Essa negociação visa determinar o preço por doente Covid que o SNS vai pagar ao sector privado da Saúde.
Esse "negócio" permitirá, por sua vez, ultrapassar o vexame passado pelo sector privado da Saúde, quando, em Março passado, decidiu fechar as portas aos doentes Covid (por serem caros demais). Um vexame que transbordou para os partidos à direita no Parlamento, que se mostraram incapazes de justificar o injustificável, se não com o facto de o sector privado não querer perder dinheiro, revelando uma total falta de responsabilidade social.
Mas o silêncio à direita deu lugar a outra táctica. Primeiro, pediu-se um reforço de verbas para o SNS, colando-se às críticas à esquerda sobre os esforços orçamentais insuficientes (devido à política de contenção orçamental do ministro das Finanças). E, depois, fez-se sobressair que o SNS não é capaz de dar conta do recado, havendo urgência em contratar o sector privado para fazer o papel do SNS. E de uma assentada, o problema inicial do sector privado foi resolvido.
No programa A Circulatura do Quadrado, António Lobo Xavier - um advogado bem entrosado no mundo do grande empresariado - chegou mesmo a propor uma solução "para proteger os mais fracos":
Vamos lá aos negócios. Francamente, não tenho nenhuma paixão aqui. (...) Aquilo que o Pacheco Pereira diz - que é verdade do ponto de vista teórico, que seria estranho que um sector privado, com o país em crise, quisesse apropriar-se de uma margem indevida, (...) era inadmissível. Mas eu nunca vi o sector privado a pedir isso. Existe um critério básico que é: que os custos por doente que o sector privado vai tratar sejam os mesmos que existem nos hospitais públicos. Acho que o Estado não deve gastar nem mais um tostão do que aquilo que gasta por doente se precisar de utilizar os hospitais privados. Eu espero que não, que não seja preciso. Não tenho gosto que se crie esse negócio. Mas acho que devemos ser prudentes aí. Há pessoas que morrem, que não são tratadas, não são diagnosticadas e essas negociações devem ser uma negociações muito claras. O Estado não tem que pagar mais pelos doentes tratados pelo sector privado do que paga no sector público. E portanto, se o custo for esse, tiramos de cima da mesa e na nossa conversa, a treta do negócio e do lucro. O que interessa é o custo para o Estado e para os contribuintes e se o custo for o mesmo e se for possivel salvar vidas, acho que esse deve ser o critério. Mas não tenho nenhuma paixão e espero que não se chegue a situações desesperadas.Ora, esse preço de custo - julgando pelo entendimento/argumentário do sector privado - deverá ser mais elevado no sector público do que é no sector privado. E se assim for, a solução Lobo Xavier será um bónus para o sector privado.
Segundo acto. Nessa estratégia, juntou-se mais recentemente o papel dos ex-bastonários da Ordem dos Médicos. Em carta aberta, pediu-se uma alteração à estratégia do Governo de combate à pandemia assente apenas no SNS (por fuga do sector privado) e um "envolvimento" do sector privado (vulgo: pagamento pelo Estado dos doentes Covid). Este pensamento nada tinha de novo, mas colou numa altura em que é perceptível uma segunda vaga.
A carta aberta incendiou uma comunicação social acrítica, sem pensamento próprio, sem tempo para pensar ou escrever, que vai atrás da onda porque estão preocupados com a concorrência e não com a informação, sentindo na pele a pressão "todos estão a dizer o mesmo e, se eu não disser o mesmo, a notícia passa-nos ao lado". A carta aberta foi objecto de noticiários, mesas redondas, notícias. No recente programa Expresso da Meia Noite, na SIC Notícias, os jornalistas Bernardo Ferrão e Ângela Silva criticaram - através de sucessivas perguntas - a ministra da Saúde pela sua "opção ideológica" de querer combater a pandemia apenas com o SNS.
Ou seja, a comunicação social colocou-se claramente de um dos lados da negociação ao pressionar o Estado e o Governo a negociar com os privados a utilização dos seus recursos. Pior: a comunicação social nunca se questionou se não haveria outras formas de reforçar imediatamente o SNS ou por que razão, estando nós a viver uma situação de emergência, não pode o Estado requisitar os serviços do sector privado, ideia que permitiria baixar a parada do sector privado.
Esta campanha obrigará, de qualquer das formas, a um reforço de verbas do Orçamento de Estado. E aqui entra nesta negociação outro actor - o Presidente da República.
