Há comportamentos que revelam uma opção clara do governo português. E é pena. É grave para um governo que se diz de esquerda.
Na página do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não há um único comunicado sobre a situação na Bolívia. Em comparação, a Venezuela grita em tudo o que é actividade do seu ministro Augusto Santos Silva. O mesmo se passa na página do Facebok.
Para não cansar os leitores, resumir-me-ei aos anos de 2018 e 2019.
Em Janeiro de 2018, Augusto Santos Silva visitou o Cardeal de Caracas. "Eu pedi a audiência ao cardeal Don Jorge porque queria ter o ponto de vista de quem está tão presente na vida quotidiana das pessoas, num país católico como a Venezuela", disse o ministro. Depois dos encontros com a comunidade portuguesa, o ministro prestou declarações à agência Lusa, em Caracas: "Infelizmente vivemos tempos muito difíceis. A Venezuela está hoje com muitas dificuldades e essas dificuldades sentem-se em toda a gente".
No dia seguinte, o ministro e o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, reuniram-se com o ministro das Relações Exteriores venezuelano, e Simón Zerpa, ministro das Finanças da Venezuela, para darem a conhecer as dificuldades sentidas pela comunidade portuguesa. E nessa manhã o ministro reuniu-se com Julio Borges, líder de um dos partidos da oposição venezuelana e ex-presidente da Assembleia Nacional. No dia seguinte, reuniu-se com o presidente Maduro.
Entre 15 e 16/2/2018, o ministro participou no conselho dos ministros de Negócios Estrangeiros da UE em que a situação da Venezuela foi discutida. A 28/5/2018, nova discussão, em Bruxelas, do Conselho de Negócios Estrangeiros da União Europeia (CNE). De 25 a 28 de Junho, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, visita à Venezuela para contacto com as comunidades portuguesas nas localidades de Caracas, Valência e Maracay. É a quarta viagem que fez aí. A 5/8/2018, "o Governo Português condena os atos violentos ocorridos ontem em Caracas durante as celebrações do aniversário da Guarda Nacional Bolivariana, e reafirma nesta ocasião a sua rejeição do uso de meios violentos para quaisquer fins políticos". De 24 a 28/9/2019, o ministro esteve em Nova Iorque, para a semana ministerial da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU), onde teve uma reunião de trabalho com o seu homólogo venezuelano. A 21/9/2018, o ministro convocou o embaixador venezuelano em Lisboa para "lhe transmitir a grande preocupação do Governo Português pela detenção, na Venezuela, de 38 gerentes de duas cadeias de supermercados portuguesas". De 6 a 11/10/2018, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas visitou a Venezuela, em seis cidades, para se encontrar com a comunidade portuguesa e com associações luso-venezuelanas, bem como com o vice-ministro para a Europa venezuelano, Iván Gil. De 9 a 10/10/2018, o ministro recebeu o ministro das Relações Exteriores do Brasil, tendo no dia 10, discutido a situação na Venezuela e as relações Brasil-Mercosul. A 15/10/2018, o ministro participou, no Luxemburgo, no CNE da UE, em que, ao almoço, se discutiu "o tema Venezuela, nomeadamente a crise migratória e a situação política naquele país". A 10/12/2018, o ministro participou, em Bruxelas, no CNE da UE, em que se abordou "assuntos correntes, Balcãs Ocidentais, Venezuela, Ucrânia, Irão e relações entre a UE e a União Africana".
Já em 2019, de 21 a 22 de janeiro, o ministro desloca-se a Bruxelas para participar no CNE da UE, no qual são debatidos "assuntos da atualidade internacional, nomeadamente os relacionados com os últimos desenvolvimentos políticos internos na Venezuela". No segundo dia, os ministros da França, Itália, Portugal, Países Baixos e Espanha "reiteram a sua profunda preocupação com a deterioração da situação política e humanitária na Venezuela" e encorajam a Alta Representante/Vice Presidente Mogherini "a intensificar contactos com atores internacionais, de modo a estabelecer prontamente um Grupo de Contacto Internacional com o objetivo de facilitar o diálogo entre as autoridades venezuelanas e a oposição para ultrapassar a atual situação".
