Em artigo no ECO, Joaquim Miranda Sarmento explica-nos que não vale a pena ter ilusões. Não interessa muito se o acordo alcançado no Eurogrupo é suficientemente bom ou não. Não vale a pena pensarmos em coisas mais arrojadas, porque, quando entrámos no Euro, aceitámos as suas premissas: dogma da estabilidade de preços, não financiamento monetário, inexistência de transferências entre estados. Se aceitámos, aceitámos e temos de viver com isso. Claro que poderíamos pensar em sair, mas isso seria um desastre.
Para Miranda Sarmento, a partir do momento em que se escolhe um caminho, não se pode mudar. Nem se pode tentar lutar para alterar as condições que balizam o nosso desenvolvimento. Isso é coisa de esquerdistas. Que todas essas premissas sejam hoje vistas como um ponto de partida errado para a moeda única, é pouco relevante. Stiglitz, Eichengreen, DeGrauwe, Krugman, Blyth, que interessam as apreciações desses tontos? Fazer um balanço crítico de quem assim decidiu a época? Nem pensar. Como a mãe religiosa a quem a filha confessa querer divorciar-se por sofrer de violência doméstica, Miranda Sarmento responde: "casaste com ele, filha, agora aguenta". Teremos de viver com condicionantes que hipotecam o nosso futuro porque alguém, lá atrás, decidiu assim.
Como não poderia faltar num artigo de Miranda Sarmento, há uma referência a Cavaco Silva. Desta vez não é para lembrar o quão próximo é do professor (vá lá), mas para nos deixar uma citação, que reza assim:
"Já o Professor Cavaco Silva referia no seu livro “União Monetária Europeia: Funcionamento e Implicações” (Lisboa: Ed. Verbo, 1999) que, com a moeda única, a política monetária e cambial únicas, a integração dos mercados financeiros e a coordenação de políticas económicas, sobrepostas ao mercado único, tendem a aumentar a diversificação industrial ao nível nacional, a aproximação das estruturas produtivas e a interdependência entre os estados membros".
De forma solene e paternalista, conclui: "Vinte anos depois, ainda há muitos que ou não percebem, ou fingem não perceber".
Há uma tremenda ironia em tudo isto. Miranda Sarmento reconhece que as regras do euro podem não ser boas, mas são as que aceitámos. Ora, quem as aceitou foi a mundividência intelectual que Cavaco representa.
Mas depois vem o grande salto em frente: a citação diz-nos que "[o euro] tende a aumentar a diversificação industrial ao nível nacional, a aproximação das estruturas produtivas e a interdependência entre os estados membros".
Só que isto nunca aconteceu, certo? Vinte anos depois, a nossa estrutura produtiva continua a agonizar com o peso cambial do euro, a sua introdução conduziu-nos a uma desindustrialização precoce com especialização em não transacionáveis, que esteve na origem nas balanças correntes deficitárias que nos levaram à crise. Foi o mesmo euro que nos trouxe a austeridade que levou à divergência de todos os indicadores sociais. É o mesmo euro que trouxe a estagnação dos salários reais e do crescimento. É o mesmo euro que acentuou a nossa dimensão periférica por 20 anos.
Que Miranda Sarmento venha citar Cavaco a falar-nos de convergência de estrutura produtiva e e diversificação industrial, é de uma tremenda ironia.
Típico do aluno que, tão preocupado em mostrar reverência ao mestre, se mostra incapaz de perceber o ridículo em que se coloca.
Um bom exemplo do que Marc Blyth chamou "cognitive locking" e "path dependency".
ResponderEliminarOu, numa versão inglesa dos anos 1980s, "There is no alternative".
Em 1989, Elvis Costello, gravou um álbum, "Spike", onde incluiu uma música intitulada "Tramp the dirt down"; num de refrões, ele canta:
"When england was the wh(piii...) of the world
Margareth was the madam."
Não é preciso preencher as reticências, pois não?
Em termos de ridículo, há que definir parâmetros:
ResponderEliminarQueremos sair do euro?
