O país que se tinha dedicado a julgar que as questões do território eram apenas a floresta, os incêndios, o mitificado interior, não deu conta que os grandes problemas eram a fragilização de todo o sistema urbano: as cidades médias, porque acumularam vulnerabilidades crescentes e as áreas metropolitanas, sobretudo a de Lisboa, por estarem a fazer inchar as suas periferias.
Nas duas décadas deste século, e sobretudo depois de a austeridade ter desabado sobre nós, Portugal teve a maior convulsão territorial da nossa contemporaneidade. Refiro-me a uma alteração profunda das relações entre as regiões, cujas evoluções se tornaram assimétricas e contrastantes como nunca. Isso resultou de algo muito preciso: uma forma de crescimento unipolar, apenas centrado na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com definhamento de todos os outros espaços, sejam eles urbanos, rurais, litorais ou interiores. A consequência mais significativa de tudo isto foi o que se passou com as cidades médias, que generalizadamente regrediram em termos demográficos, deixando-nos sem um sistema urbano nacional capaz. Inversamente, assistiu-se ao crescimento demográfico explosivo das periferias da região lisboeta.
Nos finais da década de setenta e inícios da de oitenta, a economia lisboeta e da sua cintura industrial esteve sob fortes impactos, em resultado dos problemas das indústrias pesadas e da ausência de formas de economia minimamente dinâmicas que as sustentassem localmente. Os salários em atraso, o desemprego, as bandeiras negras da fome ocuparam a agenda daqueles tempos. Contudo, esta crise foi apenas local, não se tendo generalizado ao conjunto do país. Porquê? Porque de forma descentralizada havia outras capacidades estruturadas que foram criando emprego, riqueza e capacidade exportadora. Quer dizer, havia “país”, havia mecanismos de compensação que reequilibravam do ponto de vista nacional o que estava desequilibrado localmente. A pergunta de hoje é a seguinte: se (quando) houver uma crise grave em Lisboa haverá agora “país” que compense os problemas da capital? A resposta é não, não há!
Três excertos do último livro de José Reis, Cuidar de Portugal: Hipóteses de Economia Política em tempos convulsos, que saiu sob a forma de ebook no mês passado. Espero que a Almedina tenha a sensatez de editar o livro propriamente dito, a melhor tecnologia até hoje inventada para ler.
Estamos perante um conjunto de ensaios, escritos antes e durante a pandemia, alguns deles publicados em jornais como o Público e o Le Monde diplomatique – edição portuguesa, que prolongam reflexões de economia política anteriores, aqui recenseadas, com particular incidência para a análise dos desenvolvimentos territoriais desiguais deste país assim deslaçado, com as consequências que agora todos podem ver.
O todo é mais do que a soma das partes. Para lá de um diagnóstico, que está longe de estar adquirido, como vê nas propostas governamentais bizantinas para um arremedo de regionalização, de resto alvo de críticas, José Reis avança com alternativas, sobretudo no campo da política regional e industrial, para uma economia nacional mais auto-suficiente e logo menos vulnerável.
Cuidar deste país é de facto atentar nas suas vulnerabilidades e nos meios de as superar.
Não deixem de ler.
O rumo imprimido pela esquerda da 3ªa via, em conluio com a direita, está a destruir o país.
ResponderEliminarNota-se um desalento nas gerações mais velhas e uma desorientação das mais novas que parecem irreversíveis.
Se há 40 anos atrás os Portugueses davam golpes de rins para ultrapassar os erros dos políticos no poder, era porque havia uma economia viável por trás, suportada por uma industria não muito evoluída, mas bastante resiliente.
O euro destruiu quase tudo e a economia está a transformar-se naquilo que se designa por Gig economy.
A Gig-Economy (talvez de possa traduzir por economia do biscate) não é substituto para a industria e não trará a Portugal nenhuma recuperação da crise, que acumula à anterior e assim evoluirá daqui para diante, arrastando desastre em cima de desastre.
“Crescimento verde e o tipo certo de inovação” - Mariana Mazzucato
ResponderEliminar“Sem os governos investirem mais activamente nós não vamos resolver os nossos problemas actuais, seja a crise climática, a crescente desigualdade ou a transição energética.”
“Os governos devem enfrentar estas questões com missões claras apoiadas pelos cidadãos.”
“Os desafios globais que estamos a enfrentar – a questão climática, pobreza e desigualdade, problemas sociais como a solidão e demência, doenças que ainda não podemos combater – exigem soluções inovadoras. Estes problemas exigem escolhas que requerem coragem política.”