A 26/1/2019, o ministro juntou o seu nome a uma declaração da UE instando "o senhor Nicolas Maduro a adotar os procedimentos legais necessários para que eleições presidenciais democráticas fossem anunciadas num prazo de oito (8) dias". "O Governo Português congratula-se igualmente com o facto de a União Europeia ter assumido uma posição solidária nesta sensível matéria, contribuindo deste modo para a muito desejável solução pacífica, inclusiva e democrática que permita ultrapassar o impasse politico e a forte crise social em que a Venezuela hoje se encontra". Nesse mesmo dia, o governo português emite uma nota em que afirma que se apela "à realização na Venezuela de eleições presidenciais livres, transparentes e credíveis, de acordo com as práticas democráticas internacionalmente aceites e no respeito da Constituição da Venezuela". E faz o ultimato: "Caso a convocação das eleições nos termos referidos não seja anunciada nos próximos dias, e o mais tardar daqui a oito dias, o Governo Português tenciona reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino da Venezuela, nos termos previstos pela Constituição da Venezuela, com a incumbência de convocar as eleições".
De 31/1 a 1/2/2019, o ministro participa, em
Bucareste, na reunião informal de ministros dos NE da UE (Gymnich), que teve início "com um almoço de trabalho sobre a parceria oriental, seguido de sessões sobre a Venezuela e sobre a Síria". A 4/2/2019 e "atendendo à importância de que o povo venezuelano se possa expressar livremente sobre os destinos do seu País", o governo português reconheceu em Fevereiro o senhor Gauidó como presidente interino da Venezuela, juntamente com os governos da Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Países Baixos, Polónia, Reino Unido, República Checa e Suécia.
A 7/2/2019, o ministro participou, em Montevideu, no Uruguai, na 1ª reunião ministerial do
Grupo de Contacto Internacional (GCI) para a Venezuela, o qual "tem por objetivo contribuir para a criação de condições para a
emergência de um processo político pacífico, permitindo ao povo
venezuelano determinar o seu futuro através da realização de eleições
livres, transparentes e credíveis, em linha com as disposições da
Constituição Venezuelana". A 18/2/2019, o ministro participou, em Bruxelas, no CNE da UE, no qual estavam na agenda um almoço em que houve "oportunidade
de debater a situação na Venezuela". De 25 e 26/2/2019, a secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação,
Teresa Ribeiro, representou Portugal na 40.ª
Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, tendo intervido "reafirmando o compromisso nacional com o multilateralismo e a realização
plena e universal dos direitos humanos, e apelando a uma solução
pacífica para a crise na Venezuela". A 15/3/2019, o ministro recebeu o seu homólogo espanhol, com quem discutiu
"interesses partilhados na América Latina, designadamente a situação na
Venezuela". Três dias depois, o ministro participa, em Bruxelas, no CNE da UE, no qual se discute "os temas China, Moldova, Iémen e Venezuela". A 28/3/2019, o ministro participa na 2ª reuniãodo GGI para a Venezuela, em Quito, no Equador. Lá, analisou-se"as conclusões das missões técnicas da
copresidência do Grupo à Venezuela (Uruguai e UE) sobre
ajuda humanitária e sobre a criação de condições para a realização de
eleições livres, transparente e credíveis". A 8/4/2019, o ministro
participou, no Luxemburgo, no CNE da UE, no qual, num "almoço de trabalho", se debateu "a
situação na Venezuela". A 23/4/2019, o ministro recebeu a vice-presidente e ministra das Relações Externas do Panamá, com quem abordou vários temas, entre os quais, "as situações na Nicarágua e na Venezuela".