Queremos o euro desvalorizado?
Queremos transferências dos Estados membros da UE?
Sobre o que se construir a partir de um destes parâmetros, é que será ridículo ou não.
Não foi só a noção de ridículo que este "senhor" perdeu, perdeu, se é que alguma vez teve, a mínima noção do que é viver em democracia e liberdade, a única coisa que parece ter em mente é a transferência dos recursos dos debaixo para os de cima que é isso que está escrito nos tratados. Esta gente vale mesmo muito pouco.
ResponderEliminar"Quem sai aos seus não degenera"
ResponderEliminarA propósito da arquitetura do euro, aá uns dias deparei-me por acaso com um documento (Policy Brief) publicado em 2015 pelo CPB - Netherlands Bureau for Economic Policy Analysis, intitulado "Causes and policy implications of the Dutch current account surplus". Ficam aqui algumas passagens:
ResponderEliminarThe large Dutch surplus can be directly associated with diverging intra-Eurozone trade patterns since the 2000s. From a European perspective, the increasing bilateral trade imbalances — generated by the dynamics of a fixed nominal exchange rate, joint monetary policy through the ECB and the lack of effective adjustment mechanisms — represent an important economic policy concern. This issue, however, can only be addressed effectively by the Dutch government in coordination with other Eurozone members.
Secondly, the intra-Eurozone current account surplus in the Netherlands, combined with deficits in other countries, is an important element of the macroeconomic imbalances in the Eurozone. Since the Eurozone is the main trading partner and an important source of growth for the Netherlands, this is of great political and economic importance for the Dutch government. These diverging trade and investment patterns were generated first by large private capital flows until 2007 and later by the lack of effective intra-Eurozone adjustment mechanisms to deal with the asymmetric shocks from the 2008 financial crisis.
These elements indirectly point to a misalignment of the Dutch real effective exchange rate, mainly related to bilateral real exchange rate misalignments with other Eurozone members, and possibly also with third-countries. Typically, in countries with bilateral floating exchange rates we do not expect such large imbalances to last for long periods without an exchange rate correction.
There is limited policy scope to adjust these intra-Eurozone CA imbalances in the short term, given the intra-Eurozone fixed nominal exchange rate, joint monetary policy through the ECB and the lack of effective adjustment mechanisms. These supranational issues are not dealt with efficiently by individual national governments, and should be tackled jointly at the Eurozone level.
Importa dizer, alto e bom som, que ainda não há alternativa, como constatava o Prof. José Reis em artigo recente no Público. Existe um diagnóstico, mas um diagnóstico não representa uma cura. O médico que diz ao doente que ele vai morrer de cancro talvez lhe providencie o consolo do esclarecimento do inevitável (perder a vã esperança pode não ser mau), mas não o salva.
ResponderEliminarO Euro é evidentemente uma moeda disfuncional, porque a união é monetária mas não é política. Dá aos Estados do Norte da Europa uma moeda fraca que os ajuda a exportar, um mercado único que faz o mesmo e ainda podem servir, como a Holanda, Irlanda e Luxemburgo, de porto de abrigo para os capitais de outros países à procura de impostos baixos. Aos Estados do Sul dá-lhes uma moeda forte que não podem sequer desvalorizar para proteger os seus mercados internos e tornar as suas exportações mais concorrenciais.
Tem no entanto para Portugal algumas vantagens. Estabilidade cambial (protege o valor das poupanças) e obriga as empresas que se querem manter competitivas a inovar, para além da estratégia da desvalorização permanente que explicava porque a Lira Italiana não valia nada e porque a Itália a seguir se deu tão mal com o Euro...
Como um abandono do Euro significaria uma inevitável desvalorização e consequente reestruturação de parte da dívida pelo menos, ela viria acompanhada de inflação e muito provavelmente de medidas de austeridade impostas pelos credores (andamos um século a pagar a bancarrota do fim do século XIX e isso condicionou todo o nosso sec. XX, se ninguém se lembra). Claro, poderíamos entrar em default mas aí gostaria de saber onde iríamos encontrar as reservas de moeda forte para a aquisição de produtos e tecnologia essencial.
