terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Uma geração chega?


O dado mais relevante da análise da votação no Chega, no âmbito da última sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso/SIC (e na qual esta formação política atinge os 6%) é porventura o da distribuição etária das intenções de voto, em que «o partido quase não existe» na faixa entre os 18 e os 24 anos, registando-se em contrapartida um «apoio desproporcional» entre os 25 e 44 anos.

Como refere Pedro Magalhães, o eleitor do Chega parece de facto, nesta sondagem, desviar-se do «retrato-robô» do eleitor da extrema-direita por essa Europa fora. Isto é, do perfil de um eleitor do sexo masculino, com baixa instrução, desempregado, oriundo do operariado ou do pequeno empresariado e pequeno comércio (as «vítimas da globalização»). Nas habilitações, por exemplo, os dados apontam para um perfil em linha com o peso relativo do ensino superior (20%) e acima da média no secundário (cerca de 1/3 dos inquiridos que manifestam intenção de voto no Chega, contra os 23% registados). E apontam, ainda, para um eleitorado essencialmente urbano (a Grande Lisboa reúne 40% das intenções de voto no partido de Ventura) e mais politizado que o eleitorado do PSD e CDS-PP.

A explicação para este «desvio», face ao «retrato-robô», poderá portanto estar, no caso português, na «geração da precariedade». Isto é, em segmentos de população jovem portuguesa (25 a 44 anos) com elevados níveis de qualificação mas com empregos precários e mal-remunerados. Uma geração que sentiu na pele, como talvez nenhuma outra, a desregulação e flexibilização das relações laborais e a compressão e estagnação salarial, políticas amplamente incentivadas pela Comissão Europeia (entrando por aqui, se quisermos, parte do fator «globalização»). Uma geração suficientemente politizada, no sentido em que acompanha a vida do país, com razões para aderir a discursos de senso comum sobre corrupção e incompetência da classe política, entre outros, e que confronta o regabofe da banca e da salvação da banca com a frustração das suas expetativas e a ausência de condições para construir um projeto de vida.

Claro que uma geração, esta geração, não chega para explicar os resultados da sondagem relativos ao crescimento do Chega. À sua relevância deve acrescentar-se o contributo de segmentos da população e do eleitorado tradicionalmente mais propensos a aderir a propostas populistas, o tal eleitorado mais próximo, em termos de perfil, do «retrato-robô». Mas é porventura esta geração que está hoje, em grande medida, a fazer a diferença, de voto e das intenções de voto, num partido de extrema-direita como o Chega.

6 comentários:

  1. Não deixa de ser um contra-senso. Como se refere: «a «geração da precariedade». Isto é, em segmentos de população jovem portuguesa (25 a 44 anos) com elevados níveis de qualificação (sic) mas com empregos precários e mal-remunerados». Mas pergunto: esta gente não leu o programa eleitoral do Chega? O tal que quer privatizar tudo e ainda precarizar mais? Será que o excesso de qualificações fez deles burros ou simplesmente niilista, ou temos um caso de psiquiatria que afectará toda esta geração? Se não é para mim não é par mais ninguém! Muito estranho ou então uma geração afectada por grave transtorno psicótico...

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  2. E o que diz a esquerda(?) que aposta tudo nas questões identitárias e defende que muito devemos à União Europeia e Euro? Pois é...

    Porque não existe uma força política à esquerda que se foque veemente em explicar à população portuguesa o mal que o “europeísmo” fez e faz à maioria da população portuguesa?

    Dirão alguns que o PCP é essa esquerda, lamento, mas se o PCP é o melhor que se arranja para fazer frente ao “europeísmo” ubíquo o melhor se calhar é cometermos já o suicídio e evitarmos a morte lenta que o “europeísmo” está a provocar…

    A população portuguesa tem que ter acesso à informação alternativa ao facciosismo “europeísta”.

    Como sabem a comunicação social não é amiga dos que criticam a União Europeia/ Euro, é bem capaz de ser mais amiga de André Ventura do que dos críticos do “europeísmo” realmente existente, portanto, o esforço daqueles que querem ver a realidade “europeísta” ultrapassada é colossal.

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  3. Desde o 28 de Abril de 1974 com a chegada de Mário Soares a Portugal com a bênção da CIA e com a capa do socialismo democrático ou social democracia para implementar em Portugal o liberalismo à USA.

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  4. Sem filiação partidária,mas de esquerda,uma esquerda que me levou à cadeia fascista, não consigo ouvir disparates sobre o PCP sem que não me salte a vontade de deitar a mão à macarofa !
    Macarofa é como ,em quimbundo, se chama uma pistola ! Uma prenda que aprendi na Guerra Colonial, que existiu de facto, não foi um exercício teórico!
    Engula o que entender, Geringonço, mas há um partido que desde sempre combateu a nossa adesão à CEE,à moeda única,etc., etc.. Cometa suicídio hoje, porque outrem não vejo que possa apresentar as mesmas credenciais, é a puta da coerência, cabra velha que tanto atrapalha os trapezistas!
    Quanto a fascistas, sempre existiram e sempre os vencemos,não vejo porque agora será diferente
    - Calma e estupidez natural,como se aconselhava para o exame de Cálculo Infinitesimal.

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  5. As análises têm comunmente um postulado em dois andamentos: o eleitor vota com o estômago e sempre dá créditos à acção da esquerda.

    A ideologia, a definição e hierarquização de valores são matérias a tratar dentro da esquerda e só quem pensa com o estômago pode deixar de os reconhecer. Excepciona-se o capital e os seus agentes na exploração que negam esses valores e a acção da esquerda, tudo para cuidarem dos seus insaciáveis estômagos, que nisso nem eles são excepção.

    E sendo o Estado, máquina trituradora de impostas e asilo de tanta imbecilidade, a imagem mais emblemática do destino último da esquerda, nunca ninguém se interroga se não é profundamente ideológica a insatisfação e a busca de um novo discurso político que mobiliza tanta gente.

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  6. Abraham Chevrolet, eu sei que o PCP defendeu a não entrada de Portugal para a CEE e para o Euro.

    No meu entender Portugal precisa de um movimento, um partido, algo que se seja marcadamente anti-União Europeia e Euro, um movimento/ partido que tenha como grande objectivo tirar Portugal da União Europeia/ Euro.

    Um movimento/ partido que não esteja preocupado prolongar a sua existência após objectivo alcançado, um movimento/ partido que seja intransigente na questão "europeísta", esse movimento/ partido não é o PCP...

    Pode até ser que esse movimento/ partido não alcance o poder mas entretanto vai permitindo que a população tenha acesso a outras narrativas, e assim, desencadeie o fim deste pesadelo que se tornou o "europeísmo".

    Como aconteceu como o partido do Farage, ele não alcançou o poder mas o Brexit aconteceu!

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