sábado, 11 de abril de 2020

Austeridade não é só apertar o cinto

Só há uma solução para esta crise, dizem os autores do artigo:

1) emissão pública nacional de dívida a 100 anos, comprada pelo BCE, para fazer face às despesas na saúde; 2) emissão monetária pelo BCE, creditada directamente nas contas das famílias, para evitar que a quebra da procura se torne em recessão; 3) garantia dos postos de trabalho, para evitar um desemprego em massa.

Todas estas medidas estão a léguas do aprovado pelo Eurogrupo (com palmas). Esse plano apenas criará mais dívida a cada Estado, forçando mais tarde a exigência comunitária de mais austeridade.

Não se esqueça então: a austeridade não é apenas apertar cinto. A austeridade não é uma solução técnica. Porque os seus pressupostos foram todos incumpridos: crescimento, competitividade, justiça social. E no entanto ela vive: porque foram cumpridos os objectivos não declarados. Omissos.

Na verdade, a austeridade é um dispositivo imperial, de classse, que permite:

A) a transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, ao impor a flexibilização do mercado do trabalho, a qual facilita o despedimento e reduz os ganhos salariais, impedindo, com isso, a subida dos salários e de uma melhor repartição no rendimento criado;
B) a transferência de activos públicos para os privados a preço de saldo, através de programas obrigatórios de privatizações;
C) a transferência do Estado para os privados de "mercados" apetitosos, como os da saúde, da segurança social, da CGD, tudo à pala de que o Estado não tem vocação para lá estar;
D) a transferência de valor dos Estados do Sul para os Estados do Norte, ao impor um controlo cambial-monetário dominado por quem controla a moeda central do sistema e que se materiza na produção continuada de défices externos a Sul, os quais se traduzem numa crescente dívida externa desses países.
E) Tornar os mais ricos, mais ricos à custa de que os mais pobres se tornem mais pobres.

A austeridade é um saque controlado por quem controlo a dívida.  

E quem beneficia da austeridade não a quer perder por nada deste mundo. E tudo fará para que reine quando estava já em retrocesso. O Covid19 é o pretexto ideal para reganhar a iniciativa política perdida. E isso está escancarado no impasse criado no Eurogrupo. Todos os impasses têm pais. E não se olhe apenas para os cães de fila só porque ladram. Também eles têm uma trela silenciosa: a trela que está na mão de quem ganha com a austeridade.   

6 comentários:

  1. Todo o economista com percurso académico, comentador de temas económicos, político de qualquer cor, haveria de cumprir um tirocínio: viver seis meses do que ganhasse em produtos que levasse a feiras ou mercados, garantindo pelo menos um salário a um funcionário.

    Fala-se em garantir empregos como quem fala de lavar os dentes em cada dia - uma questão de higiene pessoal!



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    1. Todo o economista com percurso académico aprendeu que as medidas pró-ciclícas agravam a crise e comprometem a recuperação.
      Ok. Estamos também comprometidos porque não temos nenhum instrumento que não seja a emissão de dívida para pagar o que aí vem.
      A dívida tem 4 problemas: será gigantesca, acrescentará à já gigantesca divída pré-existente, terá que ser paga, num futuro já bastante comprometido e a taxa de juro exigida pelos agiotas pode ser incomportável.
      Portanto, o cenário mais evidente disto tudo é que o empresário que paga ao funcionário e o funcionário ficarem com as mãos a abanar.
      Isto é, se segunda-feira, não tivermos os bancos encerrados por falta de liquidez, após as transferências de fundos que estão a ocorrer desde a declaração do estado de emergência.
      E sabe uma coisa? Não são os funcionários que estão a mandar o pastel para a holanda.

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  2. O Jose prefere ser escravo ou dono de escravos?

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  3. Jose, acha que essa treta de 'os "empreendedores" é que sabem de Economia' ainda pega? Olhe que somos cada vez mais os que estamos fartos dela até aos gorgomilos.

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  4. Caro José,
    Já vejo que nem comentou os dois primeiros pontos das propostas feitas pelos economistas. No tempo que corre, já é uma lança em África.

    Depois desta pequena provocação, que não leve a mal, tenha em atenção que esta não é uma crise qualquer. E por isso, a garantia dos postos de trabalho é essencial sob pena de nada ficar depois de passar. Dir-se-á que, para quem anda em feiras e mercados, não é tarefa fácil. Ninguém nega. Mas estamos a falar de outro tipo de lógica de actuação pública que se distancia do funcionamento da gestão das mercearias. Trata-se de manter vínculos contratuais, quando a garantia salarial era feita pela sociedade. Qual é o vendedor em feiras e mercados que não o aceitaria?

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  5. Caro João
    O princípio é que as empresas não têm que garantir emprego, têm que garantir serem viáveis.

    A garantia pelo Estado dos postos de trabalho pelo lay-off simplificado, para quem tem expectativas razoáveis de poder retomar a actividade sem quebra de mercado é uma razoável medida, mas essa não vai ser uma situação dominante, e para a maior parte dos aderentes terá custos.


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