Ainda sobre os resultados do PISA 2018, divulgados em dezembro, vale a pena lembrar a reação de Nuno Crato, em artigo recente no Público. Começando com uma citação de «Alice no País das Maravilhas», e aludindo ao dito popular sobre copos meio-cheios e meio-vazios, Crato defende que «se o ano de 2015 obteve os melhores resultados de sempre, o ano de 2018 revelou uma estagnação, acompanhada do aumento das desigualdades». De caminho, acrescenta que «durante mais de uma década, sobretudo a partir de 2002, o país fez um esforço consciente para dar atenção aos resultados (...) e para os melhorar, elevando os conhecimentos e a formação dos alunos». E ainda, noutro contexto, também a propósito do PISA, que «a exigência é amiga dos mais desfavorecidos», pois «se tivermos um ensino mais exigente, com metas cognitivas mais claras, os mais desfavorecidos lucram, porque os outros têm vários apoios».
1. Depois de reduzir a pó a política de educação em Portugal, com referências insistentes à «década perdida» e apelidando os seus antecessores de «sociólogos ideólogos, fanáticos de um certo tipo de ensino», de «pessoas que não olham para a realidade», que se «agarraram ao poder dos corredores do ministério» e que «não sabem de educação» e «nem sequer percebem que a educação em Portugal está mal» (ver vídeo), é preciso ter muita lata - que não falta a Crato - para agora dizer, sem dar a mão à palmatória, que a melhoria progressiva nos testes do PISA resulta do «esforço consciente», feito «durante mais de uma década», para «dar atenção aos resultados (...) e para os melhorar, elevando os conhecimentos e a formação dos alunos».
2. É notável, por outro lado, que o ex-ministro não tenha pejo em insistir na aldrabice de que se devem ao seu mandato (2011-2015) os resultados de Portugal no PISA 2015, «os melhores de sempre», quando os alunos abrangidos pela introdução dos exames no 4º e 6º ano e das metas curriculares não participaram, pela própria cronologia do seu percurso escolar, nessa edição do PISA. Aliás, é essa mesma lógica - de associar os resultados de cada PISA aos quatro anos que antecedem a sua realização (quando o que se avalia são as competências adquiridas por alunos com 15 anos ao longo de todo o seu percurso escolar) - que lhe permite tentar colar a estagnação e ligeira descida no PISA 2018 às políticas da maioria de esquerda, na anterior legislatura (2015-2018).
3. Como se não bastasse, o Nuno Crato que manifesta hoje a sua preocupação com os alunos mais desfavorecidos («porque os outros têm vários apoios»), é o mesmo Nuno Crato que cortou 700M€ no orçamento da Educação entre 2011 e 2015, que aumentou o número de alunos por turma e reduziu o número de docentes, que impulsionou mega-agrupamentos de escolas, afunilou o currículo e criou exames precoces (pedagogicamente contraproducentes e socialmente penalizadores dos alunos com menor estatuto socioeconómico). Preferindo, ainda, quase não mexer no desperdício com Contratos de Associação para poupar mais nas verbas em Ação Social Escolar (em tempos de crise, desemprego e empobrecimento). Ou seja, medidas que beneficiam, como está bem de ver, a aprendizagem e aquisição de competências por parte dos «alunos mais desfavorecidos», pelos quais verte agora uma lágrima.
4. É sintomático, por último, que o ex-ministro em nenhum momento considere a hipótese de os «seus alunos» (que, agora sim, integraram a amostra do PISA 2018) transportarem consigo não só as marcas da sua política educativa mas também o impacto da austeridade imposta pelo governo a que pertenceu. Isto é, ignorando que os alunos tenham sido afetados, no seu percurso e desempenho escolar, pela perda de rendimentos dos pais e por situações de desemprego e empobrecimento, pela angústia e incerteza em que mergulharam milhares de famílias naqueles anos. As taxas de retenção, por exemplo, que aumentaram durante o consulado de Nuno Crato, podem muito bem resultar do efeito combinado da sua política e da degradação das condições de vida de muitos alunos e suas famílias.
Adenda 1: O lastro deixado pelos «anos de chumbo», que não desaparece de um dia para o outro, quase não foi tido em conta na análise da estagnação e ligeira queda de Portugal no PISA 2018. Contudo, com a chegada dos «alunos de Crato» a esta avaliação, faz pouco sentido ignorar o significado desses anos quando se procura interpretar, em 2018, o desempenho escolar dos alunos. É que há mais mundo para lá da escola (mas que não se desliga dela).
Adenda 2: Causa alguma impressão ver a Fundação Francisco Manuel dos Santos, que promoveu o Projeto Aqeduto, responsável pelos melhores estudos que se fizeram nos últimos anos sobre a importância da origem social e económica dos alunos no desempenho escolar (dimensão normalmente desprezada pela direita), nomear Nuno Crato para a Iniciativa Educação, o novo projeto da FFMS para o setor.
Nuno Crato é um caso patológico, aliás, o governo Paf estava pejado de casos patológicos...
ResponderEliminarO mal que estas criaturas fizeram...
Tudo isso vaia dar ao quê?
ResponderEliminarNo propagandeado desígnio dm que ninguém seja reprovado, perdão, redtido, ou melhor, atrasado no que se espera seja uma vertiginosa formação obrigatória, está o segredo para o empenho de alunos e professores?