Logo, das duas uma. Ou a união monetária é completada (eventualmente mudando os tratados para permitir o financiamento dos Estados pelo BCE, para horror dos alemães, holandeses, etc), ou será necessário sair do Euro de forma negociada e planeada.
Só que, como foi dito acima, isso exige mais do que diagnósticos, exige planos e exige que se fale a verdade às pessoas e se lhes diga que o projecto implica deixá-las mais pobres, para que não se definhe totalmente a longo prazo.
E claro, podem esquecer todas essas ideias de o novo banco central português ir agora financiar directamente o Estado. Isso funciona em Economias de dimensão suficiente, como no RU ou na UE. Caso contrário preparem-se para ainda mais inflação...
Eu percebo que isto não ganha eleições algumas, mas o mundo é o que é...
O tratado de maastritch tem lá isso tudo escrito e ainda as 4 liberdades fundamentais do neoliberalismo.
EliminarE sim, estamos agarradinhos ao euro e à distopia do sacana.
E o conselho europeu garante que continuará assim...se o euro não rebentar nos próximos meses.
Não há forma de nos preparamos para isso e o sofrimento será imenso, para todos.
A questão principal é: quem vai o estado tentar salvar do tsunami?
Quem vai reagir?
Contra quem vai o estado usar a violência repressiva?
Quanto à estabilidade cambial e à protecção das poupanças da burguesia, tenho-lhe a dizer que as duas grandes potências económicas, EUA e China, governam com déficits colossais.
A única razão para o monetarismo do bce é a criação artificial de assimetrias, geradoras de crises, que resultam em transferências colossais de riqueza para o 1% da população.
Ate que enfim vejo o Jaime Santos a explicitamente aceitar o problema que e o Euro e a UE. Fica registado para memoria futura.
ResponderEliminarAcrescento que nem ha 1 ano atras, este mesmo personagem pedia que lhe trouxessem ja as "grilhetas de Bruxelas".
O mundo pula e avanca!
Daqui por um ano ainda o vou ver textos escritos a tres maos entre o Joao Rodrigues, Jorge Bateira e o Jaime "grilhetas de Bruxelas" Santos...
Este post é sobre a sapiência de uns letrados. Sobre a democrática acção de uns políticos. E, consequentemente, no buraco em que alguém sapientemente e democraticamente nos meteu.
ResponderEliminarQuanto a sair, relembra bem Jaime Santos, não é fácil. A realidade dos factos utrapassa as doutas teorias.
Por outro lado há sempre a hipótese de uma, ou outra, remodelação na Eurozona.
O mundo dá muitas voltas e o eleitorado alemão (mais os oranges), os DDT, são disciplinado, frugais e sabe do que gostam.
Ainda não percebi qual é a diferença inflacionária entre criar dinheiro directamente para a economia e criar dinheiro para a economia pagando uma renda pelo "previlégio". Mas vá lá, ao menos os neoliberais já não vêm só a jangada de pedra como alternativa, as crises têm destas coisas.