A 2/5/2019, o governo português emite uma nota: "Portugal manifesta a sua mais firme condenação da repressão e do uso da violência contra a população civil venezuelana; e exige o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, a todos garantidos pela Constituição da Venezuela. O Governo Português manifesta a sua total condenação de intervenções estrangeiras na Venezuela que visem manter artificialmente e contra a vontade da grande maioria da população uma situação política que impede a livre escolha pelos venezuelanos do seu futuro. E reafirma: "O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal participará na IIIª Reunião Ministerial do Grupo de Contacto Internacional para a Venezuela, a decorrer em São José, na Costa Rica, nos dias 6 e 7 de maio, que irá discutir, com os parceiros europeus, regionais e internacionais, os próximos passos para a criação das condições necessárias à realização de eleições livres e credíveis".
A 10/5/2019, nova nota do governo português: "O Governo Português condena veementemente a detenção arbitrária do vice-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Edgar Zambrano, ocorrida durante a noite de ontem em Caracas. Portugal apela à libertação imediata do deputado Edgar Zambrano e salienta a responsabilidade das autoridades venezuelanas implicadas pela sua segurança e integridade física. Esta detenção inscreve-se na estratégia de intimidação que tem vindo a ser desenvolvida contra a Assembleia Nacional da Venezuela, no sentido de impedir o exercício dos seus poderes constitucionais e de perseguir os seus parlamentares, medidas que Portugal repudia energicamente".
De 13 a 14/5/2019, o ministro participou no CNE da UE, em que a Venezuela foi o primeiro tema. Em diversos encontros com os homólogos de vários países, discute a questão da Venezuela.
A 28/5/2019, é emitida uma nota: "O Governo Português congratula-se com a nomeação, hoje anunciada pela Alta Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança, Federica Mogherini, de Enrique Iglesias como seu Conselheiro Especial para a Venezuela, com vista a apoiar o trabalho do Grupo de Contacto Internacional para aquele país. Esta nomeação constitui mais um sinal do indefetível empenho da União Europeia numa solução política, inclusiva e pacífica para a crise no país, através da realização de eleições presidenciais livres e democráticas, permitindo um acompanhamento reforçado da situação por parte do Grupo de Contacto Internacional".
A 3/6/2019, o ministro participou, em Nova Iorque, na reunião ministerial conjunta entre o Grupo de Contacto Internacional (GCI) para a Venezuela e o Grupo de Lima (GL).
A 23/9/2019, o ministro participou na reunião ministerial do Grupo de Contacto Internacional Venezuela e a Reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, na qual esteve a Alta Representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança da União Europeia e vice-presidente da Comissão Europeia, Federica Mogherini.
Desde aí, não mais se descreveu sobre a Venezuela.
Noutro dia se analisará a actividade do governo português relativamente ao Brasil de Bolsonaro.
Jornalismo da mais pura água
ResponderEliminarE a cumprir serviço público
Parabéns João Ramos de Almeida
Nota cómica: "O Governo Português manifesta a sua total condenação de intervenções estrangeiras na Venezuela que visem manter artificialmente e contra a vontade da grande maioria da população uma situação política que impede a livre escolha pelos venezuelanos do seu futuro.".
ResponderEliminarEngraçado como um País que entrega a soberania a um proto-estado estrangeiro...
...um País que integra uma suposta comunidade, que tem um órgão - NÃO ELEITO! - que acumula o poder legislativo e executivo...
...um País que adotou uma moeda estrangeira e assim se tornou uma colónia de outrem...
...um País que vive de crédito...
...um País que trabalha para manter a funcionar um conjunto de bancos falidos...
...fala em "manter artificialmente e contra a vontade da grande maioria da população uma situação política que impede a livre escolha pelos venezuelanos".
Só pode ser para rir.
Como diria o comendadorzito: Ah! Ah!
Faltou mencionar o envio de um GOE e respectivas metralhadoras para a nossa Embaixada em Caracas
ResponderEliminarIntuitivamente já tinha percebido a mudança entre o final de 2018 e início de 2019. Falta nesta cronologia a articulação Bruxelas-Washington, onde sem dúvida se insere a política subordinada do governo português. Curioso também observar como há um apagamento progressivo do José Luís Carneiro em favor do Augusto Santos Silva, sinal de que o governo português subordinou o interesse/defesa das comunidades portuguesas e dos seus interesses, no respeito pelo direito internacional, ao interesse dos EUA.
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