quarta-feira, 1 de abril de 2020

Faculdades públicas com excedente e alunos em stress financeiro. Faz sentido?


Sou contra as propinas no Ensino Superior. Ponto. Mas o fundamento dessa posição é uma outra discussão.

Este é um momento em que se solicita aos agentes que têm liquidez que suportem o impacto do choque económico. É isso que se tem pedido às empresas. Que usem os excedentes ou recorram a crédito para não precipitar uma vaga de despedimentos em contexto de suspensão de atividade.

Seria de esperar que as universidades públicas participassem num esforço semelhante. Os custos das propinas do ensino superior são suportados pelas famílias ou pelo rendimento dos estudantes, que estudam e trabalham em simultâneo. Este será um momento em que muitos alunos sofrerão com o atual clima económico. Em particular os trabalhadores-estudantes, na sua maioria com empregos precários, com elevada probabilidade de despedimento.

Seria desejável que as instituições públicas de ensino superior fizessem uso da sua margem financeira para acautelar esta situações. Sem declarações, sem requerimentos, sem burocracia. O que se exige é a suspensão das propinas ou, pelo menos, do pagamento que corresponde às últimas prestações que ainda não venceram.

O Conselho de Reitores já advertiu que isso é impossível. Será avaliado caso a caso, disseram. Não é de espantar: o Conselho de Reitores é uma das mais conservadoras instituições da sociedade portuguesa, que se opôs ferozmente à diminuição de propinas do anterior acordo de convergência parlamentar e se recusou a admitir investigadores no âmbito do PREVPAP. Afinal, os investigadores são bons para ostentar quando são capazes de fazer milhares de testes para o COVID-19 ou publicar a contar para o ranking das universidades, mas deus nos guarde de serem contratados pelas instituições.

Mas esqueçamos o comunicado do Conselho de Reitores. Há faculdades públicas que têm excedentes anuais de vários milhões de euros. Sim, leu bem: vários milhões de euros. São sobretudo fruto de serem áreas com elevado valor de mercado, o que, aliado a um sistema de ensino superior que não impõe um limite de propinas para mestrados, permitiu que estas instituições públicas funcionassem como instituições privadas que perseguem o lucro. Praticaram consecutivos aumentos anuais de 5% a 15% nas propinas de mestrado, que se cifram hoje em valores tão elevados como 6000€ ou 9000€ (ou mais), colocando uma pressão desnecessária nos custos do ensino superior.

Essa atitude nunca foi racional para uma instituição pública. Mas teriam agora o seu momento de redenção: já que possuem esses excedentes, poderiam utilizá-los para suportar o não recebimento das restantes prestações das propinas. O argumento de que o Estado não compensa esse não pagamento não é válido. Lembrem-se: estas faculdades têm excedentes.

Um movimento estudantil robusto e ativo já teria feito esta exigência há muito. Infelizmente, esses são adjetivos que não caracterizam o atual estado do movimento. As conquistas do movimento estudantil dos últimos anos foram construídas a partir de cima. Foram os acordos parlamentares à esquerda que impuseram a diminuição das propinas, sem que houvesse uma pressão vinda de baixo que a sustentasse. Fruto da conivência com as direções das faculdades e do controlo mais ou menos explícito das juventudes partidárias do centro político, o movimento estudantil está hoje paralisado, no essencial e para aquilo que é relevante.

Mas essa constatação não deve impedir todos os cidadãos que se batem pelo justo funcionamento das instituições públicas de exigir o que se impõe: suspensão das propinas.

Faculdades públicas com excedentes e alunos em situação de excecional stress financeiro não é uma realidade tolerável. E também assim deviam pensar aqueles a quem o progressismo e os valores de solidariedade tendem a esfumar-se dentro das universidades que integram.

3 comentários:

  1. O mestrado do meu filho vai custar mais de 7 mil euros, mas o da filha da vizinha, que frequenta uma instituição privada, vai custar-lhe a módica quantia de 13 mil.

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  2. Quem chega às crises com excedentes parece poder fazer coisas extraordinariamente louváveis.

    Será que daí decorre reconhecer-se o mérito da austeridade e do lucro?

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