Primeiro, dando eco aos ex-bastonários e, depois, imiscuindo-se em áreas que não as do PR e exigindo um maior défice e mais verbas para a Saúde:
"Se se chegar à conclusão de que é preciso reforçar o orçamento da Saúde, não estou a ver nenhum partido a dizer que não, por muito que isso custe sacrificar uma ou outra área ou, neste ano que é muito especial, em termos de subida do défice", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa."O défice é muito importante, mas se for provado que, efetivamente, é preciso mais uns tantos zero vírgula qualquer por cento pela urgência de reforço do orçamento da saúde e os partidos entenderem que assim deve ser, pois assim deve ser", sublinhou. O Presidente da República considerou importante saber se "nos termos" em que os concursos são abertos "permitem a progressão de carreira", que "haja novo pessoal a entrar em funções" ou se "é preciso mais pessoal"."Este é um debate e uma discussão que tem de ser feita serenamente", adiantou.
O noticiário da Antena 1 desta manhã referia mesmo um reforço de verbas, não para o SNS, mas para o Sistema Nacional de Saúde (com privados). Marcelo Rebelo de Sousa já anunciou - escreve o Expresso - que, na próxima semana, vai consultar várias personalidades da área da Saúde, começando pela ministra da tutela, Marta Temido, mas recebendo também o atual e os ex-bastonários da Ordem dos Médicos, outros bastonários das áreas ligadas à saúde, ex-ministros da saúde, sindicatos e confederações sindicais e patronais, o "setor económico e social".
E o PS já dá mostras de estar a ceder.
No mesmo programa A Circulatura do Quadrado, em que a ministra foi criticada por Lobo Xavier por ter "cegueira ideológica e partidária" e "mais dificuldade pessoal" em admitir uma complementaridade com o sector privado, a dirigente nacional e líder da bancada parlamentar do PS Ana Catarina Mendes não teve uma palavra de defesa da ministra. E, quando Pacheco Pereira afirmou "eu não partilho da desconfiança da ministra em relação ao sector privado", respondeu apenas "eu também não". Ana Catarina Mendes esteve aliás bastante comedida. Coube a Pacheco Pereira afirmar:
"É evidente que não se pode falar de complementaridade sem fazer um apelo ao sector privado que não se pode servir da pandemia para fazer negócio. (...) não pode aproveitar-se desta circunstância para obter lucros com aquilo que é uma desgraça colectiva e deve mostrar a sua responsabilidade social."Ana Catarina Mendes apenas soube dizer:
"Não tendo um preconceito ideológico, não me choca nada que haja complementariadade dos privados com o SNS, que ainda não atingiu a sua capacidade máxima, não esgotadas as capacidades para dar resposta, apesar de os números estarem a aumentar." E lembrou que "se não fosse o SNS, muitas pessoas não tinham podido, se calhar ter o tratamento que têm de qualidade".Quando questionada pelo moderador que quis saber: "por que razão o Governo só agora parece sensível"aos argumentos para uma mudança de estratégia?", não contestou o pressuposto da pergunta e respondeu:
"Antes da pandemia, houve uma grande discussão sobre a Lei de Bases da Saúde. Nessa LBS, a grande discussão era de que forma o SNS - que queria ser reforçado e que foi sempre uma opção do PS, já do tempo de António Arnaut [o que não corresponde à verdade, com desinvestimentos claros nos governos Guterres e Sócrates]. Na LBS, ficou estipulada a complementaridade e a subsidariedade com os serviços sociais e a medicina privada. E acho que, nesta pandemia, a prioridade absoluta foi que ninguém ficasse sem tratamento. E ninguém ficar sem tratamento só poderia ser conseguido com o SNS. Os que podem, podem ir ao privado, mas quem não tiver recursos, tem de recorrer ao SNS".Teme-se, pois, qual vá ser o desfecho desta negociação em directo.
E cá estaremos para quantificar quanto vão receber os privados de prémio por ter fechado as portas aos cidadãos quando eles mais precisavam.
Quem vai pagar mais esta despesa do Estado, está-se mesmo a ver quem é. São sempre os mesmos a pagar; aumentam-se os impostos aos reformados e funcionários públicos para poder pagar aos privados mais uma fatia do Lucro Mínimo Garantido", como foi feito para as PPPs da saúde...
ResponderEliminarNo fundo o que os privados querem é isso mesmo, o que é uma contradição quanto à posição que sempre assumiram de quererem que o Estado baixe impostos. O que pretendem é que os impostos baixem para si e subam para "os outros"...
