fosse verdadeiramente por “mais Europa” votava no partido do europeísta radical Rui Tavares.
Aquilo que me irrita mais neste discurso, é que se fosse Passos Coelho a fazê-lo, esses dois comentadores, «Jose» e «Jaime Santos» estavam mudos e calados.
ResponderEliminarNada na política vale sem futuro.
ResponderEliminarO Jose sofre.
ResponderEliminarA ressaca pos-Passolas (so ultrapassada pela ultra-ressaca pos-O Botas), e uma contrariedade.
Temos pena.
A grande lapalissada só para iluminados como o José "Nada na politica vale sem futuro".
ResponderEliminarÉ só na politica???