domingo, 29 de agosto de 2021

Sobre mais um discurso


Eu bem sei que para a social-democracia nacional será um dia mais fácil pensar no fim do PS do que no fim da UE, mas é simbolicamente de bom gosto desde já a omissão de bandeiras do império liberal no final do seu congresso. 

O que dizer então do discurso final de António Costa que já não tenhamos dito sobre o de abertura?

Em primeiro lugar, no quadro da campanha das autárquicas, saudou a perigosa descentralização de competências nas áreas da saúde, educação e apoios sociais. Perigosa, porque pode aumentar as desigualdades de acesso aos, e de qualidade nos, serviços públicos. Os sinais ainda antes da pandemia eram já preocupantes. Não me esqueço, por exemplo, que municípios mais ricos, como Lisboa, começaram em primeiro lugar com os manuais escolares gratuitos. 

Em segundo lugar, voltou a insistir na versão social-liberal da economia da oferta, em estilo Agenda de Lisboa recauchutada, à boleia dos fundos europeus. O mesmo das últimas décadas para os mesmos resultados medíocres de sempre. A educação e a ciência até podem ser fins em si mesmos, mas não são por si só, longe disso, meios para a transformação estrutural associada ao desenvolvimento, sobretudo num contexto de ausência de instrumentos relevantes de política económica.

Em terceiro lugar, voltou a insistir na habitação e no trabalho digno para os jovens. Falou da nova geração de políticas de habitação, mas não referiu os resultados medíocres obtidos até agora. Falou da exigência nas condições de trabalho, mas continuou a nada dizer sobre a herança da troika. Repetiu intenções vagas sobre plataformas e trabalho temporário, remetidas para as catacumbas da concertação social.

Em quarto lugar, sublinhou a fatia de leão que vai para as empresas no quadro macroeconomicamente modesto de um PRR com condicionalidade e que não vai suportar tanta expectativa defraudada. António Costa ainda pode vir a ter tempo político para se arrepender dos anúncios de um novo mundo à boleia da suposta generosidade de estranhos. Perdoem-me o cepticismo, mas nunca ninguém se desenvolveu assim. 

Em quinto lugar, anunciou mais uma ou outra medida pequenita, na lógica das deduções fiscais quase sempre regressivas, que não substituem apostas na provisão pública sempre progressiva, por exemplo, no ensino pré-escolar.

Em sexto lugar, fartei-me. Desculpem. 


5 comentários:

  1. Sem que serviço público seja exigência e escrutínio, descentralizar é tão só mais emprego público, mais boyada, mais empecilhos.
    Por isso, para aí vamos, até que que haja juros e deixemos de ser 'felizes'.

    ResponderEliminar
  2. Pelos vistos, nada de positivo no discurso de António Costa. Pelos vistos pouco ou nada de bom a esperar da sua previsível futura governação. Que fazer então? Alguma sugestão salvadora indispensável?

    ResponderEliminar
  3. @Manojas 30-08-2021 00h23,
    O blog em geral e o autor Joao Rodrigues em particular, tem vasto conjunto de textos sobre analise da posicao economica portuguesa contemporanea e que fazer.
    Vai estudar.

    ResponderEliminar
  4. Lowlander 30-o8-2021 às 12:23
    Pelos vistos, para mal dos pecados cometidos, o senhor 1º Ministro não tem dado nenhuma atenção ao vasto conjunto de textos a que se refere. Será por isso que o autor deles está tão farto, tão desistente? Ou não estudei bem o assunto?

    ResponderEliminar
  5. @Manojas 31 de agosto de 2021 às 12:28

    Manojas, estas com azar, nao jogo xadrez com pombos.
    Precisas, de facto, de te esforcar mais.

    ResponderEliminar