Se muitos médicos e enfermeiros que trabalham no privado também trabalham no público, pergunta-se: que opção vão eles tomar?
ResponderEliminarTeletrabalho no público e trabalho presencial no privado.
Poooiiiss...
Não é covid - é uma hérnia!
Daquelas que obrigam os bacanos a andar torcidos, com a mão estendida atrás das costas.
Poiiiis
EliminarOs neoliberais sempre armaram uma confusão dos diabos quando se exige a separação público/privado
Agora aparecem de mãos atrás das costas, a armar aos cágados quando antes armavam às PPP
Os privados - e respectivos acólitos -
ResponderEliminarficam sempre muito satisfeitos(!),
com os "negócios" feitos a um custo inferior ao suportado pelo Estado.
Fartam-se de propalar a poupança!
A satisfação do "negócio"...será à custa de QUEM?!
Ó Aleixo
EliminarA questão não é um leilão a ver quem dá menos. Os privados para o terem na mão até dizem que o fazem gratuitamente, desaparecendo. Isso até parece o paleio das poupanças do Lobo Xavier.
Mais um Lobo cim pele de cordeiro
Como diz o anónimo, aqui temos um verdadeiro imbróglio. Trabalhando os profissionais nos dois lados, pagos com um salário num lado e à peça no outro, está-se mesmo a ver quem fica a perder. Mas há mais, como garantir que transitando de um lado para o outro não são veículo de infeção?
ResponderEliminarMas façamos um bocadinho de história neste processo. No início da pandemia, quando o que se passava em Itália fazia prever um cataclismo infecioso no País, o que se pretendia era que o SNS fosse transformado numa espécie de covidário, deixando as outras patologias para serem tratadas no privado. Depois, como viram que a coisa não pegava, já se dispunham a tratar também os doentes infetados, pagos naturalmente pelo orçamento de estado. Felizmente não foi preciso pois o SNS mostrou-se suficiente para controlar a pandemia e suas consequências.
Agora as coisas estão a agudizar-se e, se a infeção se mostrar incontrolável, todos os recursos, públicos e privados, se podem tornar necessários para lhe fazer face. Para já ……
A ministra e o governo, bem sabem porque e quem os empurra, a questão está em saber se têm força para aguentar o tufão montado em torno de Marcelo.
A questão é demasiado séria e felicite-se João Ramos de Almeida por voltar ao assunto
ResponderEliminarHá dois dados fundamentais nesta história toda:
-por um lado o denominado sector privado da Saúde abandonou o ringue em Março de 2020. Perante a pandemia, decidiu "fechar as portas aos doentes Covid (por serem caros demais)".A face de quem procura apenas o lucro e nada mais que o lucro foi atingida por uma bofetada de todo o tamanho. Quais párias cobardes, fugiram.
-por outro este mesmo sector agora procura recuperar as oportunidades de negócio que lhe surgem como um maná e ir mais além. E aproveita para dar mais uma facada no SNS, que o ponha agonizante. A direita sempre teve um ódio de morte ao SNS. Pensa que é a altura de o subverter de vez
Uma peça fundamental no combate à pandemia são as máscaras. As máscaras são produzidas pelo setor privado que as vende com lucro, inclusivamente aos hospitais do SNS! É uma vergonha! O setor privado está a lucrar com a pandemia! Nacionalização imediata das fábricas de máscaras!
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ResponderEliminarMas que diabo, não consigo perceber a razão pela qual há dezenas de anos o Estado tem despejado milhões nos privados. Análises, toda a espécie de exames complementares, cirurgias simples, (as complexas são feitas nos hospitais do Estado) que são mais fáceis. O Estado tem estado refém das corporações ligadas ao negócio da saúde, sem desta dependência se libertar. É óbvio que a Pandemia veio complicar mais toda esta situação. A generalidade das pessoas não liga importância às medidas de prevenção, mas não se coíbe de responsabilizar o Estado pela atual situação. País de pobretanas, com manias de milionários.
Aguarda-se a todo o momento a publicação dos custos por acto médico no SNS para garantir que não se estejam a favorecer os privados, que só pensam em lucro... etc e tal.
ResponderEliminarÉ necessário denunciar esta vergonha! Quanto vão lucrar as farmácias com mais este negócio da saúde?
ResponderEliminarhttps://www.dn.pt/pais/corrida-a-vacina-da-gripe-farmacias-temem-nao-ter-stock-para-tanta-procura-12933015.html
Vacinação é no SNS!