sábado, 13 de fevereiro de 2021

Tragédia Coletiva em Curso e a urgência da ação


O mais recente estudo da Eurosondagem apresenta dois importantes destaques: a maior intenção de voto no Partido Socialista desde as legislativas e a subida do Chega a terceira força política. Este cenário é tão trágico quanto pouco surpreendente. Ele retrata uma sociedade que se polariza de forma crescente em dois campos. Os que acham que os tempos são difíceis, seria impossível fazer melhor, e, por conseguinte, favorecem o papel do governo no enfrentar desta crise. E aqueles que, toldados pelo desespero e pelo ódio, acham que tudo está podre e estão dispostos a hipotecar a sua dignidade com o seu voto só para abanar o que acreditam ser o sistema, não compreendendo que esse voto só favoreceria os do topo e pioraria a sua condição.

Há um justo meio de juízo crítico construtivo onde vale a pena estar. O que sabe que os tempos são adversos, as respostas são exigentes, mas poderia ter sido feito bem melhor. Os que sabem que é um ultraje não se usar a margem orçamental disponível (e não é pouca, já que nunca na história da economia portuguesa as condições de financiamento foram tão favoráveis) para apoiar de forma massiva as centenas de milhares de pequenos comerciantes, profissionais do espetáculo e tantos outros trabalhadores sem vínculos estáveis que são atirados para a marginalidade social e política. Os que sabem que o SNS respondeu, mas teria respondido melhor se mais investimento tivesse sido feito a montante. Os que sabem que durante muito tempo se pôs os direitos de propriedade da hospitalização privada à frente da vida das pessoas. Os que sabem ser intolerável estarmos reféns de um negócio de vacinas onde tomos pagamos, as farmacéuticas mantêm as patentes e nós recebemos as vacinas a conta gotas. Os que sabem que é intolerável manter nos seus cargos o Ministro da Administração Interna, que observa impávido à infiltração da extrema-direita na polícia, ou as Ministras da Cultura e do Trabalho, incapazes de responder ao desafio que têm em mãos, oferecendo soluções que são insultuosas de tão escassas. Este espaço, dos que sabem que a resposta política a um governo de respostas insuficientes passa pela crítica democrática, construtiva e assente nos pilares dos serviços universais e na solução dos problemas dos de baixo, é, infelizmente, cada vez mais uma minoria. Estamos encurralados entre a fatia da população pouco afetada por esta crise, que se contenta com o que é feito, e uma fatia da população para quem o impacto foi avassalador e se atira nas mãos dos salvadores da pátria, vendendo-lhes a alma em desespero.

Aqui, onde a alternativa deveria assentar, sentimos ser cada vez menos. Esta trágica e não surpreendente sondagem apenas confirma esta perceção cada vez mais palpável. Talvez fosse tempo de os partidos que representam este espaço perceberem que a continuidade não basta. Algo tem de ser feito. E depressa.

10 comentários:

  1. A extrema necessidade não se combate com a inconsequente moderação. As propostas politicas devem ser exactamente o que concebemos, o que queremos e o que conseguimos imaginar, nos momentos de "não verdade" a intransigência é o fio da razão.
    Quando algo tem de mudar muda muito rapidamente.

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  2. "a margem orçamental disponível"

    Portugal tem superavit?

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  3. Concordo no geral com o que diz.
    Mas faço notar a ausência de crítica à UE, e à nossa situação no Euro, nesse seu "justo meio de juízo crítico construtivo onde vale a pena estar". Talvez esteja nesse esquecimento uma das raízes do problema...

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  4. Convergência das Esquerdas(ao bloco central dos interesses)já nas autárquicas.

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  5. Deixando para lá essa coisa de "momentos de não verdade" a lembrar outras coisas e outras loisas, o que se passa é que a intransigência não é o fio da razão. Frases calvinistas deste tipo ficam bem lá no sítio delas, ou seja nos lugares de culto respectivos

    É mesmo urgente agir.

    Mas pegando nas palavras de um dos Ladrões:

    "A política tem de imbricar razões, emoções, sentimentos, precisa de ser feita com a cabeça, com o coração, com as entranhas, com o corpo todo. Tem de ser gelada, avaliando correlações de força e de fraqueza com o rigor possível, e tem de ferver, com o espírito necessário para enfrentar as forças cada vez mais obscuras do tempo, ou seja, da incerteza irredutível."

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  6. Em relação ao sr tonto é bom voltar a ler o que está escrito, porque sabe-se que pode ter dificuldades no processo de leitura em língua portuguesa:

    "margem orçamental disponível (e não é pouca, já que nunca na história da economia portuguesa as condições de financiamento foram tão favoráveis)"

    Ou recuperando outro texto:

    "quase todos os países da União Europeia têm um nível de apoio público à economia superior ao nosso. Portugal tem sido, na verdade, um dos mais contidos deste ponto de vista, tendo até merecido elogios por parte da Comissão Europeia por isso mesmo.

    Por outro lado, a ideia de que a debilidade das contas públicas do país justifica essa contenção não condiz com a realidade: a Itália e a Grécia, os dois países com dívidas públicas superiores à portuguesa, registam um esforço orçamental bastante superior ao nosso .

    Daqui
    https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2021/02/estamos-fazer-tudo-o-que-podemos-no.html

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  7. Aqui vão alguns comentários a um texto que merece ser discutido:

    1. É URGENTE perceber - e denunciar consistentemente - o papel do sistema mediático na promoção, crescente nos últimos anos, da "polarização" aqui referida. Até porque o actual contexto de pandemia, com os cidadãos inibidos de comunicar livremente entre si - e, muitas vezes, com a televisão como grande companheira -, amplifica de forma significativa o impacto da Desinformação & Propaganda, habilidosamente misturada com alguma coisa de verdade, que esse sistema difunde.