“A sociedade como um todo é de fundamental importância para as escolhas do governo. O governo não opera no vácuo. As principais mudanças geralmente começam com o movimento de cidadãos.
Basta olhar para como os direitos dos trabalhadores foram estabelecidos. Eles não foram implementados porque o governo os iniciou. Tudo começou com a luta dos trabalhadores, os sindicatos lutando pelos direitos dos trabalhadores. Isso pressionou o governo a fazer as escolhas correctas.”
“O governo deve pôr em marcha inovações orientadas para a missão, através de investimentos de longo prazo em pesquisa de risco cujos resultados são incertos.”
“A agenda do crescimento zero, eu a chamo de agenda dos palhaços, a esquerda caviar. Eles não querem mudar, eles defendem seus interesses dentro dos parâmetros do sistema existente. Mas se está realmente preocupado com os limites planetários, deve então questionar: Onde queremos crescer ou diminuir? Queremos mais coisas, mais carros, mais bens de consumo? Ou queremos uma sociedade mais solidária?”
“Então os economistas do crescimento zero têm uma ideia errada de crescimento?”
“Sim. Eles olham para o crescimento como o conhecemos. Então é muito fácil dizer não ao crescimento. Mas onde isto nos leva? Sem crescimento, sem produção de bens: isto não nos proporciona uma sociedade mais sustentável e inclusiva. Eles não entendem que outras formas de crescimento são possíveis.”
https://braveneweurope.com/mariana-mazzucato-green-growth-and-the-right-kind-of-innovation
Quanto mais Estado mais gigantismo na periferia do seu centro nevrálgico.
ResponderEliminarQuanto mais permeável à corrupção for o Estado mais gente acorre a tornar-se próximo.
As duas últimas décadas é mera figura de retórica que fica a menos de metade do percurso intrusivo de uma partidocracia crescentemente infecta.
há uma crise grave em lisboa e vai demorar anos a resolver
ResponderEliminarforam 6 décadas de construção civil em torno de lisboa
ResponderEliminarUm "comentador" diz:
ResponderEliminar"Nota-se um desalento nas gerações mais velhas e uma desorientação das mais novas que parecem irreversíveis"
Isso queria o referido "comentador". Que fossem irreversíveis.
Eis uma alminha a pregar à "desistência".
Em prol da obediência?
O mesmo"comentador":
"Se há 40 anos atrás os Portugueses davam golpes de rins para ultrapassar os erros dos políticos no poder, era porque havia uma economia viável por trás"
Os portugueses davam golpes de rins para ultrapassar os erros dos políticos no poder?
Ah!
Um desastre em cima de um desastre
Uma excelente convocação a um debate necessário.
ResponderEliminarQue tem que ser radical
(deixemos para lá as idiotices de joão pimentel ferreira aonio eliphis, montado no defice da teoria de betão)
"Quanto mais permeável à corrupção for o Estado mais gente acorre a tornar-se próximo"
ResponderEliminarO Estado e a corrupção. Mais uma velha falácia, substituindo uma outra que falava do "menos estado, melhor estado"
O que se sabe é que a corrupção anda de mãos dadas com determinadas doutrinas, em que a "regulação dos mercados é feita pelos próprios mercados. E em que o lucro é o alfa e o omega da actividade humana.
No nosso modesto rincão foi com a privatização da banca e das grandes empresas, que eram de todos nós, que se começou a ouvir falar nos terratenentes banqueiros sem escrúpulos, nos Mexia, nos Zeinal Baiva...com ligações directas ao aparelho de estado, capturado por esses mesmos interesses
As privatizações são um magnífico exemplo dos interesses privados a sobreporem-se ao interesse nacional. De governantes saltavam para os conselhos de administração das empresas que tinham privatizado. Sob o olhar abençoado dum grande patronato ávido de. E de "empresas" internacionais em busca da pilhagem
A mão invisível dos mercados.
(A "mão invisível dos mercados" dá muito jeito a uma abjecta concentração do Capital. E vive e convive tão bem com a corrupção,que a amesenda à mesa e concubina com ela)
A partidocracia infecta diz ainda Jose
ResponderEliminarTalvez por isso jose goste mais do Estado Novo, onde não havia partidos para importunar a União Nacional. Insuportamente infecta. Mas aí não lhe chegava o odor da trampa
(Embora essa estória da "partidocracia infecta" mereça alguma reflexão. Por exemplo há dias Jose dizia que não lhe interessava o "Chega" para discussão. Mas e citando as suas próprias palavras "reconhecia-lhe a utilidade"
Já percebemos. O "infecto" e a utilidade)