ResponderEliminarO Euro acentua as desigualdades entre emprego público e privado
ResponderEliminarPor vezes, como liberal que sou, também gostaria que não estivéssemos no Euro. As pessoas de esquerda ignorantes em economia e dependentes do estado, como alguns pensionistas e funcionários públicos, ignoram que é pelo facto de termos uma moeda forte, que lhes garante que não perdem poder de compra em tempos de crise. Todavia tal tem elevadas consequências para o setor privado, onde muitas pessoas passam a receber zero mensalmente com o aparecimento de crises económicas. O Euro acentua assim as desigualdades entre emprego público e privado. Pudéssemos nós desvalorizar a moeda com soberania monetária, e os dependentes do estado perderiam imenso poder de compra sem muito protesto social e sem imputar à economia privada um esforço considerável, melhorando assim a igualdade entre emprego público e privado e distribuindo o esforço de forma mais equilibrada entre os diversos setores da sociedade. Não esqueçamos que a soberania monetária é um excelente estabilizador automático para amortecer os impactos externos de uma crise, pois permite ao estado ajudar a economia com a impressão de moeda sem colocar em causa o equilíbrio das contas externas, pois com a consequente desvalorização cambial as exportações ficariam mais baratas e as importações mais caras. Com a impressão de moeda e consequente aumento da liquidez monetária, o governo poderia ajudar de forma muito mais robusta a economia, as empresas e os trabalhadores do setor privado que se encontram desempregados ou sem horário de trabalho. Claro que tal acarretaria desvalorização cambial, inflação e perda de poder compra real para as pessoas que têm rendimentos fixos e periodicamente garantidos, principalmente em relação aos produtos importados, sendo que estes compõem a grande maioria de produtos que os portugueses consomem (medicamentos, produtos eléctricos ou electrónicos, combustíveis, produtos agrícolas, veículos, etc.). Com a desvalorização cambial haveria mais equilíbrio e igualdade no esforço pedido à sociedade, pois os dependentes do estado perderiam poder de compra sem protestarem, e a economia privada teria apoios muito mais robustos. Este é mais um daqueles paradoxos sobre o qual qualquer pessoa de esquerda eurofóbica deveria reflectir.
in: https://www.veraveritas.eu/2020/04/o-euro-acentua-as-desigualdades-entre.html
Caro Diogo Martins, por vezes confesso, como liberal que sou, também gostaria que não estivéssemos no Euro. Algumas pessoas de esquerda iletradas em economia e dependentes do estado, como alguns pensionistas e funcionários públicos, ignoram que é pelo facto de termos uma moeda forte, que lhes garante que não perdem poder de compra em tempos de crise. Todavia tal tem elevadas consequências para o setor privado, onde muitas pessoas passam a receber zero mensalmente com o aparecimento de crises económicas. O Euro acentua assim as desigualdades entre emprego público e privado. Pudéssemos nós desvalorizar a moeda com soberania monetária, e os dependentes do estado perderiam imenso poder de compra sem muito protesto social e sem imputar à economia privada um esforço considerável, melhorando assim a igualdade entre emprego público e privado e distribuindo o esforço de forma mais equilibrada entre os diversos setores da sociedade. Não esqueçamos que a soberania monetária é um excelente estabilizador automático para amortecer os impactos externos de uma crise, pois permite ao estado ajudar a economia com a impressão de moeda sem colocar em causa o equilíbrio das contas externas, pois com a consequente desvalorização cambial as exportações ficariam mais baratas e as importações mais caras. Com a impressão de moeda e consequente aumento da liquidez monetária, o governo poderia ajudar de forma muito mais robusta a economia, as empresas e os trabalhadores do setor privado que se encontram desempregados ou sem horário de trabalho. Claro que tal acarretaria desvalorização cambial, inflação e perda de poder compra real para as pessoas que têm rendimentos fixos e periodicamente garantidos, principalmente em relação aos produtos importados, sendo que estes compõem a grande maioria de produtos que os portugueses consomem (medicamentos, produtos eléctricos ou electrónicos, combustíveis, produtos agrícolas, veículos, etc.). Com a desvalorização cambial haveria mais equilíbrio e igualdade no esforço pedido à sociedade, pois os dependentes do estado perderiam poder de compra sem protestarem, e a economia privada teria apoios muito mais robustos. Este é mais um daqueles paradoxos sobre o qual qualquer pessoa de esquerda eurofóbica deveria reflectir.
ResponderEliminarCaro Paulo Marques, mas não tem de pagar uma renda pelo privilégio, pois só tem de pedir dinheiro emprestado aos mercados se houver défice. Com contas públicas equilibradas não precisa de pagar rendas, ie, dividendos de capital. Agora explique-me porque motivo é a esquerda que defende défices públicos, leia-se, que geram juros, ou seja, "rendas".
ResponderEliminarCumprimentos