    2. Entendo que os 11,90 % conseguidos por André Ventura nas presidenciais do mês passado constituem um enorme problema, apesar de terem sido essencialmente conquistados num eleitorado que votou PSD ou CDS-PP nas legislativas de 2015 e 2019 (ou que se absteve por esses dois partidos não terem repetido a coligação de 2011); as "sondagens" entretanto divulgadas atribuem ao Chega uma percentagem muito superior à que esse partido obteve nas últimas legislativas, mas ainda muito inferior aos ditos 11,90 % (lá chegaremos).

    3. São de lamentar as baixas percentagens dos candidatos do PCP(4,32 %) e do BE (3,95 %) nas presidenciais, com uma parte substancial do eleitorado recente desses partidos em legislativas a votar de acordo com a "polarização" mediaticamente insuflada: uns contribuiram para os 60,70 % do candidato do primeiro-ministro António Costa e da direita tradicional (enfim, "os tempos são difíceis, seria impossível fazer melhor"); outros contribuiram para os 12,97 % de Ana Gomes - a candidata promovida pela SIC com enorme antecedência (https://sicnoticias.pt/programas/ana-gomes)-, para evitar que André Ventura ficasse em segundo lugar, graças aos votos de muitos portugueses "toldados pelo desespero e pelo ódio".

    Teria sido preferível que muitos dos que optaram pelo "voto útil" em Ana Gomes tivessem votado nos candidatos do PCP e do BE, situação em que a percentagem de André Ventura até podia ter sido suficiente para o dono do Chega chegar ao segundo lugar (mas mantendo-se no patamar dos 11,90 %), graças à diminuição da percentagem obtida por Ana Gomes. Se, desta forma, os candidatos do PCP e do BE tivessem obtido, p. ex., o dobro das percentagens que obtiveram (ou seja, 8,64 % para João Ferreira e 7,90 % para Marisa Matias), Ana Gomes teria de se contentar com 4,70 % (mesmo assim, mais do que os 4,24 % obtidos por Maria de Belém em 2016), mas as forças de esquerda dignas desse nome teriam saído politicamente fortalecidas, ao contrário do que sucedeu. É por essas e por outras que sentimos ser "cada vez menos"...


    A. Correia

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  8. O sua análise contém duas falácias. A primeira é a de que existem votos a conquistar pela Esquerda entre os que votaram no Chega, supostamente por desespero. As sondagens que se seguiram às eleições presidenciais mostram que Ventura recebeu sobretudo votos da Direita.

    O PCP está a perder eleitorado no Alentejo há bastante tempo (ver uma análise recente do Expresso), mas se existe alguma transferência para a Extrema-Direita, ela não é directa.

    A segunda falácia, que cai na categoria do wishful thinking, é pensar que a Esquerda à Esquerda do PS é alternativa a António Costa. Não é, o seu peso nunca foi além dos vinte por cento desde 1975 e hoje está muito longe disso.

    A Direita é que é alternativa ao PS e é a fraqueza do PSD e a recomposição da Direita à direita desse Partido que explica porque a maioria dos eleitores não abandonam o Partido Socialista, que se transformou, pelo menos por agora, em Partido charneira do sistema político português.

    Sem dúvida que o Governo do PS cometeu imensos erros e que se caracteriza por uma prudência fiscal que é anátema à sua Esquerda. Mas vão fazer o quê? Derrubá-lo e provocar uma crise política em contexto de pandemia? Claro que não vão, a não ser que desejem entregar o Poder a um Rui Rio impreparado, ou pior, a um Passos Coelho que regresse qual D. Sebastião, um ou outro aliados a André Ventura.

    Como por todo o lado, a Esquerda mais à Esquerda está em declínio e por boas razões, porque as pessoas lembram-se bem que a sua alternativa ao neoliberalismo é bastante pior do que ele.

    Sugere-se pois que se entendam com António Costa na medida do possível para dele extrair as concessões possíveis. O tempo está para resistir, não para voar alto. E que se entendam sobre um programa que não se baseie no estatismo, que foi chão que já deu uvas...

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  9. «margem orçamental»

    Uma vez que se alude a uma hipotética margem de endividamento, o pressuposto é que os credores veriam sem sobressalto a progressão para uma situação idêntica à Grécia.
    As últimas notícias negam essa possibilidade.

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  10. O texto de A. Correia tem dois excelentes méritos.

    Um intrínseco, per si.

    O outro surpreendente. Limpa a cassete de JS de tal forma que nem vale a pena perder tempo com este, um convertido neoliberal a brandir contra o "estatismo". Com um pouco de sorte teremos aqui aquele amigo do ministro holandês a dar-lhe a mão e a confortá-lo

    Deixando o carlos a procurar a UE perdida, só uma última nota:

    Não é sempre comovedor este abraçar dos credores por parte de jose? Esta perspectiva pró-credor que vem de tempos imemoriais, desde os tempos em que os porno-ricos de outrora abraçavam também os colectores de impostos ao serviço da coroa espanhola?

    As últimas notícias confirmam mesmo isso. Há mesmo uma atracção irresistível por parte da tropa neoliberal pelo saque do país às mãos dos credores.

    Embora antes batessem no peito e berrassem: "angola é nossa"

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