quinta-feira, 9 de abril de 2020

Um jornal para tempos de mudança


Quando olhamos em volta vemos as imensas manifestações e gestos de solidariedade que a pandemia suscitou. Vemos também os que sempre defenderam o desinvestimento do Estado nos serviços públicos e a retirada de instrumentos de decisão aos poderes públicos virem agora apelar ao reforço do papel do Estado e das ajudas que este deveria disponibilizar. Podemos ser tentados a achar que, quando esta pandemia passar, porque ela vai passar, há condições muito melhores para, juntos, corrigirmos todas as falhas sistémicas agora à vista de todos. Podemos pensar que saberemos hierarquizar prioridades de investimento, por exemplo a saúde e não os bancos. Que saberemos revalorizar a investigação científica e o papel dos agentes educativos, com o investimento que estes sectores exigem. Que saberemos remunerar condignamente profissões durante tanto tempo invisíveis e que agora vemos que são essenciais à nossa existência, desde os profissionais da limpeza aos operadores de caixa de supermercado, passando pelos bombeiros e a protecção civil. Que saberemos reconhecer nos profissionais da cultura os responsáveis pela arrumação e higiene da nossa vida interior, aprendendo a pagar-lhes por isso. Que saberemos estender o perímetro das soluções públicas a todas as esferas de reprodução social da vida, por exemplo criando uma rede pública e universal de estruturas residenciais para idosos. Que saberemos recuperar o controlo público de sectores estratégicos, da energia à banca, levando o interesse colectivo expresso nas requisições civis em tempos de estado de emergência até à implantação de soluções duradouras, com a socialização ou até a nacionalização do que for necessário à preservação das nossas vidas. Mas se nada fizermos não é isso o que se prepara. 
Sandra Monteiro, Achatar as desigualdadesLe Monde diplomatique - edição portuguesa, Abril de 2020.

Doravante, todos sabemos o que custa confiar a cadeias de abastecimento espalhadas pelo mundo fora, e que operam sem stocks, a responsabilidade de fornecer a um país em perigo milhões de máscaras sanitárias e produtos farmacêuticos de que dependem a vida dos seus doentes, dos seus profissionais de saúde, dos seus distribuidores de mercadorias ao domicílio, dos seus empregados de caixa. Todos sabemos também o que custa ao planeta ter suportado desflorestações, deslocalizações, a acumulação de resíduos, a mobilidade permanente – Paris acolhe por ano trinta e oito milhões de turistas, ou seja, mais de dezassete vezes o número dos seus habitantes, e a autarquia congratula-se com isso…Doravante, o proteccionismo, a ecologia, a justiça social e a saúde estão ligados. Eles são os elementos fundamentais de uma coligação política anticapitalista suficientemente e poderosa para impor, e o tempo é agora, um programa de ruptura.
Serge Halimi, O tempo é agora, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Abril de 2020.

Uma edição de Abril com uma componente portuguesa particularmente importante, da saúde pública à economia política, passando pelos olhares de 21 artistas nacionais. É realmente tempo.

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