Os textos legais podem ser obras de filigrana. Senão veja-se.
O projecto de decreto do estado de emergência, hoje divulgado pela Presidência da República, prevê - como noutros - a suspensão de alguns direitos. Entre eles, volta a referir-se aquele apelo de Marcelo - a raiar o abusivo - para que o Governo não faça uso da requisição civil dos serviços privados de Saúde, introduzindo-se novamente conceitos redondos e subjectivos:
"Podem ser utilizados pelas autoridades públicas competentes, preferencialmente por acordo, os recursos, meios e estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde integrados nos setores privado, social e cooperativo, mediante justa compensação.Mas a maior subtileza - a meu ver, que não sou jurista - é introduzida com a normalização verbal dos estados de emergência. Na parte final do documento, estabelece-se:
6.o 1) Os efeitos da presente declaração não afetam, em caso algum, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião;Esta repetição da expressão "em caso algum" - completamente desnecessária - parece ser aquela forma cavalo de tróia.
2) Os efeitos da presente declaração não afetam igualmente, em caso algum, as liberdades de expressão e de informação, nem de atividade dos partidos políticos ou dos candidatos a cargos políticos eletivos;
3) Em caso algum pode ser posto em causa o princípio do Estado unitário ou a continuidade territorial do Estado.
Ao mesmo tempo que se frisa que está completamente afastada a cerceação dos direitos à vida, à integridade pessoal ou das liberdades de expressão e de informação ou as actividades dos partidos políticos ou candidatos; introduz-se subrepticia e quase provocatoriamente a ideia de que nalgum caso isso possa acontecer. É como se se estivesse a dizer: "Hoje é assim, logo pode ser diferente".
É dessa forma que surgirá a quebra de direitos essenciais. É o que dá a banalização do estado de emergência. Um dia, a democracia é mesmo suspensa e ninguém dará por isso.
Parece que travar o contágio é um objetivo secundário.
ResponderEliminarImpor regras cegas sempre foi contraproducente.
Em vez de matraquear na cabeça das pessoas os mecanismos de contágio, dando-lhes possibilidades de se defenderem, proibe-se a compra de uma cerveja no supermercado às 20h01.
Impor regras ridículas só podia dar nisto e o show continua.
Um estado que se auto-aniquilou em 2000, não tem capacidade para se defender das crises internacionais, sejam elas a GFC, o COVID-19 ou outra qualquer.